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CAPÍTULO III EDUCAÇÃO DO CAMPO E A EXPERIÊNCIA DE

3.8 A Educação de Jovens e Adultos no Campo

A Educação de Jovens e Adultos, em Chapecó, anterior a 1997, tem características semelhantes à história da Educação de Jovens e Adultos do Brasil, promovendo uma política paliativa, voltada para o atendimento da demanda do mercado. Essa proposta privilegiava as Suplências I e II, ou seja, até a 4ª série do ensino fundamental, entendida como escolarização compensatória tardia, qualificação para o mercado de trabalho. Portanto, não era de ser vista como um direito.

Durante o ano de 1997, com um processo contínuo de formação de educadores, surgiu a necessidade de reorganizar a estrutura existente até então, desde as nomenclaturas até a forma de desenvolver a ação pedagógica. A Educação de Jovens e Adultos inicia uma

construção própria, com suas especificidades e voltada aos interesses de uma parcela da população que, historicamente, foi excluída da educação escolar. Estes alunos trazem ricas experiências de vida e a educação vai adquirindo uma concepção diferente da que se desenvolvia até esse período. Os índices de analfabetismo, no município, eram elevados, conforme dados apresentados:

Os dados expostos nas pesquisas, sobre a população do Município de Chapecó/SC, aproximadamente 145.000 habitantes e, segundo o IBGE de 1991, 16,19% analfabetos, a Administração Popular 1997-2000 define a EJA como uma das prioridades do governo. Na segunda Administração Popular a EJA continua sendo prioridade, pois entende-se que a educação é um direito de todos. Iniciou-se esta com 6,37% de analfabetismo, conforme IBGE/2000, em uma população de 146.967 habitantes que corresponde a 8.452 jovens e adultos analfabetos (PREFEITURA MUNICIPAL DE CHAPECÓ, 2002a, p. 10).

No campo, a realidade não era diferente e o alto índice de analfabetismo levou muitas comunidades, através do Orçamento Participativo, no ano de 1998, a elegerem como prioridade a Educação de Jovens e Adultos. Decisão esta que, em conjunto com a Secretaria de Educação, possibilitou o atendimento e a conclusão do ensino fundamental de centenas de Jovens e Adultos do campo.

Para dar conta dessa demanda, também se elaborou uma proposta específica para Jovens e Adultos, pois era necessário proporcionar uma educação em consonância com a realidade social e os interesses dessas populações.

A Educação de Jovens e Adultos em Chapecó tem uma característica própria, voltada aos interesses da população que historicamente foi excluída da educação escolar e estes, trazem ricas experiências de vida. O trabalho e a formação dessas pessoas, se dão de forma complementar, porque dizem sua palavra, que reflete a experiência de vida, tanto no trabalho, como nas relações com a comunidade. Esse respeito às práticas cotidianas, com a mediação dos conteúdos históricos, possibilita a transformação da consciência política de perceber o mundo (PREFEITURA MUNICIPAL DE CHAPECÓ, 2004b, p. 37).

Para atender a demanda das escolas do campo, organizaram-se coletivos de professores habilitados nas diferentes áreas do conhecimento, os quais formavam grupos para atenderem as diferentes comunidades. Isso só foi possível devido à implantação do transporte que garantiu a locomoção dos professores. Essa mobilidade passou a ser chamada pela comunidade de EJA Itinerante. Esse coletivo contava com a assessoria da Secretaria de Educação que se reunia um dia por semana para estudo, planejamento e pesquisa (PREFEITURA MUNICIPAL DE CHAPECÓ, 2004b).

Foi nesse movimento, conforme depoimento da professora, que muitos se despiram da idéia de que é o professor quem detém o conhecimento e se colocaram na condição de

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pesquisadores.

Foi um grande aprendizado tanto para mim como para os alunos. Nessa proposta eu enquanto professora precisava pesquisar e estudar, pois tinha que entender as relações que se estabelecem nas diferentes áreas e não somente a minha área. Foi muito bom, eu precisei estudar o assunto e percebi nos alunos conhecimento concreto que faltava em minha prática. Eu aprendi com muitos depoimentos de alunos. Foi um tempo maravilhoso em que, por exemplo, na EJA, nós tínhamos a sala cheia e com muito entusiasmo (Lúcia Bonetti, 2008).

