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Locais para o desenvolvimento dos serviços clínicos

1.9 Considerações finais

Como evolução do serviço farmacêutico, a clínica deve levar em conta a que modelo de atenção servirá. Por isso, lembramos uma citação de Lippman, extraída do início do texto intitulado “Uma nova clínica: as mudanças na atenção à saúde”, de Eugênio Vilaça Mendes: “não podemos praticar clínica do século XIX no mundo do século XXI. É preciso mudar” (LIPPMAN, 2000 apud MENDES, 2011, p. 293).

O processo saúde/doença/cuidado compreende uma diversidade e uma complexidade de fatores que impactam e reorientam a vida das pessoas. O medicamento, produto do trabalho historicamente atribuído ao farmacêutico, tem um papel fundamental nesse processo, transformando-se em um símbolo reconhecido pelos atores sociais envolvidos. Nesse sentido, deixa de ser apenas um produto tecnicamente elaborado, sob os mais rigorosos padrões de qualidade e pureza, para integrar o conjunto de instrumentos necessários à saúde e ao bem-estar em nossa sociedade.

A atuação do farmacêutico não se esgota quando o medicamento é colocado no mercado. Pode-se agregar um conjunto de ações e de serviços com

o propósito de assegurar assistência terapêutica integral, além da promoção e proteção da saúde (BRASIL, 2014). Esse é um processo que se dá a partir da construção de novos conhecimentos, da incorporação, da análise crítica e do aprimoramento de tecnologias, desenvolvidas na área farmacêutica tradicional (farmacologia, química farmacêutica, fisiologia), nas experiências de clínica farmacêutica nos âmbitos hospitalar e ambulatorial, em outras categorias da saúde e nas ciências humanas e sociais.

É importante destacar que o devir, as mudanças, a evolução podem não acontecer radicalmente, mas tampouco acontecem espontaneamente. Elas fazem parte de um processo histórico, construído de modo a agregar aspectos técnicos, políticos e sociais que permitem, no Brasil do século XXI, ter uma política de assistência farmacêutica que propõe a soberania no desenvolvimento e na produção de medicamentos, além de avançar em assegurar a acessibilidade de medicamentos, bem como o acesso das pessoas a esses produtos e aos serviços (inclusive clínicos) a eles relacionados.

Ao abrir seus horizontes e redirecionar seu processo de trabalho para o uso do medicamento, o farmacêutico deve, para desenvolver sua clínica, centrar-se na pessoa. Não a clínica estritamente instrumental, mas uma clínica fundamentada na necessidade de saúde percebida pelo usuário e avaliada pelo profissional. Uma clínica em consonância com a organização e o modelo de atenção à saúde que se desenha com o amadurecimento do SUS.

Esse contexto nos remete a uma analogia importante para a clínica farmacêutica. Um dos princípios da gestão estratégica é o compartilhamento de poder na identificação de problemas, na sua explicação, e no processo de encontrar as soluções. Isso permite-nos considerar a importância de que a gestão e a clínica sejam faces do mesmo serviço, e que devem estar articuladas para assegurar o sucesso das ações profissionais dos farmacêuticos no processo de cuidado. Essa premissa constrói um sentido de clínica que reconhece a autonomia dos sujeitos e que, cada vez mais, questiona a soberania7 dos profissionais de saúde e seu

virtual monopólio sobre o cuidado em saúde.

O conjunto de capítulos deste livro compõe diferentes aspectos da clínica, especialmente no que se refere à sua integração à dispensação, refletindo a conjuntura na qual a prática clínica farmacêutica se encontra, e aborda a história, os processos, os instrumentos, os exemplos e a análise crítica sobre o tema. Ao agregar conhecimentos clínicos na construção de projetos terapêuticos singulares, o farmacêutico define uma nova práxis, como componente essencial

7 O sentido kantiano de autonomia diferencia-se do conceito de soberania, na medida em que, no exercício

da autonomia, o sujeito considera os impactos de suas ações na vida do outro. O sujeito soberano age in- dependente do outro. Para a filosofia, em nossa vida a autonomia é possível e desejável, e a soberania não (CORTELLA, 2009).

no sistema de saúde. E é na construção desse novo paradigma que se apresenta o devir da profissão farmacêutica.

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