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CAPÍTULO III EDUCAÇÃO DO CAMPO E A EXPERIÊNCIA DE

3.1 A educação do campo

O debate entre educação do campo e da cidade, na maioria das vezes, vincula-se à simples transposição da educação da cidade para o campo, desconsiderando-se totalmente a realidade e as especificidades dos sujeitos que vivem no campo.

Com a criação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aparecem elementos que tratam especificamente da Educação do Campo. O artigo 28 propõe adequações da escola à vida do campo, mas não traz grandes novidades e avanços.

O que historicamente se evidencia é que a educação nunca foi prioridade e muito menos teve a intenção de atender os camponeses. Sabemos que, nas estruturas capitalistas que se mantêm, a lógica é de manutenção e somente teremos mudanças radicais na educação se rompermos com esse sistema. Nesse sentido, Meszáros (2005, p. 25) afirma:

Poucos negariam hoje que os processos educacionais e os processos sociais mais abrangentes de reprodução estão intimamente ligados. Conseqüentemente uma reformulação significativa da educação é inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social no qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança.

Tendo essa compreensão e entendendo que a educação não poderia mais estar a serviço de uma elite, é que alguns movimentos sociais desenvolvem suas experiências educacionais, defendendo que os processos educativos devem ir além da educação escolar. Foi na defesa de seus direitos (entre eles a educação), que alguns movimentos sociais (juntamente com entidades e organizações) iniciaram um movimento nacional de luta e defesa da educação pública para os povos do campo e realizaram a I Conferência Nacional: Por uma Educação Básica do Campo63, a qual tinha por objetivo:

63 A I Conferência Nacional: por uma Educação Básica do Campo foi realizada em Luziânia (GO), de 27 a 30 de julho de 1998, sendo promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e Universidade de Brasília (UnB), as quais assumiram a tarefa de dar continuidade à mobilização nacional desencadeada pelo processo de preparação e de realização da referida conferência (KOLLING; NERY; MOLINA, 1999, p. 5).

A I Conferência Nacional: Por uma Educação Básica do Campo foi um processo de reflexão e de mobilização do povo em favor de uma educação que leve em conta, nos seus conteúdos e na metodologia, o específico do campo (KOLLING; NERY; MOLINA, 1999, p. 13).

Ao avaliar o processo de realização dessa Conferência, Ribeiro (2008, p. 15-16) afirma que:

O apoio das entidades financiadoras da Conferência não interferiu nas definições das propostas de Educação do Campo formuladas pelos movimentos sociais populares, mesmo considerando as suas contradições internas e as divergências de projetos sociais das entidades e organizações sociais, sindicais e movimentos sociais populares presentes. Não só a liberdade de ação e a autonomia em relação a outras instituições se afirmaram nesse período, mas sob liderança do MST, coloca-se no horizonte a conquista da emancipação social associada a construção do projeto popular de sociedade identificado com o socialismo.

A Conferência foi resultado de um processo iniciado no final do I ENERA (Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária), realizado em Brasília e promovido pelo MST, em julho de 1997, no qual foi colocado o desafio para as entidades promotoras de realizar um trabalho mais amplo sobre a educação, levando-se em conta o contexto do campo (RIBEIRO, 2008, p. 13-14).

Nesse período, o MST tinha uma coordenadoria especializada para a Educação do Campo, e foi um dos principais movimentos que ajudou a organizar e reivindicar esse direito. O MST que, em relação à educação, tinha como objetivo primeiro a luta para ter escolas nas áreas de Reforma Agrária, num processo dialético de construção envolvendo o debate teórico com as vivências, foi ajudando a constituir uma pedagogia, à qual denominou Pedagogia do Movimento64. Assim, a Educação do Campo vem sendo construída juntamente com os trabalhadores do campo, discutindo-se desde o acesso até a concepção de educação que se quer construir.

O movimento inicial de Educação do Campo foi o de uma articulação política das organizações e entidades para denúncia e luta por políticas públicas de educação no campo, e para mobilização popular em torno de um novo projeto de desenvolvimento. Ao mesmo tempo tem sido um movimento de reflexão pedagógica das experiências de resistência, constituindo a expressão e, aos poucos, o conceito de Educação do Campo (CALDART, 2004, p. 3).

Para conceber esse novo jeito de educar, não bastam apenas as vivências e a vontade.

64 Segundo Caldart (2004), a Pedagogia do Movimento, não cabe na escola. Mas a escola cabe nela, não como um modelo pedagógico fechado ou um método ou uma estrutura; e sim com um estilo, um jeito de ser escola, uma postura diante da tarefa de educar, um processo pedagógico, um ambiente educativo. Quando uma escola dos sem-terra se cristaliza em uma forma rígida, o Movimento já não é sujeito educativo, porque movimento é processo. É ação e reflexão permanente, é produção de novas sínteses a cada momento de sua história (CALDART, 2000, p. 247).

