• Nenhum resultado encontrado

A NATUREZA DA PESQUISA: O QUE CHAMAMOS DE COLABORAÇÃO

3 A PRÁTICA AVALIATIVA COM OS SUJEITOS PÚBLICO-ALVO DA

4.1 A NATUREZA DA PESQUISA: O QUE CHAMAMOS DE COLABORAÇÃO

abordagem histórico-cultural, com sua base epistemológica no método do Materialismo Histórico Dialético (MARX; ENGELS, 2002), que parte da essência de conhecer o fenômeno investigado a partir do processo histórico

real de seu desenvolvimento, considerando o sujeito como parte inerente à sociedade à qual pertence, sendo impossível separar o fenômeno investigado da realidade em que esse sujeito atua.

Pesquisar na perspectiva da abordagem histórico-cultural envolve a compreensão de que é a partir do real que podemos criar possibilidades de transformações, tanto do meio como dos indivíduos. Pesquisar nas condições sociais e históricas nas quais os professores circulam possibilita a compreensão e a explicação dos conflitos e contradições próprios da ação docente (IBIAPINA; FERREIRA, 2007).

Nessa perspectiva, a pesquisa colaborativa, apoiada no método do Materialismo Histórico-Dialético, não permanece de modo estático, ela vai se modificando. Dessa forma, o objeto de investigação deve ser estudado levando-se em conta o fenômeno em seu processo de evolução. Sendo assim, queremos investigar a prática avaliativa no movimento que ocorre dentro do contexto estudado: Quais movimentos são possíveis em prol do processo de aprendizagem das crianças público-alvo da educação especial? Quais ações as professoras especializadas articulam dentro desse cotidiano visando à relação da prática avaliativa com os processos de aprendizagem?

É importante salientar que nem toda mudança pode ser chamada de transformação, pois, muitas vezes, mudanças tanto de ordem natural quanto de ordem social, provocadas pelos indivíduos, afetam um objeto externamente e não provocam nele mudanças internas. Ninin (2006) afirma que de forma geral, a transformação significa mudança interna no objeto, de modo que sua essência32 seja alterada. Contudo, segundo a autora, é necessário distinguir a transformação da lógica formal da transformação da lógica dialética. A transformação no âmbito da lógica formal implica adequação a uma dada classe, ao passo que, no âmbito da lógica dialética, a transformação implica um movimento para criar condições ao desenvolvimento do objeto quando este enfrenta circunstâncias externas.

32

O conceito de essência é bastante discutido e abordado tanto pela lógica formal quanto pela lógica dialética; refere-se às características que tornam os objetos classificáveis, do ponto de vista da lógica formal, e à gênese do objeto em relação a um dado sistema, do ponto de vista da lógica dialética, portanto, uma perspectiva relativa.

Assim, transformação implica um movimento de ressignificação que precisa ser mediado pela linguagem a partir de uma reflexão crítica. Autores como Magalhães (1994), Moreira et. al. (2001), Freitas et al. (2003) e Ninin (2006) orientam para discussões metodológicas de pesquisa com foco na teoria crítica, tendo por base a pesquisa colaborativa.

Desta forma, a produção do conhecimento sobre a prática avaliativa ocorrerá nos movimentos de uma pesquisa colaborativa pela via da reflexão crítica que poderá impulsionar transformação na formação dos professores e no processo de conceber a prática avaliativa.

Para Vigotski (2007), esse desenvolvimento ocorre em forma de espiral, em que se volta no mesmo ponto a cada nova revolução. Para avançar, precisa-se voltar ao ponto anterior. O autor denomina esse processo de transformação do externo no interno de “internalização”, quando o sujeito se apropria. Esse processo inicia-se por uma atividade externa que é reconstruída internamente mediada por signos.

[...] Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior [...] (intrapsicológica). Isso se aplica igualmente para a atenção voluntária, para a memória lógica e para formação de conceitos. Todas as funções superiores originam-se das relações entre indivíduos humanos. [...] O processo, sendo transformado, continua a existir e a mudar como uma forma externa de atividade por um longo tempo, antes de internalizar-se definitivamente [...] A internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia humana [...] (VIGOTSKI, 2007, p. 57-58).

