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Algumas experiências farmacêuticas no contexto do SUS

IMPACTOS E PERSPECTIVAS DOS

5.3 Algumas experiências farmacêuticas no contexto do SUS

O Centro de Pesquisas em Assistência Farmacêutica e Farmácia Clínica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (CPAFF-USP), foi criado em 2004 com a finalidade de realizar trabalhos científicos para evidenciar a importância dos farmacêuticos clínicos no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS). Em um estudo foram acompanhados 64 pacientes diabéticos, divididos em dois grupos (intervenção e controle). Ao final do acompanhamento, observou- se que a presença do farmacêutico foi decisiva para a redução significativa da glicemia de jejum e da hemoglobina glicosilada nos pacientes do grupo intervenção (BORGES et al., 2010).

O custo direto médio dos pacientes que receberam a Atenção Farmacêutica não sofreu variação durante os 12 meses de acompanhamento, mantendo-se em US$ 11,40 per capita. Entretanto, nos pacientes do grupo controle, o custo direto médio aumentou de US$ 8,90 para US$ 10,80 per capita durante o estudo. Mesmo com esses valores, os pacientes que não receberam a Atenção Farmacêutica tiveram um custo médio inferior ao grupo intervenção (BORGES et al., 2011). Esses resultados consideraram apenas o custo direto. Provavelmente, num estudo com tempo estendido, e considerando os resultados clínicos e os custos indiretos, tais como internação hospitalar para controle de agravos, o impacto econômico poderia ser ampliado em favor do grupo intervenção. Entretanto, sabe-se que a curto prazo as chances de encontrar redução de custos com a implantação da Atenção Farmacêutica são extremamente reduzidas.

Em outro estudo sobre o tratamento farmacológico de 3.982 pacientes diabéticos, atendidos pelo SUS, com média de idade de 60,6 anos, sendo 61% do sexo feminino e 60% tratados com monoterapia, observou-se que a dose dos antidiabéticos orais e da insulina era maior nos pacientes que utilizavam maior número de fármacos, o que indica a progressão do diabetes associada à piora do manejo da doença (GUIDONI et al., 2012).

Um estudo com 9.560 pacientes, atendidos pelo SUS, que utilizavam inibidores da enzima conversora de angiotensina, apontou que cerca de 40% apresentavam risco de desenvolver interação medicamentosa, o que poderia prejudicar o tratamento da hipertensão arterial (OLIVERA et al., 2010).

Nessa mesma linha de pesquisa, foi analisado o perfil de 7.531 usuários de hidroclorotiazida atendidos pelo distrito sanitário oeste do município de Ribeirão Preto-SP (MARTINS et al., 2011) e o perfil dos usuários que receberam a dispensação de benzodiazepínicos e antidepressivos, no mesmo distrito paulista (NETTO et al., 2012). Também as prescrições medicamentosas realizadas aos pacientes diabéticos de uma unidade de saúde do SUS, em Ribeirão Preto-SP, foram analisadas (PEREIRA et al., 2005). Em todos esses trabalhos realizados na atenção primária foi evidenciado que a presença do farmacêutico poderia melhorar o manejo do tratamento farmacológico.

Um estudo realizado com pacientes hospitalizados entre os anos de 2004 e 2010 observou que 3.048 indivíduos utilizaram varfarina nesse período, sendo que 22,5% dos pacientes apresentaram International Normalized Ratio (INR) acima de 3,0 e, em adição, 48,2% dos sujeitos que receberam varfarina eram idosos e a média de medicamentos por prescrição foi de 7,2, o que aumenta o risco potencial de interações medicamentosas (GUIDONI; OBRELI-NETO; PEREIRA, 2014).

A análise de prontuários de 7.431 pacientes que utilizaram midazolam entre agosto de 2001 e julho de 2002 no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), mostrou que 0,35% (26 pacientes) receberam a prescrição de flumazenil, considerado antídoto dos benzodiazepínicos, após 24 horas da administração de midazolam, demonstrando presença de reações adversas devido a prováveis interações medicamentosas ou doses elevadas. O acompanhamento farmacoterapêutico poderia reduzir ou até evitar essas reações adversas descritas nesses dois estudos (KAWANO et al., 2009).

A utilização de medicamentos para controlar a epilepsia em pacientes acompanhados pelo Ambulatório de Epilepsia de Difícil Controle do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), foi avaliada para 112 pacientes, dos quais 60,7% utilizavam mais que três medicamentos, e a carbamazepina foi prescrita a 72,3% dos pacientes (FREITAS-LIMA et al., 2013a). Outro estudo realizado

com pacientes epilépticos avaliou a concentração plasmática da lamotrigina, entretanto apenas 68% dos pacientes apresentavam os valores de lamotrigina adequados e 25% estavam com a concentração de lamotrigina abaixo da recomendada, provavelmente devido a interação desse medicamento com a lamotrigina (FREITAS-LIMA et al., 2013b).

A intercambialidade entre os medicamentos parece simples, porém pode ocasionar desconfiança em alguns pacientes sobre a manutenção da efetividade terapêutica, além de confusão devido a troca do formato e das cores da forma farmacêutica, dificultando a adesão. No SUS, onde os medicamentos são adquiridos por processos de licitação, a intercambialidade é comum, geralmente ocorrendo entre dois similares. Sendo assim, a presença do farmacêutico é fundamental para orientar os pacientes, principalmente os idosos, que tendem a utilizar uma quantidade maior de medicamentos.

