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7 A PRÁTICA AVALIATIVA: REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE E NA PRÁTICA

7.2 A REFLEXÃO SOBRE A PRÁTICA AVALIATIVA

7.2.2 Avaliação e processo ensino-aprendizagem

A avaliação está interligada com o processo ensino-aprendizagem e, nessa perspectiva, precisa mediar os processos de aprendizagem observando não apenas os que estão concluídos, mas os que estão ainda por vir. “Devemos definir ao menos dois níveis de desenvolvimento da criança, sem cujo conhecimento não conseguiremos encontrar a relação correta entre o processo de desenvolvimento infantil e as possibilidades de sua aprendizagem” (VIGOTSKI, 2001, p. 478). Compreender essa relação possibilita pensar em

estratégias que possam contribuir para que o sujeito desenvolva conhecimentos que ainda estão embrionários, no nível da zona de desenvolvimento proximal.

Contudo, o desenvolvimento na zona de desenvolvimento proximal não é homogêneo para todos os sujeitos. Vigotski (2001) relata o seguinte caso:

Imagine-se que nós estudamos duas crianças e definimos como sendo de sete anos a idade mental de cada uma. Isto significa que as duas crianças resolvem tarefas acessíveis a crianças de sete anos. Entretanto quando tentamos fazer essas crianças avançarem na solução de testes, verificamos uma diferença substancial entre elas. Através de perguntas sugestivas, exemplos e amostra, uma delas resolve facilmente os testes que estão dois anos aquém do seu nível de desenvolvimento. A outra resolve testes que se estendem meio ano além do seu nível.

Essa situação exemplifica o postulado de que o bom ensino adianta os processos de desenvolvimento. Orienta-nos que, nas estratégias de ensino devemos nos pautar não apenas por aquilo que o sujeito já sabe, mas devemos a partir do seu desenvolvimento atual, provocar aprendizagens que possibilitarão novos desenvolvimentos.

Na narrativa de um participante, podemos encontrar tal percepção.

Na sala de aula, eu ainda não consegui. Tenho dificuldade de abstrair de como eu faço isso, dentro da sala de aula. O que faço é sugestões com o professor de como eles podem fazer.

A professora estava na sala dando expressões: “Laura, o que iremos fazer? Patrícia não está acompanhando”. Tínhamos percebido que a aluna não sabia fazer a divisão com recurso. A professora falou: “Vamos trabalhar bastante divisão simples”. Eu disse: “Essa ela já sabe, vamos ter que pensar numa estratégia para ela começar a fazer as contas com recurso” (PE 3).

A participante revela que a avaliação que tem sido desenvolvida possibilita conhecer as habilidades acadêmicas em matemática que a aluna já consegue fazer sozinha. Demonstra ter clareza de que o papel da escola é ensinar a aluna com deficiência e de que, para isso, é necessário pensar em estratégias. Essas estratégias precisam incidir no que ela ainda não sabe.

Para podermos compreender o que o aluno ainda não sabe, precisamos rever nossa forma de avaliar, que não deve se pautar numa avaliação em que “[...] só se levam em conta aquelas soluções a que a criança chegou com autonomia,

sem ajuda de outros [...]” (VIGOTSKI, 2001, p. 479). Esse entendimento pode resolver um dilema estabelecido pelos professores da educação especial com os instrumentos avaliativos e com os professores da sala regular. Durante os Ciclos de Estudos Reflexivos, essa tensão era recorrente.

PE: Minha preocupação é que, na minha realidade de escola, eu tenho alunos no 4º ano que não sabem ler. Essa independência dele de pegar a prova e ler o comando, para realizar a avaliação, ele não tem.

Pesquisador: Vamos por parte. Na prova de ciências é conhecimento, então o objetivo a alcançar em ciências independe da minha capacidade de leitura e escrita.

PE: Tem aluno que se eu fizer a prova oral, ele vai responder tudo. Pesquisador: Então... Lembra que eu falei a princípio, a variação vai depender do meu objetivo. Se meu objetivo for à identificação dos animais ovíparos, vivíparos, etc... eu consigo fazer oral. [...].

PE: Mas, mesmo para ele identificar o comando, ele precisa de ler ou eu posso fazer com ele oral?

