• Nenhum resultado encontrado

A CONSTRUÇÃO DA AGENDA INDÍGENA

No documento Download/Open (páginas 53-55)

Nas décadas de 1970 e ao início de 1980, as escolas nos territórios indígenas eram poucas e insuficientes para atender às demandas dos povos já conhecidos em Pernambuco (Pankararu, Kambiwá, Fulni-ô, Truká, Atikum, Xucuru do Ororubá, Kapinawá), em que a Funai limitava-se a manter algumas escolas e a negociar com os municípios para a implantação de “escolas de sítio”, visando proporcionar uma educação correspondente ao atual Ensino Fundamental para estes povos, sem nenhuma observação quanto às referências normativas deste tempo, mesmo que insuficientes e distorcidas.

Ocorreu também, em fins desta década de 1980, como reação da sociedade brasileira ao governo militar, diversas movimentações pela construção da democracia, quando foram criadas organizações da sociedade civil voltadas para uma série de temas relacionados aos Direitos Humanos e, no campo indigenista, as Associação Brasileira de Apoio ao Índio (ANAÍ) 26, a Comissão Pró-Índio-São Paulo (CPI/SP), o Centro de Trabalho Indigenista (CTI), o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI). Todas estas instituições contavam com a participação de indigenistas27, antropólogos e pesquisadores das universidades que já vinham fazendo críticas à política indigenista do Estado brasileiro.

Por outro lado, a Igreja Católica Romana, no Brasil, vivia as influências dos encontros da Conferência Geral do Episcopado Latino Americano (CELAM), ocorridos em Medelín (Colômbia,1968) e Puebla (México, 1979) que anunciavam novos rumos para a Igreja Católica Romana Latino Americana, voltadas à justiça social e aos direitos humanos, inspirada pela Teologia da Libertação28, provocando no seu interior um olhar crítico das suas práticas históricas nas relações com os povos indígenas, principalmente as Missões, antigas e contemporâneas, com novos sentidos a suas ações pastorais. Com isso, surgiram novos órgãos da Igreja voltados para o apoio aos índios como a Operação Anchieta (OPAN)29 e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que atuavam nos territórios indígenas com dezenas de povos em todas as regiões do país.

26 Atualmente denominada Associação Nacional de Ação Indigenista, sediada em Salvador-BA.

27 Indivíduos ou instituições não indígenas que desenvolvem ações de apoio às lutas indígenas e de suas

representações coletivas por direitos e reconhecimento.

28

A Teologia da Libertação é um movimento socioeclesial que surgiu dentro da Igreja Católica na década de 1960 e que, por meio de uma análise crítica da realidade social, buscou auxiliar a população pobre e oprimida na luta por direitos. Contudo, ao proceder assim, seus adeptos chocaram-se contra o Estado, interesses econômicos e até mesmo contra a hierarquia da instituição Católica (CAMILO, UFG.2011.)

No ambiente urbano, os debates sobre a situação dos povos indígenas entraram nas pautas das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), ampliando as denúncias e relatos sobre a ocupação da Amazônia pelos megaprojetos, governamentais, privados ou de multinacionais com apoio do governo brasileiro, que se valia de slogans como “homens sem terra para a terra sem homens”, e se referiam a essa região como “deserto verde”, inabitado, como se povos indígenas lá não habitassem.

Aldeias inteiras foram dizimadas e diversos povos foram transferidos de seus territórios imemoriais para dar lugar à abertura de estradas e projetos de colonização. A temática indígena entrou na pauta dos Direitos Humanos, rompendo a lógica dos direitos individuais, trazendo uma nova reflexão sobre direitos coletivos. Uma ruptura de paradigmas.

Ocorreu, dessa forma, uma convergência de contextos, na academia, na sociedade e na Igreja Católica Romana, que veio a favorecer e proporcionar a emergência das resistências indígenas por todo o país, ressaltando os direitos imemoriais desses povos e suas demandas ao Estado brasileiro, que envolviam principalmente a afirmação étnica e demarcação de seus territórios. Articulações e movimentações indígenas passaram a ocorrer inicialmente por povos, estados e regiões, bem como se intensificaram assembleias, reuniões e encontros de organizações já existentes, como o Conselho Geral dos Tikuna e das Organizações Indígenas do Rio Negro, ambas no Amazonas (FERREIRA, 2001, p. 87).

Em 1980, foi criada a União das Nações Indígenas (UNI), como resultado de provocações de Mario Juruna, indígena Xavante, que desde dois anos antes, com seu gravador de “promessas” de políticos e órgãos públicos não cumpridas, aterrorizava as agências estatais e seus interlocutores em Brasília. A UNI tornou-se o embrião e a referência de novos movimentos que se configuravam de forma regionalizada e nacionalmente, incentivando encontros, assembleias e articulações que favoreceram o surgimento de novos sujeitos coletivos na cena política nacional, os povos indígenas. (FERREIRA, 2001, p. 87)

A Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, foi um importante referencial das lutas sociais no Brasil. Quando ocorreram encontros e articulações entre povos que resultou em pautas e propostas para uma nova abordagem constitucional. Pela primeira vez os índios, com o apoio de vários aliados, foram sujeitos ativos em um processo deste tipo. Delegações indígenas estiveram no Congresso durante todo o processo da Constituinte, até a votação final do texto constitucional, onde no seu Capítulo VIII, Dos

Índios, rompeu com o mecanismo da integração e da tutela, adotando os direitos coletivos dos povos indígenas:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá- las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios [....] as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.

Tendo a demarcação de seus Territórios como prioridade em suas reivindicações, outras antigas demandas dos povos foram gradativamente incorporadas nas suas agendas de prioridades, sendo a Educação Escolar Indígena uma delas.30

No documento Download/Open (páginas 53-55)