A análise das concentrações plasmáticas e no número das crises epilépticas mostrou que houve variação não significativa, entretanto quando havia a troca das formulações os pacientes ficavam receosos e esse fator pode interferir no tratamento (GIROLINETO et al., 2010). Em relação à qualidade de vida dos pacientes, constatou-se que, apesar de variar durante a troca das formulações, esta não foi considerada estatisticamente significativa (GIROLINETO et al., 2012).

Portanto, considerando o cenário atual, pode-se afirmar que as legislações e as fiscalizações dos Conselhos Regionais de Farmácia, que recomendam a presença integral dos farmacêuticos nas farmácias, tornam o momento favorável, deve ser utilizado para estimular a mudança do perfil desse profissional, aproximando-o do paciente visando a prevenção e promoção de saúde, utilização racional do medicamento e o desenvolvimento gradual da Atenção Farmacêutica em todas as suas vertentes.

Esse fato pôde ser evidenciado em um estudo envolvendo 486 farmácias dos municípios de Ribeirão Preto-SP, Araraquara-SP, Londrina-PR e Alfenas- MG, encontrando o farmacêutico presente em 85% desses estabelecimentos (MARQUES, 2013).

O Brasil apresenta cerca de um farmacêutico para cada 1.700 habitantes, e renda per capita para o consumo de medicamentos de US$ 51 por ano. Segundo a Comissão Nacional de Ensino do Conselho Federal de Farmácia (CFF), em 1996, o Brasil possuía 55 faculdades de Farmácia (29 públicas). Em 2007 eram 292,1 sendo 70 escolas públicas, contribuindo para a formação de 10

mil farmacêuticos por ano (CASTRO; CORRER, 2007), sendo que mais de 70% estão alocados nas farmácias e drogarias.

1 Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) indicam a existência, em 2013, de

Apesar desses números, o farmacêutico ainda é um profissional desco- nhecido pela população, por estar mais preocupado com a gestão administrativa dos medicamentos, deixando em segundo plano o uso racional, a dispensação e o acompanhamento farmacoterapêutico. Um estudo realizado com 110 pacientes com doença inflamatória intestinal, entrevistados no HCFMRP- USP, nenhum respondeu que buscava informações sobre os medicamentos com os farmacêuticos. Nesse trabalho os profissionais mais lembrados foram os médicos, seguidos pelos enfermeiros, nutricionistas e assistentes sociais (DEWULF et al., 2009).

Um outro estudo ilustra a ausência dos farmacêuticos na gestão clínica da terapêutica, trazendo prejuízos, principalmente, quando se trabalha com uma população especial de pacientes, como as crianças. Nesse estudo foram avaliados 6.637 pacientes pediátricos internados, sendo que 287 crianças receberam pelo menos um antiepiléptico considerado não licenciado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Food and Drug Administration (FDA) durante o período de internação, o que representou cerca de 50% da população que utilizou antiepilépticos. Entretanto, com relação à classificação off-label, houve discrepância entre as agências, sendo o FDA mais restritivo do que a Anvisa, pois, segundo a agência norte-americana, cerca de 40% das prescrições foram

off-label, contra menos de 1% da Anvisa. Esse fato ressalta que as equipes

de saúde ainda carecem de um profissional que conheça o uso adequado dos medicamentos, bem como das legislações vigentes para auxiliar nas prescrições (BORGES; CAMPOS; PEREIRA, 2013).

Em uma pesquisa realizada em Ribeirão Preto-SP, Araraquara-SP, Londrina-PR e Alfenas-MG foram entrevistados 112 farmacêuticos que atuavam em drogarias e farmácias comunitárias. Quase metade dos participantes (48,2%) situavam-se na faixa etária entre 20 e 30 anos, ou seja recém-formados e 78,6% não apresentavam conhecimento satisfatório para desenvolver as atividades de dispensação (REIS, 2013).

Nessa mesma linha de pesquisa, um estudo utilizando a técnica do paciente simulado avaliou a qualidade da dispensação de contraceptivos orais junto às drogarias. Dos 41 farmacêuticos avaliados, apenas três realizaram perguntas à paciente simulada, mesmo assim nenhum deles preocupou-se com os valores de pressão arterial. Cinco farmacêuticos orientaram a paciente com relação à dose e outros dois profissionais informaram as possíveis reações adversas do contraceptivo oral, o que ressalta a ausência de dispensação nas drogarias brasileiras, tornando-se comum apenas a entrega do medicamento (OBRELI-NETO et al., 2013).

Os resultados desses estudos demonstram que o farmacêutico precisa conhecer a comunidade em que desenvolve suas atividades, bem como quais as características desses usuários na utilização dos medicamentos. Sendo assim,

torna-se mais fácil realizar a dispensação e o acompanhamento, melhorando a adesão ao tratamento e reduzindo as reações adversas desses pacientes, contribuindo para o manejo adequado das doenças crônicas mais prevalentes no país.

5.4 O potencial para a implementação da Atenção