Pesquisador: Pode ser oral, pois o objetivo não é ele ler. Ele pode fazer oral. Vamos supor que meu aluno não se comunique de forma oral, só pisque. Ele pode me dar a resposta piscando. Agora, se meu objetivo for a leitura de palavras simples e ele só sabe identificar letras, eu não posso atribuir a mesma nota que aos demais, levando em conta resposta que ele me dá, pois meu objetivo era a leitura de palavras simples e esse objetivo ele ainda não atingiu.

PE: Eu tenho um na minha escola, um aluno que não abre a boca para falar. Ele só balança a cabeça. Eu posso avaliá-lo assim? Pesquisador: Sim, se eu tiver certeza que ele está me respondendo. Por exemplo, eu tenho uma criança que não fala, mas usa gestos, faz sim ou não, a avaliação deve possibilitar essa resposta. “A zebra é um animal terrestre? Sim ou não?”

PE: Em geografia e história fica claro o que devemos fazer, mas em português e matemática...

Pesquisador: Depende do objetivo. Vamos lá! Em matemática, o objetivo é a resolução de problemas; eu posso fazer isto escrito ou oral. Resolução de adição pode ser uma conta simples ou uma conta enorme, com reserva ou sem reserva.

PE: Então, o conteúdo será sempre o mesmo, o que irá diferenciar são as profundidades...

[...]

PE: Mas então, esses objetivos quem faz é o professor da sala de recursos?

PE: Não, é o professor da sala regular. Os objetivos são da sala regular.

[...]

PE: Então o IAC e o PDI andam juntos?

Pesquisador: Sim, com certeza (DIÁLOGO ENTRE PE E PESQUISADOR).

Esse episódio nos traz uma série de questões que envolvem a relação da avaliação com o ensino-aprendizagem, na qual se considera somente o que o aluno faz sozinho como sendo aprendizagem. Encontramos pistas que nos mostram a compreensão de avaliação como um instrumento neutro e fidedigno

que deve ser padronizado para todos e sem nenhuma mediação; a noção de uma avaliação que busca revelar a aprendizagem de modo consolidado; a noção de impossibilidade de flexibilizar os instrumentos avaliativos visando compreender o que o aluno já sabe; a compreensão de uma avaliação dissociada de um objetivo de ensino, e o atendimento de que esse objetivo deve ser o da sala comum.

Quando desconsideramos a teoria da zona de desenvolvimento imediato, perdemos a oportunidade de qualificar nossas estratégias de ensino, pois “[...] só é boa a aprendizagem que supera o desenvolvimento” (VIGOTSKI, 2001, p. 482). Nesse sentido, é preciso ter uma estratégia que oportunize a aprendizagem e, para isso, precisamos motivar o aluno para que ele se motive, diante de uma necessidade.

A escola tem um papel fundamental que é produzir nos sujeitos os conhecimentos produzidos historicamente.

Se a escola não souber organizar didaticamente a instrução e não tiver clareza da diferença entre elaborar conhecimentos espontâneos e científicos e a estreita relação entre eles, o que vai acontecer _ e tem acontecido _ é uma escolarização bastante insuficiente e, no caso de alunos com necessidades educacionais especiais no ensino fundamental, tal insuficiência fica muito mais grave (PADILHA, 2013, p.59).

Vigotski (2005) afirma que, embora os conceitos científicos e espontâneos sejam desenvolvidos em direção oposta, eles estão intimamente interligados. Para um sujeito aprender um conceito científico ele precisa ter desenvolvido um conceito espontâneo correlato. No entanto, um conceito científico fornece estrutura ascendente para o desenvolvimento dos conceitos espontâneos. “Os conceitos científicos desenvolvem-se para baixo por meio dos conceitos espontâneos; os conceitos espontâneos desenvolvem-se para cima por meio dos conceitos científicos” (VIGOTSKI, 2005, p. 136). É importante destacar que todos os dois conceitos são aprendidos socialmente e contribuem para as funções psicológicas superiores. Esse processo de desenvolvimento se dá numa educação social na qual a mediação com o outro, tem um papel fundamental.

Sendo assim, a avaliação articulada ao processo ensino-aprendizagem possibilitará as intervenções no próprio processo de ensino-aprendizagem, que motivará o desenvolvimento da condição secundária do sujeito com deficiência.