Essa metodologia do trabalho pedagógico, a partir da realidade, possibilitou a construção de relações mais solidárias entre os sujeitos envolvidos no processo. Considerando essa realidade da comunidade escolar da rede pública municipal do campo, cuja maioria é formada por pequenos proprietários, empregados rurais, arrendatários e desempregados, o trabalho desenvolvia-se da seguinte forma:

O currículo da EJA do Campo é construído a partir da pesquisa sócio-antropológica junto aos alunos e a comunidade, a partir da metodologia do Tema Gerador na concepção Freiriana. A partir das “falas” são definidos os temas/problemáticos denunciados na pesquisa, e após essa constatação, constrói-se a Rede Temática. A partir disso, são organizadas as programações das áreas do conhecimento contemplando as problematizações e recortes do conhecimento em diferentes dimensões (PREFEITURA MUNICIPAL DE CHAPECÓ, 2004b, p. 38).

Desta forma, visualizam-se as diferentes problemáticas pertinentes à realidade do campo, o que vem contribuir na qualificação da educação do campo, porém não se pode ficar somente na realidade, é necessário conhecê-la para transformá-la, conforme Pinto (1986, p. 104):

Entenda-se não somente a modificação dos conteúdos da consciência, mas, sobretudo, de sua dinâmica, de sua forma de apreender a realidade. A “conscientização” será, pois, entendida como um processo de construção de conhecimentos que há de levar a ver a realidade social como uma totalidade determinada, na qual avulta a contradição entre o capital e o trabalho o que permite compreender os interesses objetivos da classe trabalhadora.

Ainda, segundo Freire (1987, p. 86):

O que temos que fazer, na verdade, é propor ao povo, através de certas contradições básicas, sua situação existencial, concreta, presente, como problema que, por sua vez, o desafia e, assim, lhe exige resposta, não só no nível intelectual, mas no nível da ação.

sujeitos envolvidos no processo, a escola passou a ser referência em muitas comunidades, principalmente pelo trabalho desenvolvido na Educação de Adultos, o qual tem contribuído na organização das comunidades, como por exemplo, na organização da cooperativa dos cortadores de erva-mate, hortas comunitárias e associação de artesões. Esse processo possibilitou a integração entre as escolas do campo, a participação dos alunos nos movimentos sociais, nos sindicatos, associações, entre outros (PREFEITURA MUNICIPAL DE CHAPECÓ, 2004b). De acordo com o depoimento da professora a educação:

A educação tem que atender a demanda da população menos privilegiada, de maneira que ajude a ter informações e contribua para que as pessoas conheçam a realidade e possam transformá-la. Acredito que é possível a mudança, a transformação, pois senão não teria sentido o trabalho com a educação (Kátia da Silva, 2008).

Nessa perspectiva, os trabalhadores do campo foram sendo incentivados e instrumentalizados, no sentido de buscarem respostas coletivas para seus problemas. Embora a Administração Municipal tivesse criado algumas políticas públicas no sentido de incentivar a busca de melhores condições de vida e permanência dos agricultores no campo (feiras, produção agroecológica, hortas comunitárias...), elas acabam sendo momentâneas e paliativas, pois não resolvem as questões de fundo, como a desigualdade social, gerada pela atual política desenvolvida no país.

O trabalho desenvolvido na educação de adultos do campo, foi um processo muito interessante. Num primeiro momento, visando a conhecer a realidade de cada comunidade, os alunos organizavam em sua comunidade uma atividade que envolvia professores, alunos, lideranças, familiares, pessoas do local, entre outros, para que relatassem todo o processo histórico de cada comunidade, demonstrado na figura 13:

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Figura 13. Relato de pessoas e lideranças da comunidade. Escola Básica Municipal Alípio José da Rosa.

Fonte: Acervo da Escola Básica Municipal Alípio José da Rosa.

Essa atividade era registrada com fotos e filmagens para ser posteriormente, organizada. Num segundo momento, na escola, professores e alunos organizavam as informações coletadas e, em seguida, elaboravam os registros da história das comunidades.

Havia um entrosamento, envolvimento de todos (alunos, professores, direção, funcionários, estagiários, comunidade). Nós íamos até a comunidade, nos reuníamos e íamos visitar as diferentes comunidades, pesquisar, ouvir as pessoas mais experientes e nesse processo construímos a história de cada comunidade. Depois na sala de aula, registrávamos, organizávamos teatros de como era a história. Era significativo, havia uma interação tão grande que não era cansativo, pois o professor estava lendo um livro vivo, vivendo a realidade (Lúcia Bonetti, 2008).

Nesses momentos, também se coletavam os depoimentos das pessoas da comunidade que contribuíam para organizar o planejamento. Posteriormente, os professores, juntamente com coordenadores da Secretaria de Educação e Direções da Escola, faziam análise para selecionar as falas mais significativas, ou seja, as que apresentavam maior contradição e este era o ponto de partida do planejamento.