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A Contribuição para a Recuperação do Espaço Político

CAPÍTULO III O NEO-REPUBLICANISMO E A RETOMADA DO ESPAÇO PÚBLICO:

3.3 Contribuições e Limites da Proposta Política Neo-republicana

3.3.1 A Contribuição para a Recuperação do Espaço Político

O problema principal do qual parte este trabalho é o declínio do espaço público e a conseqüente mudança da forma de compreensão da política. Se o espaço político, para a

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Cf. ARENDT, Hannah. O que é política? Fragmentos de obras póstumas compilados por Úrsula Ludz. Tradução de Reinaldo Guarany. 2.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999a.

Antigüidade era, por excelência, um local de ação e participação dos cidadãos, ao longo dos séculos essas características foram se perdendo e, como conseqüência, foram produzidas condições para que uma nova forma de exercício do poder político florescesse nas sociedades contemporâneas.

O declínio do espaço público teria provocado uma mudança na própria concepção da política. Hannah Arendt 339, retomando a concepção de política dos antigos, compreende essa atividade como sendo a ação dos homens em concerto no espaço público, tendo como finalidade a organização de um mundo comum. A política, considerada dessa forma, tem como pressupostos a ação e a argumentação e seu oposto é a violência, atividade que chega ao espaço político através do uso da força 340.

Dessa forma, a partir do declínio do espaço político, ou da própria política, podem ser apontadas as seguintes conseqüências: a confusão da política com a violência, levada ao extremo pelos regimes totalitários; o surgimento, principalmente após a Revolução Industrial, do homem de massa, caracterizado pela apatia política, individualismo e aptidão para o consumo; a indistinção entre o espaço público e privado e a utilização dos bens públicos para promoção dos interesses privados, realizados em escalas globais a partir da expansão imperialista do século XIX; a crescente subordinação dos interesses públicos – dos Estados – aos interesses privados – do mercado, e a conseqüente submissão do indivíduo a uma dupla estrutura político-jurídica; a crescente confusão entre os poderes do Estado, sendo que o executivo sobrepõe-se aos demais poderes, inclusive autorizando medidas de suspensão dos direitos individuais.

Diante desse contexto, a teoria neo-republicana apresenta algumas propostas bastante interessantes para a realização de um contraponto aos fatos apontados acima, que podem ser compreendidos como signos totalitários.

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Cf. ARENDT, Hannah. O que é política? Fragmentos de obras póstumas compilados por Úrsula Ludz. Tradução de Reinaldo Guarany. 2.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

Primeiramente, o neo-republicanismo tem como uma de suas metas a recuperação do espaço público e realiza essa tarefa enfatizando a necessidade de fomentar virtudes cívicas nos cidadãos através da promoção da participação. Sua proposta de reconstrução do espaço público é levada a cabo através da criação, dentro da estrutura institucional do Estado, de canais que possam absorver as reivindicações e contestações da população. Os canais de contestabilidade, como enfatiza Philip Pettit, são uma das formas de se assegurar o principal objetivo republicano – a liberdade como ausência de dominação.

Para que a contestação seja possível, o republicanismo pretende criar possibilidades para que os cidadãos possam organizar-se como grupos e, através dos canais de participação existentes na república, colocar suas opiniões e reivindicações. A própria organização das cidades é repensada de forma a incentivar o engajamento dos cidadãos com os temas políticos.

Essas reformulações, apresentadas pelos neo-republicanos como forma de reorganizar as estruturas do Estado de maneira facilitar a participação nos assuntos públicos, constituem- se mecanismos de oposição aos signos totalitários da política como violência e, também, à apatia política.

Ao enfatizar a necessidade de envolvimento dos cidadãos com a política, os neo- republicanos recuperam uma das principais características desta – a ação e a possibilidade do diálogo, do dissenso e da argumentação no espaço público. Esses elementos opõem-se à política enquanto violência, pois sua principal característica é a imposição, através da força, das decisões tomadas pela autoridade política.

De forma contrária, o republicanismo está disposto a receber contribuições para a construção de um projeto político, haja vista que cria espaços de proposições e também de

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questionamentos, permitindo que a política seja realizada através de um processo constantemente sujeito a mudanças e alterações.

Essa talvez seja a característica que produza a mais nítida oposição aos regimes totalitários, pois para estes a política é algo imposto cujo objetivo é a manutenção de uma sociedade estanque, como se a lei da história tivesse sido alcançada e as mudanças não mais pudessem afetar a durabilidade de seu projeto.

Ao incentivar as virtudes cívicas, o republicanismo também oferece, em potencial, uma forma de retirar os indivíduos das sociedades atuais da apatia política na qual se encontram. A participação cívica implica a necessidade de que se assumam responsabilidades e obriga o indivíduo a pensar, não apenas a partir de suas metas traçadas no campo privado, mas também no campo dos interesses comuns.

Se a massa, conforme compreendida por Hannah Arendt, é formada por indivíduos cuja principal característica é a dificuldade de organizarem-se em torno de interesses comuns, a participação em uma associação ou em um movimento social é um importante contraponto para que se deixe de ser um animal laborans e se retorne ao espaço público, no qual deverá agir entre homens, e no qual será obrigado a refletir sobre os problemas políticos de seu tempo. A partir do momento em que é chamado a agir no espaço público, o indivíduo é novamente forçado a assumir responsabilidades, não somente para si, mas também para com a comunidade política à qual pertence.

Um outro contraponto importante vai sendo delineado na teoria republicana a partir da forma como esta compreende o Estado. Todas as propostas neo-republicanas para a recuperação do espaço público e promoção da participação cívica passam pelo Estado, o qual deve ser capaz de assegurar a ausência de dominação ou interferência arbitrária. Para tanto, tem inclusive a possibilidade de interferir em questões privadas, tais como a liberdade de contrato ou de imprensa.

Um Estado pensado dessa forma pode ser capaz de fazer oposição ao mercado como ente que tem imposto suas normas e feito prevalecer o interesse privado dos grandes grupos econômicos sobre os interesses públicos compreendidos como das populações nacionais. Esse fato foi considerado neste trabalho como um signo totalitário ao produzir a duplicação da autoridade política e jurídica existente nos Estados. Todavia, ao enfatizar que cabe à autoridade estatal promover a defesa do interesse público perante os interesses privados, a teoria republicana pode estar oferecendo uma solução para esse problema.

Dessa forma, a teoria neo-republicana oferece respostas consistentes a vários dos problemas suscitados, principalmente com relação à recuperação do espaço público e da política como uma atividade na qual é possível realizar a ação e a contestação. Deixa, porém, algumas questões pendentes, as quais serão analisadas a seguir.