Sendo assim, acreditamos que, por meio de uma pesquisa colaborativa, se pode contribuir no processo de internalização e emancipação a partir da reflexão sobre a práxis. Entendemos a pesquisa colaborativa a partir dos preceitos expostos por Ibiapina (2004, 2008), Ibiapina; Ferreira (2003), Magalhães (2006) e Ninin (2006). Essas pesquisadoras nos ajudaram a compreender e a delinear um procedimento metodológico que fosse articulado com as bases de uma abordagem histórico-cultural e que nos possibilitasse dialogar com o outro em prol de um objetivo comum.

Segundo Ninin (2006), colaborar é um processo interacional de criação compartilhada, mediatizado pela linguagem, que nasce de uma prática social entre indivíduos em busca da reconstrução e reorganização de saberes em um dado contexto. Refletir sobre a prática social dos profissionais da educação possibilita um processo de reflexão com o outro e sobre as ações do outro em direção à inter-relação entre os conhecimentos teóricos e os da prática pedagógica; possibilita a aproximação de pesquisadores e sujeitos, tornando estes últimos, parte do processo de construção do conhecimento.

Nessa perspectiva, a pesquisa colaborativa surge dentro de um movimento de críticas sobre a forma de se fazer produção do conhecimento distanciada do contexto educacional. Ela instaura-se como um caminho possível, principalmente no campo da educação, quando este se preocupa com o desenvolvimento das comunidades de aprendizagem e das organizações. Molina (2007) afirma que, na década de 1970, havia uma insatisfação com a pesquisa quantitativa para explicar os contextos educacionais. As pesquisas apresentavam uma falta de eficiência para produzir mudanças reais na prática pedagógica e na política educacional. De acordo com Molina (2007) postulava- se a necessidade de vincular a atividade científica com processos de transformação sociopolítica. Na década de 1990, a pesquisa passou a ter um caráter qualitativo interpretativo, e vários pesquisadores acrescentaram o papel da reflexividade e a ideia do professor reflexivo.

A inclusão do professor-pesquisador deu um salto epistemológico nas metodologias qualitativas, e a prática de colaboração e negociação entre pesquisadores universitários e professores práticos trouxeram um redimensionamento entre os sujeitos dentro de uma relação de pesquisa (MOLINA, 2007). A investigação colaborativa pauta-se em um paradigma que considera, fundamentalmente, a participação e as tomadas de decisão democráticas no processo de pesquisar.

É importante salientar que o termo colaboração tem assumido diferentes significados para os teóricos que investigam e orientam o novo paradigma de pesquisa. Ninin (2006), baseado em Larocque & Faucon (1997) e Cole &

Knowles (1993), traça a distinção entre colaboração e cooperação. Na colaboração, os membros discutem e negociam os processos enquanto aprendem. As relações são de interdependência. Já na aprendizagem por cooperação, o processo é frequentemente recomendado ou imposto e envolve uma participação não tão comprometida com o desenvolvimento e resultados da pesquisa, podendo permanecer no âmbito da ajuda no cumprimento de tarefas.

Para Ibiapina (2008, p.34), na pesquisa colaborativa,

[...] o pesquisador colabora com os professores quando contribuí para o desenvolvimento profissional, quando planeja sessões de formação, ajudando a enfrentar a complexidade das situações educativas às quais eles se confrontam cotidianamente, e quando, graças ao discurso desses profissionais, reinterpreta a teoria com base na prática.

