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A CONSTITUIÇÃO DO GRUPO PARA O CICLO REFLEXIVO

6 DIÁLOGOS PROPOSITIVOS NOS CICLOS REFLEXIVOS: A

6.2 A CONSTITUIÇÃO DO GRUPO PARA O CICLO REFLEXIVO

Este subcapítulo discorre sobre o segundo movimento desta pesquisa, acontecido em Guarapari, cujo objetivo era dialogar, de forma propositiva, sobre as práticas avaliativas, com os professores de educação especial, tendo em vista a elaboração de um documento que os orientasse quanto aos procedimentos de avaliação para os alunos público-alvo da educação especial. Nosso objetivo, nesta parte, é trazer o movimento que constituiu a formação do grupo para elaborar a Proposta de Avaliação, bem como trazer alguns elementos desse documento.

6.2.1 O início da conversa

Ao participarmos45 do eixo II do Grupo Focal do Oneesp, algumas narrativas sobre os procedimentos da prática avaliativa da educação especial do município de Guarapari nos chamaram a atenção.

Alguns professores, ao narrarem seus procedimentos no processo de avaliação para a identificação dos alunos com deficiência, diziam:

Na minha escola, acontece assim [...] Eu falo para o professor [...] (PE GRUPO FOCAL GUARAPARI).

Humm...[...] já chegou a passar alguma entrevista ... acho que então eu peguei um pedaço da que mandaram e de outros lugares e montei a minha (PE GRUPO FOCAL GUARAPARI).

Pesquisador - Vocês conhecem a definição do processo?

Professor - Sim. Nem sempre de maneira formal (DIÁRIO DE CAMPO).

Percebemos, nessas narrativas, uma prática avaliativa direcionada pelas experiências de cada professor e pelas atitudes pessoais. Cada um dentro de sua unidade de ensino chamava para si o procedimento da avaliação, deixando transparecer uma ausência de orientações gerais que dessem unidade ao trabalho do município e demonstrassem que havia uma orientação clara e objetiva para todos.

Em outras narrativas, os professores assim se manifestavam a respeito desse processo avaliativo:

É, temos muitos alunos, mas nem todos têm laudo. [...] a gente toma um susto, pois dos 20 que atendemos somente 6 possuem um laudo. [...]. A gente tem um relatório pedagógico feito com o pedagogo, mas o secretário da minha escola, diz que não vale. [...] (PE GRUPO FOCAL GUARAPARI)

[...] Às vezes fazemos um relatório pedagógico para aqueles alunos que têm um forte indicativo de ter uma deficiência. [...] mas ficamos preocupada com uma visita do MEC [...]. Agora estamos pressionando os pais, e alguns laudos estão aparecendo (PE GRUPO FOCAL GUARAPARI)

Gestor - O Saúde do Escolar está querendo fazer a visita às escolas para ajudar nessa identificação [...]

45

A equipe de gestão da educação especial, 03 profissionais, participava juntamente com os professores da educação especial do grupo focal. A pesquisadora nº 01 fazia parte dessa equipe.

Professor – Mas a equipe do Saúde Escolar não tem o poder de bater um martelo [...]. Sem contar que não é num único encontro, precisa de vários encontros para se conseguir. Tem que ter um acompanhamento para fazer uma coisa mais precisa (DIÁRIO DE CAMPO – GRUPO FOCAL).

Nas narrativas, havia pistas sobre a necessidade de uma diretriz que pudesse colaborar com as escolas sobre esse processo. Era necessário instrumentalizar o município e a equipe de educação especial sobre como fazer o procedimento avaliativo. Ao final do encontro, de modo informal, os gestores conversavam dentro do ônibus, no retorno da Ufes para Guarapari, sobre o que ouviram dos professores, e a sensação da necessidade de ter procedimentos claros e objetivos acerca do processo avaliativo era compartilhada pela equipe gestora. Nesse sentido, percebemos que o município precisava alinhavar essas orientações de modo a dar um norte para os professores que atuam na educação especial.

Segundo Aimi e Tamboril (2011, p.8), “[...] a falta de um procedimento avaliativo adequado colabora para continuar existindo preconceitos em relação a estes estudantes [...]”. Ademais, consideram que, numa prática avaliativa, as ferramentas podem ajudar em um processo, pois essas podem além de facilitar a aprendizagem servir de estímulo, dando sentido e significado aos saberes existentes no ambiente educacional.

Partindo das narrativas dos professores do grupo focal do nosso município, corroboradas pelas narrativas dos grupos focais dos demais municípios da RMGV, já apresentadas no capítulo anterior, e com base em nossas experiências como gestora, sabíamos que, no cotidiano das escolas, as questões avaliativas eram complexas. Havia uma ausência da prática avaliativa com os sujeitos com deficiência, seja pela concepção de que esses sujeitos não aprendem, pela falta de investida nos processos de aprendizagem seja pela ausência de políticas públicas que direcionem a ação docente.

Assim, esse anseio foi compartilhado nas reuniões do Grupicis, e, nesse espaço de construção coletiva com outros pesquisadores, encontramos apoio de uma colaboradora que também se inquietava com a temática sobre

avaliação. Após a discussão de seu tema no grupo, propusemos fazer uma pesquisa colaborativa no município de Guarapari.

