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Capítulo 2. Aprofundando a Dimensão Urbana

3.3. Uma oportunidade comercial: o caso IKEA

3.3.4. Ajuda e Educação

Para além da mediatização digital através de bloggers e jornalistas, o IKEA para promover e aumentar o impacto da campanha, lançou 3 mini- metragens em forma de episódios que retractam a vida de três conjuntos de agregados familiares, com usos e necessidades distintas. Os três episódios, disponíveis no sítio Youtube22, dão seguimento às lógicas de apelo ao consumidor que se verificam no outdoor. Todos eles, tendo em conta o slogan “Mais varandas, menos marquises”, expõem os desejos e expectativas pessoais relativamente à utilidade que dão à varanda, e à funcionalidade que imaginam implementar nesse espaço. É de realçar que nos vídeos não é apresentada nenhuma marquise, mas sim três varandas de dimensões

21 http://www.vogue.xl.pt/lifestyle/tendencias/detalhe/ikea_mais_varandas_menos_marquises.html 22 Episódio 1: https://www.youtube.com/watch?v=VsQ3OGtXQoA Episódio2: https://www.youtube.com/watch?v=uAGJG_hv49k Episódio 3: https://www.youtube.com/watch?v=kHPGlMHNSE8

variadas, conjugando a dimensão do agregado familiar e as tarefas que se poderiam produzir em contexto exterior de varanda. Para se compreender melhor o tipo de episódios que o IKEA lançou, faço aqui um resumo alargado do primeiro episódio e a respectiva análise.

No primeiro episódio é relatada a vida de uma família com vários filhos, sete moradores no total. A primeira palavra que se ouve em voz off, depois da introdução, é a seguinte: “Imaginem…” o que é extremamente explícito sobre ideia principal inerente ao vídeo: colocar quem observa o episódio automaticamente num contexto de imaginário. De seguida enumeram um a um a quantidade de residentes e questionam: “Será que cabem todos em casa? Ou de vez em quando têm de ir para a varanda?”. Mostram a varanda da “Marta”, o nome da entrevistada, e inicia-se o monólogo da moradora. A Marta refere que a sua varanda é actualmente um armazém, é utilizada para “arrumar coisas” e afirma não ter um uso específico para este espaço por estar muito desarrumada. Nesta pequena introdução são levantas as características actuais do espaço varanda e as dificuldades em estabelecer uma ligação funcional e emocional com esse local. Nesta sequência, afirma a Marta que “realmente precisava de um espaço exterior, onde pudéssemos conviver, onde eles [os filhos] pudessem às vezes até fazer os trabalhos de casa e que fosse agradável especialmente nesta altura do verão”. Estes elementos reflectem as aspirações da entrevistada relativamente ao ambiente e dinâmicas domésticas que gostava de experienciar, mas que por uma “má” gestão do espaço varanda não lhe é possível. A ponte para a solução passa pelo IKEA, questionando a

voz off “Então, uma varanda tão bonita a fazer de armazém?”, e de seguida

são enumerados os desejos da Marta para a varanda, fazendo referência às “varandaS” que se podem ter na mesma varanda através do seguinte esquema:

Neste seguimento entra a vertente comercial das possibilidades que o IKEA apresenta para solucionar os problemas da residente, ao sublinhar que foi necessário tirar as medidas todas, pensar bem todas as funcionalidades que se queriam ver introduzidas no espaço e o vídeo segue com a remoção dos elementos que constituíam a varanda antiga e a introdução dos produtos IKEA, perguntando no final “Que tal Marta?”. Ao que responde “Agora está óptimo, era exactamente o que tinha pensado, acho que os miúdos vão adorar, acho que vai ser muito bom para todos.”. Para terminar a voz off pergunta se estará funcional, mas agora quem responde é uma especialista, a designer de interiores do IKEA, fazendo referência às escolhas da Marta e a diversidade de possibilidades que podem coexistir numa varanda.

Concluindo, o vídeo esquematiza as dificuldades e espectativas desta moradora específica, que no entanto posso supor que existam de forma mais ou menos similar para moradores de outras habitações, relativamente à forma como a varanda é apropriada física e simbolicamente em contexto de espaço doméstico. A moradora revela que usos gostaria de dar à varanda e que práticas deseja que ocorram neste local, remetendo quem vê o vídeo para o

Imagem 12 – IKEA Portugal | Mais varandas, menos marquises | Episódio 1, Imagem retirada de Youtube.com

imaginário de possibilidades da sua própria habitação. Neste sentido, o IKEA apresenta-se no intervalo entre os desejos e a possível realidade. Fazendo da varanda uma oportunidade comercial para a empresa e uma oportunidade de concretização do imaginário dos moradores, materializam as expectativas dos habitantes através da funcionalidade e gestão de espaço que os produtos desta empresa podem oferecer.

Relativamente aos restantes dois vídeos o modelo é idêntico, apenas muda o contexto, i.e. o volume de habitantes, a dimensão da varanda e as características que desejam para a sua varanda. Não vou portanto fazer uma descrição pormenorizada, deixo aqui apenas as expectativas associadas ao espaço. No segundo vídeo apresentam um casal que pretendem uma varanda onde possam jantar, dar festas e melhor a harmonia da casa. O terceiro vídeo é constituído por um morador que vive sozinho. Este tem uma varanda pequena, de 2m² e pretende um espaço onde possa relaxar, “beber um copo” e plantar ervas aromáticas, onde são dadas, entre outras, soluções de aproveitamento da verticalidade do espaço.

Conclusão

Pelo que que me foi possível apurar, a empresa IKEA utiliza a marquise como pretexto, criando contexto para as varandas. Quero com isto dizer que o enfoque desta campanha debruçou-se sobre produtos de exterior e sobre o aproveitamento do espaço varanda, como se pode verificar pelo outdoor e pelos vídeos. A marquise aparece apenas como contraposição para justificar que é possível ter o mesmo tipo de práticas, num espaço doméstico com marquise, como num espaço doméstico com varandas, sendo que este último promove melhor o ambiente doméstico e a experiência habitacional. É também curioso verificar que o IKEA se posiciona quase como um “professor” que auxilia nas “boas” práticas domésticas e gestão do espaço23

, permitindo aos

23

Mais à frente discuto os resultados de um estudo que Ph. Boudon fez num bairro francês construído por Le Corbusier. Segundo este autor a varanda é um espaço incompreendido pelos moradores, o que

moradores por em prática os seus desejos e expectativas. Para terminar, a visita a esta empresa possibilitou, em termos de análise, dar profundidade à discussão do fenómeno “marquise”, trazendo assim para debate questões que operam ao nível do quadro mental e das representações dos indivíduos.

poderia justificar aqui a posição que o IKEA assume ao “ajudar” os habitantes a se relacionarem melhor com este espaço.

CAPÍTULO 4. A MARQUISE – UM OBJECTO SOCIOLÓGICO