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A correção de erros no ensino da segunda língua

Como vimos acima, dependendo da teoria adotada para explicar a aprendizagem, emanam-se implicações para a sala de aula, assim como posturas epistemológicas em relação ao erro e a seu par adjacente: a cor- reção. Desta forma, como deve se comportar o professor perante o erro do aluno? No modelo da análise contrastiva, o professor deve corrigir o erro procedendo à correção explícita imediata ao oferecer o modelo cor- reto. Na análise de erros e construção criativa, o erro pode ser ignorado já que existe uma ordem natural de aquisição que não será afetada por insumo linguístico. No modelo interacionista, espera-se que o aluno em- preenda movimentos de auto-reparo em direção à língua-alvo. Das per-

guntas iniciais do final da década de 1970 – O que corrigir? Quando corrigir? Como corrigir? Quem deve corrigir? (HENDRICKSON, 1978) – para demarcar a influência do tratamento corretivo do erro, tem-se hoje uma compreensão mais elaborada do papel da correção de erro em vista de resultados de pesquisas.

De acordo com Freudenberguer e Lima (2006, p. 121), em recente artigo que examina a prática corretiva, houve apenas um único momen- to em que muitos professores deixaram de corrigir o erro em sala de aula. Isso se deveu à tentativa de aproximar o contexto instrucional aos ambientes cotidianos de comunicação com base na teoria de Krashen (1981) que defendia que apenas o insumo compreensível seria suficiente para a aquisição da segunda língua. Acrescentaria também que, simul- taneamente, a abordagem comunicativa, buscando enfatizar o sentido e não a forma, era um forte apelo, por estabelecer uma noção mais rea- lista de competência comunicativa em oposição à noção clássica de com- petência linguística (CHOMSKY, 1965) altamente teórica e idealizada. No entanto, vale lembrar que, segundo Chaudron (1988, p.153), o que ocorria era que mais do que deixar de corrigir, o que os professores fazi- am era corrigir aleatoriamente: ora eles corrigiam, ora não corrigiam. Além disso, o que corrigiam e o modo de corrigir variavam. O autor ar- gumentou que o principal “erro” que os professores cometiam era pres- supor que o que ocorre como correção na sala de aula correspondia auto- maticamente a uma ação de aprendizagem por parte do aluno.

Entretanto, como sabemos, não demorou muito para que os pes- quisadores descobrissem as consequências de uma abordagem comuni- cativa radical, demonstrando que, embora fluentes, a fluência dos alu- nos era prejudicada em razão da falta de exatidão linguística. O modelo interacionista que já havia demonstrado que alguns tipos de feedback levam o aprendiz a reformular o seu enunciado a princípio incompreen- sível, levou alguns pesquisadores a investigar o papel do tratamento cor- retivo integrado ao contexto comunicativo de ensino e aprendizagem.

Surgia o modelo com foco na forma cuja orientação é ensinar pensando no sentido, sem, contudo, deixar de prestar atenção à forma e ao con- texto 1 3 . Dessa maneira foi possível descobrir entre os diferentes tipos de movimentos corretivos que decorriam dos erros, quais os tipos de prá- tica corretiva a auxiliar o desestabilizar das formas linguísticas incorre- tas ou inadequadas.

No artigo de Freudenberguer e Lima (2006), em que as autoras examinam a prática corretiva de uma professora em sala de aula de uma turma de Letras (Inglês) na perspectiva sociointeracional vygotskyiana14 , elas reportam que a estratégia corretiva mais produtiva para desestabilizar o erro do aluno é o uso de recasts (feedback negativo implí- cito) por propiciar a auto-correção. Todavia, as autoras alertam, apoian- do-se em Nicholas, Lightbown e Spada (2001), que o estágio de desen- volvimento do aprendiz, a área da língua a ser tratada e o item linguístico específico são fatores de influência.

