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A República: primeiras constitucionalidades

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2.1 OS LEGADOS DA HISTÓRIA

2.1.2 A República: primeiras constitucionalidades

Essa Lei de Terras sofreu mudanças com advento da República, em sua primeira Constituição em 1891. Ao estabelecer o pacto federativo, as terras tidas como devolutas são transferidas para os Estados, que correspondiam aproximadamente às antigas Províncias. Essas passaram a ter o privilégio de decidir sobre as terras não regulamentadas pela Lei de 1850, nas quais haviam se estabelecido diversas etnias. Com

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Cf. Dantas (20015). Para uma discussão bastante elucidativa sobre o Século XIX, cf Cunha (1992, p. 9-24) .

essa prerrogativa um novo esbulho se configurou sobre os territórios indígenas, e eles, como consequência desse ato, vieram a se tornar não mais servos, e desde então “camponeses mestiços” ou “caboclos”. Sobre isto Silva afirma que:

A extinção dos aldeamentos se baseava na ideia de assimilação dos índios, como enfatizou a mesma autoridade18: ‘Hoje talvez fosse mais conveniente confundir esse resto de índios com a massa da

população; e o governo dispor de suas terras como melhor lhe

parecesse; porque isto de Aldeias é uma quimera’ (SILVA, 2011, p. 484).

Essa situação agravou-se com o novo sistema político republicano o qual não contemplava em sua agenda, as populações indígenas, preferindo sua integração e assimilação.

No início do século XX, o Estado-nação que se constituía em seus primeiros passos com a política do embranquecimento, por meio do incentivo a uma colonização europeia, sobre o que Ribeiro (1996, p.450) cita a declaração de Hermann Von Ihering19 que vivia em São Paulo, onde fixou residência por um longo período, a respeito dos “Caigangs”, para a promoção de uma campanha com o objetivo da liberação de terras habitadas pelos indígenas para os novos colonos:

Os actuais índios do Estado de São Paulo não representam um elemento de trabalho e de progresso. Como também nos outros Estados do Brazil, não se pode esperar sério e continuado dos índios civilizados e como os Caigangs selvagens são um impecilio para a colonização das regiões do sertão que habitam, parece que não há outro meio, de que se possa lançar mão, senão o seu extermínio (IHERING, 1907, p.205),

Nesse contexto, de discussão do discurso de embranquecimento o Marechal Rondon, em 1908, propôs a criação de uma agência indigenista, que teria entre outras atribuições: “b) garantir a sobrevivência física dos povos indígenas; c) estimular os índios a adotarem gradualmente hábitos "civilizados; e) fixar o índio à terra; i) fortalecer as iniciativas cívicas e o sentimento indígena de pertencer à nação brasileira20.” Um

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Ofício de Francisco Caboim (barão de Buíque), Diretor Geral Interino dos Índios da Província de Pernambuco ao Presidente da Província de Pernambuco. 15.11.1870. (grifos adicionados)

19 Zoólogo nasceu na Alemanha em 1850. Veio para o Brasil em 1880, patrocinado pelo governo Imperial

Alemão, para realizar pesquisas, morando no Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraná. Elaborou um conhecido e discutido tratado “A questão dos índios no Brasil - 1911”. Afastou-se do Museu Paulista em 1915, lecionando posteriormente no Chile e Argentina. Retornou para a Alemanha em 1924.

http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br (Acesso em 18.03.2016)

20 (FUNAI, 2015) http://www.funai.gov.br/index.php/servico-de-protecao-aos-indios-spi (acesso em

novo movimento de “proteção” e “redução”, como os missionários das diversas congregações, laico.

Em 1909, Nilo Peçanha assumiu a presidência após a morte de Afonso Pena, de quem era Vice, e no ano seguinte criou o Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), oportunamente como forma de consolidar a nova colonização no interior do país e a fixação de trabalhadores, liberando territórios indígenas para os novos colonos. Leia-se neste discurso: “a atração de grupos isolados, sua pacificação e aculturação.” Isso se tornou evidente devido à vinculação do novo órgão ao então Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, sob o manto da proteção aos povos indígenas, considerados assim como empecilho à nova modalidade de colonização, acompanhada de um discurso de “modernização”.

Em 1918, já no governo de Wenceslau Braz, influenciado pelo Código Civil de 1916 que, em seu Cap. I, Art. 6, afirmava que os “silvícolas” eram relativamente incapazes “a certos atos, ou à maneira de os exercer”, e, em seguida, em parágrafo único: “Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, [...] o qual cessará à medida que se forem adaptando à civilização do país.”, o órgão passou a ser denominado apenas Serviço de Proteção aos Índios (SPI), assumindo em seus “[...] regulamentos e regimentos o controle dos processos econômicos envolvendo os índios, estabelecendo uma tipologia para disciplinar as atividades a serem desenvolvidas nas áreas” (FUNAI, 2015)21.

