• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO III EDUCAÇÃO DO CAMPO E A EXPERIÊNCIA DE

3.3 As mudanças instituídas na Educação do Campo em Chapecó

Historicamente, as escolas isoladas65 foram o meio encontrado para universalizar as primeiras letras com os filhos dos agricultores, já que um grande número de pessoas habitava os lugares mais distantes. O difícil acesso, a precariedade das estradas e a falta de transporte escolar fizeram com que, por muito tempo, a escola isolada fosse a única solução para as comunidades.

Propagou-se a idéia de que o desenvolvimento, a vida fácil, a qualidade de vida estão na cidade e que o campo é lugar de “atraso”, de abandono, dos menos capazes. Essa visão, que apresenta o Brasil como “atrasado”, foi propagada principalmente pelo personagem do Jeca-Tatu, criado por Monteiro Lobato (1951). Conforme Fiod (2007, p. 3):

Jeca-Tatu é exemplar do caboclo brasileiro. Um grande preguiçoso, símbolo do atraso e da miséria, um genuíno representante do campo [...] Ele não planta árvores frutíferas, hortas ou flores. Apenas retira coisas que a natureza espalha pelo mato, o que lhe custa apenas o gesto de espichar a mão.

Assim, percebemos que esta visão preconceituosa em relação ao caboclo brasileiro não veio do acaso, mas foi construída e, certamente, com uma intencionalidade, segundo Fiod (2007). O que “espertou” o caboclo no Brasil foi o assalariamento, ou a impossibilidade de viver sem vender sua capacidade de trabalhar. Como crítica a essa idéia, Oliveira (2003a) traz a análise sobre as bases econômicas no processo de industrialização, no Brasil, em que a agricultura de subsistência e de seu excedente se articula com a acumulação do capital, formando um processo combinado, ou seja, a produção das relações capitalistas “modernas” vai se apoiar no “atraso”, expressado pelo setor agrícola.

Essa cultura de ver o campo como lugar de atraso, aliada à falta de políticas públicas para a qualidade de vida no meio rural, tem provocado, ao longo dos anos, o êxodo rural e, consequentemente, a formação dos cinturões de miséria, aumentando o inchaço das periferias das cidades, pois com o processo de industrialização, a vida passou a girar em torno da cidade e o campo passou a ser cada vez mais desvalorizado.

Esse preconceito em relação ao espaço do campo, é também evidenciado na educação. Conforme Vieira (1999, p. 50), as escolas do campo são:

65 Em muitos estados brasileiros, especialmente o de Santa Catarina, as escolas situadas no campo recebem o nome de escolas isoladas. Tratadas como uma espécie de resíduo da organização educacional brasileira, que de certa forma o próprio nome já indica as condições deste espaço (VIEIRA, 1999, p. 50).

Tratadas como uma espécie de resíduo da organização educacional brasileira, as escolas do campo apresentam ainda outros problemas básicos, tais como: inexistência de infra-estrutura adequada para esta finalidade, projeto político e pedagógico alheio a um projeto alternativo de desenvolvimento social e aos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras do campo, aos seus movimentos e suas organizações.

Em Chapecó, ao mesmo tempo em que se evidencia o crescimento econômico e populacional, também aumentam os problemas sociais, o que não é diferente da realidade nacional, pois nesse sistema capitalista a tendência é cada vez maior de concentração da riqueza e aumento da pobreza. Essa situação fica clara no contexto geral do município, mas no campo é ainda mais grave, com falta de políticas públicas, de distribuição de renda, de acesso à terra e a uma vida digna. Percebe-se, portanto, que há um descaso, inclusive com relação à educação dessa população.

De acordo com o diagnóstico elaborado pela Secretaria Municipal de Educação, um ano depois de assumir a Administração Popular (1997), a realidade das escolas do campo era de abandono da estrutura de grande parte delas, em estado de degradação, com falta de merenda de qualidade, ausência de formação e acompanhamento dos educadores, muitos sem habilitação para a área de atuação. Conforme Santin (2003, p. 9-10):

Em 1997 era comum situações em que o/a professor/a não ia à escola quando chovia, cultura que se prolongou por vários anos em que os alunos nos dias de chuva não vinham para a escola com medo de não encontrar o/a professor/a. Nas cozinhas dessas escolas era comum em muitas delas as merendas conviverem com predadores e alimentos estragados. A carne era à base de carcaça (ossos de frango), sopas prontas e alimentos enlatados à base de conservantes prejudiciais à saúde humana.

Referindo-se à situação da educação nas escolas do campo, a professora afirma que era:

Precária, com um único professor e pouca assistência pedagógica, a comunidade quase não era consultada sobra a escola, não tinha transporte gratuito nem para alunos e professores e estes, muitas vezes, tinham que caminhar quilômetros até a escola (Ieda Secco, 2008)66.

66 Entrevista concedida a Jane Suzete Valter em 23 set. 2008. Chapecó – SC. Coordenadora das escolas do campo no período de 1999-2004.

99

Figura 2. Escola do campo anterior à Administração Popular.

Fonte: Acervo da Escola Básica Municipal Alípio José da Rosa.

Nesse período, a maioria das escolas do campo eram vinculadas ao sistema municipal de educação. Foi após a Lei de Diretrizes e Bases (1996) e o Plano Nacional de Educação que, diante desse quadro, em relação à educação presente no campo, os municípios passam a seguir orientação do Ministério da Educação e do Desporto para organizar a estrutura e o funcionamento dessas escolas.

De acordo com Brzezinski (1997, p. 176), pode-se perceber que:

A primeira tarefa do município deveria ser a de escolher a melhor forma para sua organização, como uma das tarefas do Poder Público responsável pelo processo educativo. Isto quer dizer que a LDB oferece a oportunidade de o município poder optar pela forma que julgar mais adequada para a organização de seu sistema de ensino.

Com a tarefa de cada município organizar o seu sistema de ensino, de acordo com o que entendesse ser mais apropriado para a sua realidade educacional, houve diferentes direcionamentos, principalmente no que se refere à decisão de manter ou não as escolas no campo.