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A construção do acompanhamento farmacotera pêutico nos países desenvolvidos

IMPACTOS E PERSPECTIVAS DOS

5.2 A construção do acompanhamento farmacotera pêutico nos países desenvolvidos

Nos Estados Unidos, o país precursor na discussão da Atenção Farmacêutica, 80% das prescrições são subsidiadas por entidades sociais ou pelo sistema nacional de cobertura de saúde (Managed Care). O farmacêutico está sempre presente na farmácia, realizando a dispensação e o acompanhamento farmacoterapêutico. Os técnicos de farmácia são treinados para separar os medicamentos prescritos e entregá-los aos farmacêuticos. No Brasil a situação pode ser considerada inversa, pois o farmacêutico, estando mais envolvido com a gestão burocrática do medicamento, deixa a dispensação a cargo dos técnicos, dispensando atendimento a menos que seja solicitado pelo usuário. O farmacêutico norte-americano recebe um valor fixo, pago pelo sistema de saúde, para realizar a dispensação dos medicamentos, pois o Managed Care não remunera, ainda, a prática da Atenção Farmacêutica. Os medicamentos de venda

livre podem ser comercializados sem a presença do farmacêutico. Ressalta- se, ainda, que 95% dos medicamentos são vendidos nas redes de farmácia e supermercados, enquanto apenas 5% são comercializados nas farmácias independentes, na presença do farmacêutico, ressalta-se ainda que nesse país não há preço fixo para os medicamentos (ANDERSON; GANS, 1997).

Em relação aos medicamentos prescritos nos EUA, 27% são comercializados nas redes de farmácia, 22% nas farmácias independentes, enquanto 51% são dispensados em hospitais, clínicas e por meio do Health Maintainance Organization (HMO). No ano de 1995, cerca de 50% das prescrições tiveram medicamentos substituídos por genéricos, devido às pressões das companhias de saúde pela redução de custo, com isso a intercambialidade tem aumentado todos os anos naquele país. Em 2003, as farmácias do varejo americano venderam US$ 203 bilhões, dispensando cerca de 3,2 bilhões de prescrições. Porém o governo dos EUA gastou US$ 1,9 trilhões com saúde em 2004 (10% com medicamentos), cerca de 16% do PIB daquele país (CHRISTENSEN; FERRIS, 2006).

As farmácias norte-americanas têm permissão para realizar exames automatizados de colesterol, triglicérides, HDL-colesterol, LDL-colesterol e glicemia. Esse fato pode favorecer o acompanhamento farmacoterapêutico dos pacientes durante o desenvolvimento da Atenção Farmacêutica (ANDERSON; GANS, 1997). Além disso, segundo Christensen e Ferris (2006), do farmacêutico norte-americano, como prestador de informações, vem aumentando, de 25%, nos anos 1980, para 79%, nos anos 2000.

Entretanto, os EUA gastam cerca de US$ 76 milhões por ano devido a erros de prescrição ou ao não cumprimento do tratamento farmacoterapêutico. Isso demonstra que o desenvolvimento pleno da Atenção Farmacêutica pode favorecer a redução desses valores para o serviço de saúde (ANDERSON; GANS, 1997).

Em um estudo realizado num serviço de Atenção Farmacêutica nos Esta- dos Unidos (entre junho de 2003 a abril de 2004), com 157 pacientes diabéticos, foi demonstrado que, durante o acompanhamento farmacoterapêutico, houve aumento significativo no número de pacientes com hemoglobina glicada controlada (19% no início do estudo, para 50% no final) e no número de pacientes que alcançaram o valor satisfatório de LDL-colesterol (30% no início para 56% ao final do estudo). Além desses parâmetros, houve aumento no número de pacientes que realizaram exames dos olhos e pés e que iniciaram a utilização de aspirina (KIEL; MCCORD, 2005). Resultados similares foram demonstrados por Clifford e colaboradores (2005) durante o acompanhamento farmacoterapêutico (de 12 meses) de 198 pacientes, atendidos no programa de Atenção Farmacêutica para o controle da doença vascular em pacientes com diabetes mellitus tipo 2. Por outro lado, o estudo conduzido por Odegard e colaboradores (2005) não demonstrou diferença significativa nos valores de hemoglobina glicada e adesão

ao tratamento, comparando os pacientes atendidos em um programa de Atenção Farmacêutica versus o atendimento convencional em saúde.