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Nesse sentido, buscou-se embasamento teórico a partir das teorias pedagógicas e da contribuição de Paulo Freire, que coloca a possibilidade de se construir uma educação libertadora, que ajude na conscientização dos oprimidos para estes se libertarem dos opressores. Os movimentos sociais, ao construir a experiência de Educação do Campo, tem a concepção de que é necessário que ocorram mudanças no sistema de ensino. Porém, tem claro que não basta mudar a educação, pois esta por si só não resolve os problemas, mas, combinada com outras ações, pode contribuir para a transformação do atual modelo social. Como afirma Vendramini (2000, p. 201):

Se, por um lado, o Movimento dos Sem Terra procura inovações e reforma no interior do sistema econômico e político existente, através de um ensino inovador, com seus claros limites para se constituir enquanto tal, por outro lado, constrói pela sua ação uma educação não formal, que pode resultar numa consciência de classe, fundamental para os movimentos que prosseguem na transformação estrutural de sociedade.

Mesmo com algumas experiências que se contrapõem à lógica capitalista, que é o caso dos movimentos sociais, percebe-se que é o modelo econômico quem dita as regras, o qual está diretamente ligado ao modelo de agricultura e a escola tem dificuldades em construir uma educação crítica que provoque transformações na realidade, pois sua forma de organização vem na lógica de manter o controle social. Conforme afirma Frigotto (1999, p. 170-171):

O que estamos querendo enfatizar é que a forma de organização escolar e o uso das próprias técnicas, na análise que estamos efetivando, já vêm articulados à determinação e a interesses de classe. Interesses estes cujo compromisso não é a elevação dos filhos dos trabalhadores aos níveis mais altos de cultura e do próprio saber processado na escola, mas a elitização do processo escolar como mecanismo de reprodução das relações econômico-sociais que perpetuam a desigualdade.

Mais uma vez, a escola parece reproduzir hegemonicamente a ideologia dominante, ou seja, a serviço do sistema econômico capitalista. Para inverter esse papel, Freire (1981) acredita que a educação seja capaz de ajudar o oprimido a se libertar do opressor, pois é através do conhecimento de sua condição que o oprimido vai lutar para mudar a realidade. Assim:

Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor do que eles, os efeitos da opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade de libertação? Libertação a que não chegarão pelo acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de lutar por ela. Luta que, pela finalidade que lhe derem os oprimidos, será um ato de amor, com o qual se oporão ao desamor contido na violência dos opressores, até mesmo quando esta se revista da falsa generosidade referida (FREIRE, 1981, p. 32).

Outra perspectiva é apontada por Meszáros (2005), na qual a educação formal por si só não garante a superação ou manutenção de um sistema, mas ela é parte integrante dessa totalidade de processos educacionais da sociedade, podendo trazer contribuições. Conforme afirma Meszáros (2005, p. 45):

A educação formal não é a força ideologicamente primária que consolida o sistema do capital; tampouco ela é capaz de, por si só, fornecer uma alternativa emancipadora radical. Uma das funções principais da educação formal nas nossas sociedades é produzir tanta conformidade ou “consenso” quanto for capaz, a partir de dentro e por meio dos seus próprios limites institucionalizados e legalmente sancionados.

Concordando com Meszáros, entendo que a educação institucionalizada no atual modelo de Estado, historicamente tem contribuído na perspectiva de manutenção da sociedade capitalista e mesmo quando desenvolvida com a intencionalidade de conscientizar, não consegue “tocar” as estruturas. Portanto, não esperemos que através da educação consigamos grandes transformações, embora ela possa contribuir na conscientização das pessoas quando trabalhada numa perspectiva emancipatória.

Nesse sentido, devemos pensar a educação numa concepção mais ampla, pois historicamente as grandes práticas educativas não se deram no âmbito das instituições formais de educação, pois estas estiveram a serviço da reprodução do atual sistema.

Com a intencionalidade de enfrentarmos a forma de organização desse sistema, tanto no que se refere ao espaço quanto na construção do conhecimento, é necessário pensar o campo não apenas como um espaço de produção para valorização do capital, mas como lugar de vida, de reorganização, tanto na distribuição populacional quanto no acesso aos bens necessários a uma vida digna. Essa distribuição necessariamente passa pela realização da Reforma Agrária, pela construção de novas relações de produção do campo, entre outros aspectos.

Pensar um modelo de desenvolvimento para o campo hoje, implica pensarmos a sociedade como um todo, não na lógica de que o campo é superior à cidade ou vice-versa, mas pensá-los numa relação de totalidade em que ambos se complementam e os processos educativos (no qual a educação formal deve fazer parte) podem contribuir nessa construção.

Nesse sentido, Cury (1992, p. 130) contribui declarando que a tarefa educativa deve estar associada às relações sociais e à transformação da realidade. Afirma que, se a educação esteve mais comprometida com os interesses dos grupos dominantes do que com os interesses da classe trabalhadora, isto não é uma fatalidade, pois assim como ela coopera com a

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reprodução das estruturas vigentes, ela mescla no conjunto de uma ação social transformadora que se opõe ao sistema capitalista. Mas, para tanto, é necessário construir uma teoria mais elaborada sobre a prática educativa, que ajude a revelar, num caráter mediador e contraditório, os elementos decisivos de sua superação.