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CAPÍTULO I OS SIGNOS TOTALITÁRIOS E O DECLÍNIO DA POLÍTICA:

1.2 A Ascensão do Estado de Exceção e a Localização do homo sacer – como pensar um

1.2.2 Ainda é possível pensar a política?

Ao iniciar-se um questionamento sobre a possibilidade de se pensar a política no contexto apresentado é não só uma necessidade como também uma exigência. As reflexões de Hannah Arendt e Giorgio Agamben proporcionam, além de uma descrição de como é e como atua o totalitarismo, uma demonstração de que muitos de seus signos estão ainda presentes nas sociedades de hoje. Assim sendo, quando se toma como características do totalitarismo a eram inocentes mesmo do ponto de vista do partido no poder”. Cf. ARENDT, Hannah.

suspensão de direitos individuais, o aumento do poder e atribuições do executivo, a existência de uma estrutura político-jurídica dual – representada pela perda da soberania do Estado para o mercado de forma que a lei estatal vigora, mas é a do mercado que significa –, se está diante de signos totalitários.

Existem ainda outras características que precisam ser apontadas e analisadas. Hannah Arendt delimitou o espaço do campo de concentração como aquele no qual “tudo é possível” e, a partir dessa definição, o termo tem sido, talvez, o principal signo totalitário que pode ser buscado nas sociedades em questão.

O campo, além do principal símbolo da violência, é ainda um espaço no qual qualquer forma de oposição ou contestação é inexistente, e esse fato é de grande relevância para análise da própria política, pois pode-se afirmar que onde não há espaço para o questionamento, onde todas as regras estão dadas e não podem ser discutidas, mas somente aceitas, também se está diante de um signo totalitário.

Hannah Arendt já havia encontrado, nos regimes totalitários, esse espaço no qual não é possível realizar nenhuma oposição e, ao contrário do que se possa pensar, a autora não estava fazendo referência aos campos – claro que nesses espaços também não há que se falar em possibilidade de oposição –, mas sim à situação na qual se encontravam os indivíduos que haviam sido despojados de seus direitos civis e, por extensão, também dos direitos humanos. Segundo a autora, tal situação levou-os “à privação de um lugar no mundo que torne a opinião significativa e a ação eficaz; assim, esses seres humanos são privados não do seu direito à liberdade, mas do seu direito à ação, não do direito de pensarem o que quiserem, mas do direito de opinarem”130.

A ausência de significação da opinião e de eficácia da ação apresenta-se nos dias de hoje quando se relembra as manifestações que aconteceram em muitos países do mundo, as

quais levaram milhares de pessoas às ruas a protestar contra a invasão norte-americana no Iraque e foram simplesmente desprezadas ou, ainda, quando se ignora o apelo incansável dos ecologistas para que se faça algo pelo meio ambiente antes que não haja mais condições de vida neste planeta.

Trazer à luz os signos totalitários que se encontram presentes nas sociedades de hoje não significa estabelecer que não há mais espaço para a política, mas sim que esse espaço deve ser recuperado, e seu resgate consiste numa forma de oposição aos elementos totalitários da política que têm se alastrado pelo corpo social e político.

A questão que resta é: como pode o animal laborans, habituado às relações de consumo que não lhe exigem pensar ou julgar, participar desse espaço? Como podem indivíduos situados num espaço em que não há mais limites ou referências para o agir tomarem decisões de grande relevância? Como essas pessoas habituadas ao individualismo imposto pela sociedade de consumo atuarão no espaço público com o objetivo de buscar o bem comum?

A resposta é dada por Hannah Arendt, ao analisar a questão da responsabilidade pessoal sob o estado de exceção. Se a sociedade em que se vive hoje apresenta muitas das características das sociedades totalitárias, inclusive aquela referente à dificuldade de pensar e julgar quando se depara com situações que demonstram a ruína dos padrões e normas consideradas moralmente corretas, a análise pode ser a mesma. A autora acredita que em questões morais e políticas não se pode falar em obediência, mas sim em apoio. A atitude correta nas sociedades atuais, diante das barbaridades que se perpetuam, seria a de retirada do apoio.

Dois exemplos recentes ilustram bem essa reação. Um deles ocorreu em Israel em, 2002, quando centenas de reservistas recusaram-se a servir nos territórios ocupados por

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considerarem que não se tratava de uma guerra como outra qualquer, mas o que ali acontecia era a dominação, expulsão e humilhação de um povo, opondo-se às normas estabelecidas pelo Estado de Israel131. O segundo, também em 2002, aconteceu na Venezuela, quando o presidente Hugo Chavez sofreu um golpe de Estado e a população venezuelana saiu às ruas, com a Constituição de seu país às mãos, para exigir que o presidente democraticamente eleito pelo povo retornasse ao cargo. Nesse caso, a capacidade de julgar e pensar está manifestamente caracterizada pois, mesmo quando todas as informações veiculadas na mídia nacional e internacional anunciavam que o regime democrático havia sido restabelecido na Venezuela, a população constatou que não se passava de um golpe132.

Dessa forma, a retirada do apoio ao sistema que está predominando nesta época é fundamental para se resgatar o espaço da política, o espaço da ação. Concluindo com Slavoj Zizek, é impossível, em relação à globalização neoliberal, reunir três características: convicção, inteligência e honestidade. “Quem finge levar a sério a ideologia liberal hegemônica não pode ser ao mesmo tempo inteligente e honesto: ou é estúpido ou um cínico corrompido”133.

Após essas reflexões sobre a política e a sociedade deste tempo, em que vieram à tona problemas e limitações, pretende-se analisar uma proposta específica de retomada do espaço público – a proposta republicana que está sendo colocada novamente em discussão pelo neo- republicanismo – para conferir quais são as respostas oferecidas às questões suscitadas.

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Cf. ZIZEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do real. Tradução de Paulo César Castanheira. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003.

132

Cf. La Revolución no será transmitida. Documentário Produzido por Vitagraph Films e dirigido por Kim Bartley e Donnacha O'Briain.

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