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Capítulo 4. A Marquise – um objecto sociológico empírico

4.1. A construção (social) do espaço

Depois de ter apresentado Gans e a sua concepção sobre a forma como o espaço adquire significado social, vou introduzir através de Martina Löw alguns conceitos de teoria espacial, na qual o espaço é constituído por actos e como resultado de uma síntese de práticas de posicionamento. Esta discussão torna-se importante para perceber como passamos de um contexto urbano para um contexto espacial. Percebemos quais seria os factores que ajudam a compor o a envoltura do urbano, mas quais serão as dinâmicas que

influenciam o espaço? Como é que o espaço é construído? E como é percebido?

Martina Löw – teorizando sobre a construção do espaço

Löw define três possibilidades que se podem encontrar no espaço. A primeira e a terceira parecem-me as mais centrais para a discussão presente neste trabalho, como irei justificar de seguida. Na primeira o espaço é “an

expression of the possibility of plurality” (Löw 2008, p.26), o que me parece

extremamente interessante do ponto de vista do morador, partindo do pressuposto que a marquise funciona como um espaço multifacetado, que permite uma pluralidade de funcionalidades. Esta ideia de um agregado de possibilidade tem um papel preponderante no imaginário do indivíduo. No segundo ponto Löw (2008, p.26) diz-nos que o espaço é “point to the possibility

of overlapping and reciprocal relations” o que seria interessante caso

estivéssemos a analisar um espaço onde ocorrem tipicamente interacções entre indivíduos, e por último, os espaços, “they are allways open and indefinite

to future formations” (Löw 2008, p.26) o que nos remete para a ideia de que a

marquise não é um espaço estanque em termos de dinâmicas de utilização. De acordo com o imaginário do habitante aquele espaço extra pode desempenhar hoje uma função e no futuro ser palco de novas formas de experienciar o espaço habitacional. A autora afirma que estas definições tanto se aplicam em espaço do tipo território nacional como em espaço micro da vida quotidiana.

Numa perspectiva assente na teoria da estrutura, Löw faz-nos chegar o contributo de Lefèbvre, mencionando que “spatial practice, although it includes

the aspect of action, is very much under the impression of capitalism structural constraints.” (Löw 2008, p. 28). Refere Löw que a construção do espaço não

advém de práticas reflexivas, antes decorre das condições pré-existentes ao indivíduo, fazendo com que este produza e reproduza as suas representações de modo circular e em função das estruturas que lhe são impostas. Esta ideia, retirando de um contexto mais abstracto, torna-se tangível quando se articula o espirito capitalista com os bens de consumo que vêm equipar e ocupar o espaço habitacional. As práticas de consumo dos indivíduos modificaram-se

através das possibilidades do modelo capitalista, como por exemplo no acesso a electrodomésticos, o que veio alterar as dinâmicas das tarefas produzidas dentro da habitação. Neste sentido, podemos também associar a influência do avanço tecnológico na construção, como já foi referido anteriormente, pela introdução do betão na construção. Estes factores vieram possibilitar o aumento da área da varanda, permitindo assim aos moradores equacionar novas formas de apropriação físicas e simbólicas do espaço, que se traduzem na importância do imaginário para a concepção da marquise e das práticas que ai decorrerão.

No entanto, quando Lefèbvre se refere às representações do espaço, o autor retira todo o poder de influência dos indivíduos, pois refere Löw “user’s

space is lived – not represented (or conceived)” (Löw 2008, p. 29), essa parte é

deixada para os especialistas, como os planeadores, urbanistas, arquitectos etc.. Lefèbvre afirma que as acções, ou melhor os comportamentos das

praticas vividas assente nos ideais capitalistas são definidos pela alienação e

pela repetição. Quer isto dizer que apesar dos actores criarem espaços através de “spatial practice” (Löw 2008, p. 29), estes, decorridos na trama do quotidiano nunca serão mais do que o espelho das lógicas do estado capitalista.

Na observação que faço do objecto em estudo considero que esta teoria é essencial para compreender a marquise até ao momento preciso em que o indivíduo se encontra a um milésimo de segundo de tomar a decisão de exercer o seu poder participativo de mudança na realidade que o rodeia, i.e., de materializar a gestão das expectativas criadas em torno da remodelação do espaço habitacional.