Assim, marcamos uma reunião com a equipe gestora, para articularmos como seria esse processo de formação para a construção de uma Proposta de Avaliação e definir o que cada participante faria. Na pesquisa colaborativa, é necessário que o processo de investigação seja compartilhado por todos os envolvidos e que as etapas da agenda se desenrolem dentro de um processo democrático, com a participação de todos. Não é necessário todos fazerem a mesma coisa (MAGALHÃES, 1998), mas é preciso que todos saibam o que deve ser feito. Assim, pelo próprio corpo da carta convite, os interessados já sabiam que o objetivo dos encontros seria a construção de um documento e que a adesão para constituição do grupo seria de forma voluntária.

Construir um documento baseado nas práticas vivenciadas pelos partícipes os ajudaria a direcionar as ações de todos os profissionais visando à instituição de uma política pública. Concebemos esse documento como uma ferramenta que podia contribuir para a reflexão da prática avaliativa, pois é sabido que essa prática vem sofrendo influências históricas que tornam os profissionais aprisionados numa cultura excludente. Sendo assim, acreditamos que a construção coletiva de uma proposta de avaliação poderia contribuir para modificações no contexto educacional. O uso de ferramentas como essa auxilia no processo de desenvolvimento psicológico dos sujeitos e os ajuda a refletir sobre a cultura da prática avaliativa na qual estão inseridos. Segundo Leontiev (1998), é por meio da mediação no uso das ferramentas que os sujeitos podem agir de forma individual, porém em prol de um objeto comum e significativo para a coletividade. O processo de mediação por meio de ferramentas/artefatos tanto modifica o sujeito como a prática social como um todo.

A construção coletiva da Proposta de Avaliação, não era apenas desejo dos gestores; os professores também sentiam a necessidade de diretrizes para a prática avaliativa. Um deles nos diziam: “A proposta veio do anseio de como avaliar o aluno especial, principalmente os alunos que por algum motivo, não têm laudo” (PE 2).

6.2.2 A constituição do grupo

O convite foi enviado por e-mail para todas as escolas, com o horário dos encontros e o cronograma já estabelecido, para garantirmos uma organização. Anuíram ao convite 39 profissionais, entretanto chegaram ao final 19 professores da educação especial (sendo 2 DT) e 7 pedagogos das escolas da rede municipal (sendo 2 DT), totalizando 26 participantes. Desses professores 2 eram efetivos na educação especial lotados na SRM e 8 participaram do grupo focal do Oneesp em 2012. Ter a constituição do grupo com a maioria sendo efetiva contribuiu para a continuidade da ação.

Quando iniciamos os estudos nos Ciclos de Estudos Reflexivos, explicamos aos professores o que estava acontecendo e como se daria o desenvolvimento dos encontros.

Nesse processo, apropriando-nos da metodologia do Ciclo de Estudo Reflexivo: descrever, informar, confrontar e reconstruir (SOUZA, 2012; LIBERALI, 1999; MAGALHÃES, 2004); pudemos compartilhar com o grupo nossos saberes sobre a prática avaliativa com alunos com deficiência, pudemos nos informar, por meio dos textos sugeridos e de outros materiais, como poderiam ser realizados os procedimentos para essa prática e pudemos colocar nossas práticas em confronto para ver se eram compatíveis e aceitáveis por todos e, assim reconstruir, nesse movimento, nossa práxis. Sendo assim, em cada encontro, os professores puderam se apropriar do saber de sua prática. Refletir sobre a prática é uma prerrogativa da metodologia colaborativa e, ao mesmo, tempo se torna um processo de formação continuada. Conforme Candau (1996), esse processo envolve o fato de o lócus da formação ser a própria escola e ter o saber docente como referência.

Numa abordagem histórico-cultural, esse processo de formação pela via da reflexão, contribuiu para que haja transformações das funções psicológicas dos professores. Fazer essa transformação, que é de cunho cultural, implica ultrapassar a fronteira do plano individual e do plano social. Elas fazem parte de um resultado de uma transformação qualitativa das funções psicológicas

superiores durante o processo de sua internalização. Essa transformação é mediada pelos instrumentos e pelos signos que provocam o desenvolvimento mental de forma interpsicológica e depois intrapsicológica (VYGOTSKY, 1995). Neste contexto, de forma colaborativa, produzimos um artefato46 – a Proposta de Avaliação Municipal de Guarapari (Anexo A). Entendemos artefato como um instrumento que medeia a relação entre o sujeito e o objeto. Um artefato é criado e transforma-se durante o desenrolar da atividade. Carrega com ele uma cultura que é formada pela história de seu próprio desenvolvimento. Tanto o uso como a criação são aspectos do determinismo humano (NININ, 2006). Desta feita, construímos um artefato a partir da reflexão crítica sobre a prática de avaliação com alunos público-alvo da educação especial com os professores da educação especial e pedagogos.

A aplicação dos Ciclos de Estudos Reflexivos dentro da metodologia colaborativa contribuiu para esse movimento de elaboração conjunta. Abordaremos, no próximo subcapítulo, sobre o processo de construção do documento da proposta.