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Capítulo 1. Varandas fechadas – A construção de um objecto sociológico

1.5. Varandas – Aparecimento, Etimologia de Marquise, Público e Privado

1.5.1. Aparecimento

De acordo com Brandão e Martins (2007), a varanda foi levada para o Brasil através dos portugueses, chegando esta a Portugal por intermédio da cultura moura trazida pelos povos do norte de África e das influências da cultura asiática. Varanda e Alpendre foram termos que nem sempre foram distintos entre si, mas que para Carlos Lemos têm origem no oriente, “o alpendre era uma peça do bangalô, casa rural da Índia que tinha como propriedade oferecer protecção climática. O termo varanda aparece em registros de Vasco da Gama como sendo uma palavra oriental para designar um local de permanência aprazível.” (Brandão, Martins, 2007, p.6). Voltando rapidamente à contemporaneidade parece que para os Lisboetas, as inseguranças em forma de clima e ruido não permitiam que a varanda fosse este local simpático de lazer como é descrito, e portanto uma das razões mais mencionadas em entrevista para o fechamento das varandas.

A influência moura já incorporada na arquitectura portuguesa pode também ser reveladora de alguns resquícios da sua cultura embrenhada ou repescada para a cultura do habitante de Lisboa mais recente. Vários autores fazem referência ao “fechamento em gelosia e muxarabiê”, que são estas galerias mourescas como mostra a imagem, ao estilo das hoje denominadas varandas francesas.

Uma outra pista interessante que Brandão e Martins nos fazem chegar é alusiva aos tempos religiosos, onde “o adro alpendrado era o local dos pecadores, dos que ainda não haviam se convertido para adentrar na presença do Senhor, no templo da casa, a varanda ou o alpendre, era lugar dos estranhos, dos que não tinham intimidade suficiente para participar do convívio da família” (Brandão, Martins, 2007, p.8), ideia que pode interessante em termos simbólicos, uma vez que quer através de autores como Fijalkow ou La

Mache, como veremos a seguir, e das informações recolhidas nas entrevistas as varandas e as marquises, respectivamente, aparecem como local de arrumos, onde se guarda o “lixo” da casa, i.e. os objectos que não têm dignidade suficiente para estar dentro de casa.

As varandas nas moradias brasileiras dos séculos XVI-XVIII tinha o propósito, como já foi brevemente referido, de regular a temperatura do espaço doméstico, mas também “actuava como espaço de descanso, de convívio, de posto de vigília e de filtro da casa, separando a esfera pública da privada.” (Brandão, Martins, 2007, p.9). Tendo em conta que nesta época as casas eram térreas, este espaço-filtro limitava o acesso do visitante estranho, funcionando como barreira física e visual, como filtro que selecciona quem está socialmente apto para transitar do público para o privado.

Na viragem para o século XIX, dá-se uma pequena reviravolta no modo vida, deixam-se notar algumas tendências modernistas e consequentemente operam-se alterações formais e estruturais nas habitações e nas suas gentes. “A janela, na arquitectura é [...] o olho pelo qual o edifício-gente olha e espia para fora da janela no sentido de abertura, podendo ser, no caso, a varanda.” (Jorge citado em Brandão, Martins, 2007, pg.13). Dá se portanto uma pequena reviravolta mental onde a janela ou varanda já não opera somente como local de vigia, mas como espaço intrigante, que suscita a curiosidade de quem espreita para a rua e de que espreita da rua “A ausência dos muxarabiês indica pessoas que querem ver e serem vistas, apontando uma nova atitude, principalmente em relação à mulher.” (Brandão, Martins, 2007, pg.13), a varanda torna-se assim um espaço de exibição.

No século XX com o movimento modernista “a organização do lazer tornava-se mais importante que a organização do trabalho” (Brandão, Martins, 2007, p.16) citação que Brandão vai buscar a Gilberto Freyre, uma vez que o trabalho doméstico não se dá com frequência no espaço do doméstico, mas sim no local de trabalho, especialmente em locais fabris. A própria casa é marcada por esse contexto industrial e a moradia brasileira torna-se morfologicamente mais racional. Nas casas burguesas “novos critérios de circulação dentro da casa [...] (que) havia de proporcionar total independência

entre as zonas da casa: as áreas de estar, repouso e a do serviço [...].”(Lemos citado em Brandão, Martins, 2007, p.16) que influenciaram o planeamento das casas de classe média. Outra grande influência veio de Inglaterra como forma de solucionar alguns dos problemas da industrialização através dos bairros-

jardim onde na “casa ecléctica pela existência dos jardins laterais, já conhecidos do período neoclássico, e do jardim de inverno; ambiente fechado com esquadrias de vidro, onde, “nas regiões de clima quente, localizavam-se ali, normalmente, as varandas de uso familiar” (Reis Filho citado em Brandão, Martins, 2007, p.17). As décadas seguintes influenciadas fortemente pelo avanço tecnológico, pela invenção e utilização do betão armado provocam a verticalização dos modelos habitacionais, i.e. nascem os prédios e os apartamentos. Esta verticalização não dá como terminada a execução da varanda no plano arquitectónico, como diz Nestor Goulart citado por Brandão e Martins, “internamente procurava-se por todos os meios, repetir as soluções de plantas e saletas e mesmo amplos alpendres, de modo a oferecer aos habitantes uma reprodução de seus ambientes de origem” (Brandão, Martins, 2007, p.17). É precisamente na sequência desta ideia de Goulart que problematizo mais à frente no capítulo referente ao imaginário, a importância da herança dos pátios e da casa individual no fechamento das varandas.

A varanda, devido à verticalização da estrutura habitável, perde a sua função de filtragem daqueles que são ou não permitidos a entrar no espaço intimo, no entanto continua a suportar outras funções práticas e/ou simbólicas, dependendo da sua morfologia. Funcionam como estabilizadores climatéricos e acústicos, como local de lazer, de contemplação e como zona de fronteira entre o espaço público e privado.