O SPI foi criado com um discurso pautado na tutela que realizaria a proteção aos índios, como prevenção ao extermínio, em disputa com o discurso de Von Ihering, que recomendava o extermínio. A nova agência indigenista estatal por meio dos Postos Indígenas, instalados nos territórios dos povos, introduziu a educação escolar das crianças indígenas por meio da criação de escolas em situações de improviso, em espaços físicos inadequados, professoras eram as esposas dos chefes do Posto, ausência de material didático/pedagógico, etc. Nessas escolas, a catequese foi substituída pelo civismo e suas formas organizativas e de sociabilidade regidas pela disciplina militar positivista da época.

Os currículos da nova modalidade educacional tinham conteúdos voltados para a formação de técnicos agrícolas e pecuária, que visavam a sedentarização dos povos e a liberação dos territórios indígenas para a nova colonização. Ao se tratarem de escolas

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públicas, recebiam alunos de povoados e fazendas próximas, sem nenhuma distinção quanto aos aspectos socioculturais dos estudantes indígenas.

Em Pernambuco, assim como em outros estados do Nordeste, o não reconhecimento de etnias indígenas e consequentemente de seus territórios e formas próprias de organização social, cultural e política, fez com que poucos povos tivessem acesso a este sistema educacional, mesmo com suas limitações e intencionalidades de assimilação. Os antigos Carijó, ou Carnijó, atuais Fulni-ô, habitantes no município de Águas Belas, tiveram um Posto do SPI criado já em 1924, no antigo aldeamento de Ipanema. Na década de 1940, dois outros Postos são criados em Pernambuco, o primeiro, no Brejo dos Padres, também outro antigo aldeamento, habitado pelos Pankararu, e entre os Kambiwá, no município de Inajá (ARRUTI, 1996, p. 49).

Essas primeiras iniciativas do SPI no estado não ocorreram por orientação de uma política regional com os povos indígenas, mas por insistência do Padre Alfredo Dâmaso22 que, em 1921, foi até o Rio de Janeiro, então capital federal, solicitar atenção aos Carnijó, e posteriormente com um importante aliado, o etnólogo Carlos Estevão de Oliveira visitou os Pankararu, em uma excursão empreendida “[...] com o objetivo de iniciar estudos sobre os ‘remanescentes indígenas ainda existentes nessa região.’ [...] que se dá em 1935” (SECUNDINO, 2011, p. 639). O referido etnólogo iniciou gestões para o reconhecimento dos Pankararu, e, em seguida, junto aos Kambiwá, os quais mantinham estreitas relações com os primeiros.

Em Pernambuco, Gilberto Freyre, em Casa Grande & Senzala, 1933, buscou construir por meio dessa obra uma abordagem enaltecendo os “mestiços” como síntese das três raças, ao mesmo tempo em que propôs parâmetros socioculturais para a construção de uma identidade nacional, em que uma fusão cultural harmônica prevaleceu sobre as abordagens raciais, de classe e históricas. No contexto da época, a obra de Freyre produziu um discurso de conciliação e tolerância com a Senzala. A política indigenista neste contexto traduzia o permanente objetivo da aculturação, a partir da possibilidade de os índios fazerem parte da formação da identidade do Brasil, retomada duas décadas depois por Darcy Ribeiro (1996).

As escolas criadas nos Postos em nada se diferenciavam dos sistemas educacionais vigentes, para os não índios, apesar de o SPI sustentar o discurso da diversidade cultural e linguística. Em tais escolas, a sedentarização impôs o trabalho

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Pe. Alfredo Pinto Dâmaso, "capelão militar das tropas revolucionárias do Norte". Para maior compreensão sobre a atuação do Pe. Dâmaso, neste período, ver Arruti, (1996, p. 48 -52).

agrícola e doméstico, não muito diferente das práticas recorrentes nos antigos aldeamentos e missões. Em 1953, reconhecendo os insucessos dessa concepção, o SPI elaborou um “Programa Educacional Indígena”, que intensificaria as práticas agrícolas, a pecuária, bem como ofícios em pequenos engenhos e casas de farinha. Dessa forma, tornar-se-iam trabalhadores agrícolas, produtores de bens e serviços, integrando-se gradativamente a “sociedade nacional”. A experiência educacional indígena anterior levou o SPI, conforme Ferreira (2001) a denominar as escolas de “Casa do Índio”, tão grande foi a aversão dos índios a essa provação escolar vivida até então

Em que pese o fato de diversas etnias, principalmente àquelas com longo período de contato, terem desejado a educação escolar, não se adaptaram a precariedade das escolas do SPI e seus conteúdos.

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