A eficácia do Medication Therapy Managenement (MTM), um programa que consiste na troca de informações sobre o acompanhamento farmacoterapêutico por escrito, entre o farmacêutico e o médico por meio do paciente, foi avaliado com base na análise de prescrições de 150 pacientes, os quais utilizavam, em média, 9,3 medicamentos. Com relação ao tratamento farmacoterapêutico, foram realizadas cerca de 659 observações e sugestões, destacando-se: falta de adesão ao tratamento, necessidade de medicamento adicional, fármaco inadequado, medicamento desnecessário, presença de reações adversas, dose subterapêutica e dose elevada. Apesar das recomendações serem pertinentes, os médicos aceitaram apenas 47,4% delas (DOUCETTE et al., 2005).

Outro estudo, realizado num hospital do norte da Califórnia, avaliou as prescrições de 5.473 pacientes com HIV/AIDS, nas quais os autores demonstraram a presença de erros de medicação, assim distribuídos: prescrições dispensadas de forma incorreta representaram 9,8/1000 e contraindicações 9,51/1000. Após a implantação de um programa de Atenção Farmacêutica e de um sistema informatizado de análise de prescrições, os erros praticamente desapareceram, otimizando o tempo para que os farmacêuticos pudessem implementar programas de adesão ao tratamento e investigação de Problemas Relacionados aos Medicamentos (DELORENZE et al., 2005).

A experiência canadense teve início na década de 1970, com a discussão da então denominada “Opinião Farmacêutica”, que se difundiu, progressivamente, pelo país a partir de 1983, evoluindo para a Atenção Farmacêutica. Hoje, em algumas províncias canadenses, como Quebec, Saskatchewan, Nova Escócia, Columbia Britânica e Terra Nova, os farmacêuticos recebem honorários pelo serviço de Atenção Farmacêutica (GARIEPY, 1997).

Um estudo de 1997 descreve que a província de Quebec possuía 7,2 mi- lhões de habitantes, cerca de 800 mil usuários do sistema nacional de seguridade social e, desses, cerca de 600 mil com cobertura também do “Drug Plan” (GARIEPY, 1997). Em média, foram dispensadas ou aviadas, com orientação farmacêutica, 34,8 milhões de prescrições por ano, representando um gasto de US$ 564 milhões com medicamentos. Deste montante, US$ 232 milhões foram destinados à remuneração do farmacêutico para a realização da dispensação e Atenção Farmacêutica, sendo que os honorários eram repassados quando o farmacêutico demonstrava resultados positivos com o acompanhamento farmacoterapêutico dos pacientes (GARIEPY, 1997). O estudo aponta que 68% das farmácias possuíam o serviço de Atenção Farmacêutica, e o profissional tinha amparo legal para impedir a dispensação de medicamentos prescritos na receita quando detectava algum problema previsto por lei, tais como: alergia ao medicamento, prescrição equivocada, antecedentes de insucesso com o

medicamento, interações medicamentosas, erros de dose e utilização excessiva de medicamentos pelo paciente. O valor do honorário era fixado pelo serviço de saúde, dependendo do tipo de intervenção (GARIEPY, 1997). Um estudo realizado pela Universidade de Laval demonstrou que 69% das intervenções do farmacêutico no tratamento farmacológico representaram redução de custos para o serviço de saúde e 12% delas não alteraram o custo final do tratamento (GARIEPY, 1997).

Segundo estudo realizado em 2003, existia no Canadá uma farmácia comunitária para cada 4.176 pessoas. Os gastos com medicamentos representavam, nesse mesmo ano, cerca de US$ 20 bilhões, sendo que o custo com saúde no país representava 10% do PIB. O custo per capita com medicamentos situava-se em US$ 200 por ano para o setor público e US$ 340 para o setor privado. O farmacêutico canadense recebia em média US$ 8,70 por atendimento, baseado na informação escrita acompanhada da explicação verbal de como utilizar os medicamentos. Um estudo de 2005 aponta um aumento na oferta dos serviços farmacêuticos nas farmácias comunitárias canadenses (JONES; MACKINNON; TSUYUKI, 2005).

Na Espanha, país que tem sido considerado referência para vários pesquisadores no Brasil, a Atenção Farmacêutica foi encarada como uma oportunidade de demonstrar o valor do profissional farmacêutico no controle dos medicamentos junto à equipe de saúde. Entretanto, além do farmacêutico, todos os profissionais da farmácia devem estar dispostos a realizar a Atenção Farmacêutica, contrariando a posição de outros grupos que consideram essa prática como atividade privativa do profissional farmacêutico. Na implantação da Atenção Farmacêutica, foram adotados alguns procedimentos como: elaboração de ficha de acompanhamento farmacoterapêutico, uso da informática como ferramenta para coleta de dados e termo de consentimento por escrito do paciente solicitando a Atenção Farmacêutica (ROMERO, 1997 apud PERETTA; CICCIA, 1998). Esses procedimentos visavam documentar que a Atenção Farmacêutica é imprescindível durante o tratamento farmacológico, e que esse serviço traz melhorias para a saúde dos pacientes, com um custo quando comparado aos benefícios alcançados com sua prática (ROMERO, 1997 apud PERETTA; CICCIA, 1998).