Dando seguimento às concepções de Löw relativamente ao espaço, tento agora através das teorias da acção na Sociologia Espacial colocar enfase numa posição mediadora entre os aspectos que são materialmente perceptíveis no espaço e as consequências sociais das estruturas espaciais, isto é, a acção. Giddens afirma que as estruturas sociais – fazendo o autor uma distinção clara entre structure e structures, em que o primeiro termo nos remete

para o todo, i.e. para o conjunto de todas as estruturas que compõem a sociedade, e no segundo termo da equação, as estruturas são conjuntos isolados de regras e recursos, como a estrutura política, económica, legal etc. – não são determinísticas no seu efeito, funcionam sim como mediadores e produtores de acção. Os fenómenos que decorrem do processo de globalização, como por exemplo as tecnologias de informação, a presença mediática nos espaços privados ou as migrações, para citar só alguns, vieram abalar de forma vincada e duradoura as noções de proximidade e distância (Löw 2013, p.17). A transição abrupta de um modelo restrito (fechado) de experiências sociais para um plural (aberto) pode ser um factor que, analisado de forma compreensiva, remete para um “efeito perverso da acção” na expressão Raymon Boudon, que se manifesta fisicamente pelo fechamento das varandas. Este efeito perverso também pode ser pensado como efeito não esperado, em termos de influência na estética da paisagem urbana e do que dai resultou, como acções colectivas, editais, reuniões de condóminos etc.. O socialmente aberto foi compensado pela reivindicação do espaço interior e privado, pelo individualmente fechado. Löw contrapõe no seu artigo duas posição influentes para marcar as perspectivas diferentes que se pode ter sobre o espaço – a concepção materialista e a teoria da acção, de forma a realçar se o espaço como “condição e resultado dos processo sociais é apenas

formado, ou se ele em si opera de modo estruturador” (Löw 2013, p.18).

Como já foi referido anteriormente, também as pessoas estão integradas na constituição do espaço, “… two people in relation to each other is also space constitutive, depending on their social relationship. People who are socially more intimate leave less space between them than people who are social strangers. […] People are positioned by the actions of others, and they also actively position themselves.” (Löw 2008, p.34). As pessoas definem e posicionam-se consoante a quantidade de espaço que querem dar ou abdicar em relação ao outro, seja o outro uma entidade material, ou um indivíduo, e conclui Löw “To bring it to a point, space can be seen as relational ordering of living entities and social goods.” (2008, p. 34). Estes excertos são de extrema importância para discutir a noção de espaço público e espaço privado na vida

habitacional. Esta atitude, que decorre consciente ou inconscientemente no sujeito, reflecte não somente as barreiras que se criam socialmente, tanto a nível das sociabilidades, como também a nível físico: nas primeiras essencialmente através do diálogo, no segundo, pela implementação de barreiras físicas concretas, como muros, vedações ou janelas – no caso em análise, nas varandas amarquisadas. Seja qual for o motivo, os actores posicionam-se relacionalmente com a sociedade através da gestão do espaço, passando de agentes estruturados, a agentes estruturantes.

Quer isto dizer que este relacionamento com a constituição do espaço liga activamente o espaço aos indivíduos. O que por sua vez significa que construir espaços envolve um certo tipo de posicionamento: “It is positioning in relation to ohter positionings.” (Löw 2008, p. 36). É um jogo de posicionamento que envolve tanto liberdades como constrangimentos.

Este jogo também disputado através de sínteses entre bens e pessoas na sua conexão com o espaço sob a forma de percepção e idealização: “the constitution of space also requires synthesis, that is to say, goods and people are connected to form spaces through process of perception, ideation or recall” (Löw 2008, p. 36), sínteses essas que podem ocorrer em dimensões micro- sociológicas de construção de espaço. Este ideia vai totalmente de encontro à noção de passado e de futuro, que por um lado vai repescar formas de vivência às experiencias habitacionais, e por outro, promove a introdução do imaginário da casa “ideal” ou adaptável ao estilo moderno de vida, ou à vida que cada um deseja para a sua própria casa.

Conclusão

Na análise que Löw faz do espaço percebemos que as Teorias Estruturais sublinham as potencialidades associadas aos espaços, mas falham na conceptualização do espaço que decorre na vida quotidiana. Para este trabalho, de investigações do fenómeno “marquise” os processos de construção de espaço na vida quotidiana são uma dimensão essencial, como veremos a seguir quando introduzo os conceitos de bricolagem e fabricação de

território. Por outro lado, as Teorias da Acção mostram-se muito importantes para compreender os locales e a acção que produz espaço, mas não contemplam o poder que os espaços exercem na produção da acção. Não integram, portanto, uma abordagem mais fenomenológica da relação do espaço doméstico com o morador. No seguimento da confrontação destas duas teorias, resultam os dois capítulos seguintes, que dedico à