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CAPÍTULO III O NEO-REPUBLICANISMO E A RETOMADA DO ESPAÇO PÚBLICO:

3.2 O Projeto Político Neo-republicano

3.2.3 A Concepção Neo-republicana do Político

A forma como os neo-republicanos compreendem a política pode ser analisada a partir da distinção estabelecida por Iseult Hohohan333 entre as esferas públicas e privadas, segundo as diferenças existentes entre a definição liberal e a republicana. De acordo com o autor, para os liberais o público é identificado como aquilo que é controlado pelo Estado e o privado é aquilo que não é; para os republicanos, a dimensão mais saliente do público é interesse ou relevância, o que é relevante para todos é essencialmente público. Privado é o interesse de um ou de poucos. Público e privado não são separados em duas esferas, mas em diferentes orientações individuais.

A política é, então, aquela atividade realizada no espaço público, cujos objetivos se voltam para o interesse público, ou seja, para a promoção de ações que possam beneficiar a todos e não apenas promover vantagens particulares. A res publica, como enfatizou Cícero, somente pode assim ser considerada se seus benefícios alcançarem a todos e não apenas alguns334.

A ação e a participação política são meios utilizados para assegurar que o interesse público não sucumbirá ante os interesses privados, todavia não é a própria essência da política republicana. O cerne dessa proposta talvez assente mais na necessidade de existência de instituições fortes do que na ação, pois o republicanismo, historicamente, deposita nas instituições da república a esperança de que o interesse público prevalecerá sobre o privado. Dessa forma, a ação e a participação devem acontecer dentro dos espaços abertos pelas instituições.

Entre as instituições republicanas clássicas é possível encontrar o ideal do império da lei – que pressupõe a limitação do poder político por normas constitucionais –; a separação

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HONOHAN, Iseult. Op.cit., p.158.

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dos poderes, também chamada pela tradição republicana de governo misto, cujo objetivo era promover um controle recíproco entre os poderes da República para evitar sua usurpação; e, ainda, é possível encontrar uma forte exigência de cidadãos virtuosos civilmente, ou seja, capazes de manter uma diligência ativa e cotidiana para que o poder político não vergasse perante a corrupção.

Os direitos e interesses particulares vão sendo resguardados à medida que a República estabeleça leis com esses objetivos. Essa proposta fica evidente quando Maurizio Viroli335 apresenta a diferença entre a construção liberal e a republicana dos direitos do homem. Segundo o autor, para o liberalismo os direitos do homem são concebidos como algo natural, inato e inalienável, ao passo que para o republicanismo – e nessa análise Maurizio Viroli apóia-se em Maquiavel - os direitos do homem são históricos e não naturais, estão sustentados por leis e costumes e, quando nesses dispositivos não encontram amparo, não são mais direitos, mas sim reivindicações ou leis morais. Compreendida dessa forma, verifica-se que somente dentro da república ou da comunidade política é que se pode ter os direitos do homem assegurados336.

Dessa forma, pode-se dizer que a concepção do político republicano – e neo- republicano – é definida como algo cujo objetivo é assegurar o interesse público através de instituições, dentro das quais a virtude cívica e a participação política figuram como meios necessários para se atingir o fim almejado.

Se a democracia republicana está sustentada por instituições que serão responsáveis pela promoção da participação e também pelo acolhimento das contestações, devendo ainda proporcionar a resposta adequada para as reivindicações proferidas, essas instituições jamais podem tornar-se espaços nos quais impera a burocracia.

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VIROLI, Maurizio. Op.cit., p.7.

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Pode-se avaliar a veracidade desse pressuposto republicano, como demonstra Hannah Arendt, quando se analisa a questão dos refugiados e apátridas. Quando o homem deixou de ter a proteção jurídica de um Estado, nenhuma outra lei foi capaz de lhe assegurar seus direitos como Homem.

A burocracia pode ser considerada um dos elementos característicos dos regimes totalitários, visto que nela os indivíduos perdem toda a capacidade de contestação, considerando a sua dificuldade de responder adequadamente aos problemas colocados.

O que assegura às instituições certo distanciamento das estruturas burocráticas é justamente a abertura de canais para a participação, assim como a oferta de respostas adequadas às questões formuladas, ou ainda, a inclusão das reivindicações populares numa pauta oficial para que sejam debatidas. Dessa forma, não são as instituições que se opõem à burocracia, mas sim o fato de que se abre, através das instituições, um espaço para participação. Se não há efetivamente esse espaço, não há oposição, mas sim a confusão de ambas337.

Dentro da República, o uso da força é permitido, desde que autorizado ou previsto por suas leis. Quando a violência é utilizada sem respaldo na legalidade da república, pode-se dizer que se está diante de uma interferência arbitrária, veementemente criticada pelo projeto republicano.

A concepção de política da qual partiu este trabalho, para afirmar que a política cedeu lugar, nas sociedades contemporâneas, à violência, foi a de Hannah Arendt, segundo a qual a política é uma atividade que tem como pressuposto a pluralidade de homens, realiza-se pela convivência entre diferentes com o objetivo de organizarem um mundo comum através da

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Nesse aspecto é interessante a análise de Hannah Arendt sobre a criação de instituições nos períodos posteriores às revoluções. Segundo a autora, durante o período revolucionário, vê-se surgir a forma mais autêntica de exercício do poder político, ou seja, a ação dos homens em concerto. Todavia, após as revoluções a preocupação recai sobre a necessidade de se assegurar a estabilidade ao novo corpo político erigido e então, o poder se perde com a criação de instituições que não mais contemplam a participação e a ação do homem no espaço público. A autora analisa formas alternativas de organização política que surgiram, em diversos países, durante ou após as revoluções – o sistema de conselhos, que pressupunha a auto-organização dos diversos grupos de interesse existentes na república para discutir e elaborar propostas políticas. Todavia, observa que essas formas foram suplantadas e que em seu lugar prevaleceu a burocracia dos partidos políticos e da democracia representativa. A análise de Hannah Arendt faz-se interessante, pois a partir do momento em que as instituições deixam de assegurar canais para participação política, perde-se o espaço de contestação e o que resta é o aparelho burocrático do Estado. Cf. ARENDT, Hannah. Da revolução. Tradução de Fernando Dídimo Vieira. 2.ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1990.

ação e da argumentação338. A partir do momento em que essas características desaparecem do mundo público e nele passa a ser utilizada a força, considera-se que a política sucumbiu diante da violência.

Verifica-se que a compreensão republicana da política difere daquela que deu origem à análise sobre o declínio da política e ascensão da violência ao espaço público. Contudo, estabelece elementos importantes para que a política possa figurar como não violência, ou ainda, para que o político constitua-se como um espaço de ação e de argumentação, mesmo não sendo essa sua meta final.