Badia Llach e colaboradores (2005) realizaram um estudo, na Espanha, com 1.069 pacientes, dos quais 52,9% relataram que foram orientados de forma inadequada quanto à utilização, efeito e reações adversas dos medicamentos. As informações foram transmitidas por meio de folhetos educativos (75,9%), médicos (54,9%), farmacêuticos (17,4%) e enfermeiras (6,7%). Com base nesses resultados, os autores advogam a favor da implantação da Atenção Farmacêutica como estratégia para melhorar esse quadro, colocando o farmacêutico como ator principal desta atividade.

Contudo, Machuca (2011) ressalta que, apesar de o governo espanhol obrigar os farmacêuticos a desenvolverem o seguimento farmacoterapêutico aos pacientes desde 1997, cerca de 70% dos estudantes de farmácia não possuem formação assistencial adequada. Ainda, segundo o autor, a universidade não tem condições de atender às legislações que obrigam essa formação para o farmacêutico. Muitas universidades da Espanha preferem fornecer a formação assistencial em cursos de pós-graduação, quando seria mais interessante oferecer essa formação durante a graduação, formando um profissional generalista, aliando conhecimento prático no mesmo nível daqueles oferecidos pelos outros países da União Europeia.

Nos EUA, a avaliação dos benefícios da Atenção Farmacêutica, realizada no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2003, da qual participaram 2.985 usuários, demonstrou que 61% dos pacientes apresentaram pelo menos um problema farmacoterapêutico, identificado e solucionado, sendo que 83% mantiveram suas doenças controladas durante o período em estudo. Além disso, os pesquisadores evidenciaram, também, redução significativa dos custos na ordem de US$ 1.134.162,00 (STRAND et al., 2004).

Na Espanha, diversos estudos apresentaram resultados positivos, obtidos com a Atenção Farmacêutica. O acompanhamento farmacoterapêutico, por 12 meses, de 183 pacientes com asma proporcionou aumento significativo no conhecimento da enfermidade pelos pacientes e na adesão ao tratamento, com reflexo positivo na melhora da qualidade de vida (MANGIAPANE et al., 2005).

Na Suécia, existe cerca de uma farmácia para cada 10 mil habitantes, sendo que o custo dos medicamentos naquele país encontra-se entre os menores da Europa. Anteriormente, as farmácias enfatizavam suas atividades na prevenção, identificação e resolução dos Problemas Relacionados aos Medicamentos, sendo desenvolvido um sistema de classificação em 1995. Entretanto, a partir de 2006, os estudos sobre Atenção Farmacêutica passaram a avaliar também as intervenções farmacêuticas (WESTERLUND; BJORK, 2006).

Na França, Daurel-Receveur e colaboradores (2005) avaliaram em estudo retrospectivo, envolvendo 2.381 casos de reações adversas relatados ao serviço de farmacovigilância, entre os anos de 1985 e 2001, envolvendo pacientes com idade superior a 75 anos. O estudo verificou que a classe dos inibidores da recaptação seletiva de serotonina contribuiu com 44%, a classe dos antidepressivos tricíclicos 25%, inibidores da MAO 2% e outros antidepressivos com 27%.

A Estônia, pequeno país europeu localizado ao Sul da Finlândia e que obteve a independência da União Soviética em 1991, apresenta algumas semelhanças com o Brasil devido ao rápido envelhecimento da população e ao investimento de cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) em saúde, valor reduzido comparado aos outros países europeus, que utilizam por volta de 9% do

PIB para manter o sistema sanitário. Outra semelhança é a recente organização do sistema nacional de saúde, iniciada em 1992, com a descentralização e a implantação da medicina de família em 1997. O governo recolhe cerca de 33% de imposto (taxa social) de cada trabalhador, utilizando 13% para os custos da saúde e 20% para o pagamento das pensões. O custo com medicamentos na Estônia alcança cerca de US$ 160 per capita ao ano, sendo que a lista de medicamentos reembolsáveis pelo governo possui cerca de 1.800 itens. Em relação aos serviços farmacêuticos, estudos apontam que os farmacêuticos são responsáveis pelas informações sobre dose e indicação dos medicamentos, geralmente em distúrbios menores, sendo que a preferência do consumidor naquele país está baseada em produtos fitoterápicos. Além disso, um estudo de 2005 apontou que a população na Estônia estava pouco interessada em receber Atenção Farmacêutica na farmácia comunitária (VOLMER et al., 2008).

5.3 Algumas experiências farmacêuticas no contexto