Colaborar significa, então, deixar de forma mais clara os procedimentos, os motivos das escolhas, com o objetivo de gerar novas aprendizagens do que está sendo negociado. Entretanto, isso não significa simetria de conhecimento nem que todos os participantes tenham semelhança de ideias, sentidos, representações e valores. Na verdade, isso implica conflitos, tensões e questionamentos que propiciem aos integrantes possibilidades de distanciamento, reflexão e, consequentemente, a autocompreensão dos discursos (MAGALHÃES, 1998). Assim, o processo colaborativo não implica que todos os participantes tenham a mesma "agenda" (MAGALHÃES, 1998), mas que haja possibilidades de se negociar, de se falar e de se entender as interpretações dos envolvidos. A principal questão, na colaboração, é a atitude responsiva. Cada papel e as respectivas responsabilidades são negociados. O ato de colaborar, segundo Ninin (2006), exige confiança entre os indivíduos e possibilidade de interação de modo que cada partícipe possa contribuir com o outro e receber contribuições. Nessa dinâmica, o grupo precisa ter em mente alguns princípios, tais como responsividade (assumir as demandas); deliberação (a participação na argumentação e contra-argumentação, até mesmo mantendo sua opinião); alteridade (no sentido de se colocar no lugar do outro); humildade e cuidado; mutualidade (no sentido de que cada um perceba a necessidade de que todos precisam ter espaço para participar).

Segundo Ibiapina (2008, p. 20), a pesquisa proporciona “[...] condições para que os docentes reflitam sobre sua atividade e criem situações que propiciam o questionamento de aspectos da prática profissional que preocupam os professores”. Essa concepção é fundamental, pois o processo de aprendizagem, conforme preconiza Vigotski (2007), implica a articulação entre o externo e o interno, ou seja, entre os aspectos inter e intrapsíquicos. Sendo assim, os partícipes estão colocados numa categoria de sujeitos ativos nesse processo de transformação, para que se apropriem dos conhecimentos, mudando o contexto no qual estão inseridos, e acabam criando “zonas de desenvolvimento que os levem a produzir conjuntamente a compreensão das práticas sociais e possíveis necessidades de transformação” (NUNES; IBIAPINA, 2010, p. 9). Criar necessidades é um ponto fundamental para o envolvimento do outro. Leontiev (1978) afirma que é pela necessidade que o sujeito realiza a atividade e, por meio dela internaliza o que é externo.

Segundo Victor (2010, p.67), “[...] é imprescindível nos voltarmos para a construção de um trabalho que permita refletir e agir com a professora e no contexto da escola”. Mergulhar no cotidiano, refletir com o grupo sobre as práticas de avaliação pode possibilitar uma nova ação e um novo olhar sobre esse aspecto, pois tal como se propõe no materialismo histórico, a existência precede a ideia. Assim, a pesquisa colaborativa deve dar conta da realidade microssocial sem perder de vista o aspecto histórico e político do macrocontexto social, possibilitando aos indivíduos compreender a ligação entre o que eles vivem e acreditam e o que lhes é dito ou imposto (IBIAPINA, 2008).

Toledo (2011, p. 56) afirma que existem três elementos essenciais para a condução da pesquisa colaborativa: “coprodução de conhecimentos; uso da prática de investigação como estratégia de formação e desenvolvimento profissional; e mudanças nas práticas educativas, por intermédio da mediação do pesquisador”.

Acreditamos que tal processo de construção e transformação deve acontecer pela via da formação continuada dos professores, num processo de reflexão.

Jesus e Aguiar (2012, p. 413) afirmam que se precisa ter

[...] um investimento sério na formação do corpo docente e demais profissionais das escolas, mediante um processo de trabalho gradual e contínuo, que esteja apoiado na revisão sistemática das práticas efetivamente utilizadas pelos professores e na introdução progressiva de pequenas mudanças e melhorias que possam ir aumentando a potencialidade das situações e atividades de avaliação, contribuindo para dar uma resposta mais diversificada e flexível às condições dos diferentes alunos.

Nesse contexto, apropriamo-nos das bases da pesquisa colaborativa inserindo e convidando os professores nos diversos movimentos da pesquisa. Investimos em processos de formação e utilizamos instrumentos para produção de dados que nos possibilitassem dialogar com os professores e pedagogos e entre eles. Discutiremos, nos subcapítulos seguintes, os três movimentos desta nossa pesquisa bem como os instrumentos utilizados e os procedimentos em cada um deles.

4.2. PRIMEIRO MOVIMENTO - A CONSTRUÇÃO DO OBJETO: ANÁLISE DA