Os estudos focalizando provimento de feedback corretivo interacional foram realizados em ambientes experimentais como tam- bém no contexto natural da sala de aula, que passa a ser vista como comunidade de prática em que a aprendizagem ocorre durante o desen- rolar de atividades comunicativas contextualizadas. Freudenberguer e Lima (2006, p. 125), alinhando-se com Donato (1994), argumentam que, nesse caso, “o principal foco de investigação é observar a co-construção do conhecimento que leva à mudança linguística, uma vez que a mu- dança é determinada pelo contexto da interação”. As autoras, no entan- to, distinguem que professor e aprendizes possuem papéis institucionais que influenciam as regras interacionais de modo diferente da conversa informal. Acrescentam que ao professor, por ser especialista no assunto, cabe estruturar as práticas instrucionais realizadas. Também, cabe ao professor oferecer algum tipo de feedback após cada produção do apren- diz conforme a sequência iniciação, resposta e avaliação (IRA).

Na perspectiva sociocultural, corrigir erros seria então na visão de Freudenberguer e Lima (2006, p.126) uma “atividade social de participa- ção conjunta e negociações significativas entre professor e alunos”. Apoi- ando-se em Nassaji e Swain (2000, p. 35-36), as autoras defendem que a eficácia do feedback corretivo interacional deve ser observado nos tipos de negociação que se desenvolvem em torno da correção de erros. Argu- mentam que mesmo quando a professora buscou chamar a atenção dos alunos para a forma linguística de modo explícito, quando o fazia, incor- porava os enunciados de contribuição dos alunos na sua própria explica- ção recontextualizando-os. Ela também forneceu um modelo de língua para os alunos, porém relacionando-o ao conhecimento prévio dos alu- nos. Em outras palavras, nesse contexto, por meio do diálogo ao fornecer

feedback, a professora pode abrir um espaço, de co-construção do conhe-

cimento da língua-alvo. As autoras veem um papel promissor para a correção de erros linguísticos, se o professor “incorporar o enunciado do aprendiz no discurso de sala de aula ou ao conhecimento de língua construído anteriormente” (FREUDENBERGUER; LIMA, 2006, p. 126). Essa visão de tratamento corretivo, embora signifique, por um lado, um avanço na visão de erro na área, por partir da premissa de que o conhecimento é co-construído socialmente e que o feedback corretivo for- necido dentro da zona de desenvolvimento proximal (ZDP15) do apren- diz é mais bem sucedido do que o feedback aleatório, por outro, poder-se- ia questionar se para os alunos há realmente suspensão das regras sociais em torno do jogo da face quando eles se sentem corrigidos ou recebem/ obtém feedback, seja explícita ou implicitamente. Muitas vezes, observo que alguns alunos pedem com insistência para o professor corrigir seus erros, não em situações de evento público na sala de aula, mas em suas atividades individuais. No entanto, mesmo nesse caso, percebe-se certo desconforto.

Em um outro artigo (ASSIS-PETERSON, 2005), relato a experiên- cia em torno do meu sotaque na língua inglesa e das dificuldades que as

pessoas têm para aceitar a linguagem que não seja aquela que desejam ouvir (tal qual um professor de língua na sala de aula resistente à língua do aluno por pressupor que ela não se enquadra em um modelo a ser atingido). Argumento que a crença de que existe um inglês ideal expõe um dos mitos no ensino de inglês (por um tempo talvez mais do que o necessário): o apego à correção linguística numa vigília incansável em busca do inglês nativo. Além do português perfeito, devemos falar tam- bém o inglês perfeito.

O que estou querendo dizer é que apesar das boas intenções dos modelos interacionistas aqui examinados em busca do ligamento do soci- al com o cognitivo, penso que, se continuarmos a investir no binômio erro- correção, como constituído de componentes intrínsecos e interdependentes da sala de aula, corre-se o risco de não efetuarmos plenamente a adesão ao desejado segundo paradigma, justamente, pela visão utópica do purismo da língua a perpassar ainda a visão do par erro-correção. Na visão purista, a língua se confunde com a norma padrão ou com o modelo ideal do fa- lante nativo e tudo que escapa ao conjunto das prescrições é considerado erro, desvio, formas sem direito à existência. Nessa visão, a noção de com- petência comunicativa, proposta há décadas por Hymes (1971,1974), em prol de uma “linguística socialmente constituída”, continuará esquecida por não atribuirmos o status de “comunidade de fala” à sala de aula. Na esteira de Block (2003, p. 64), significa adotar uma visão de competência comunicativa mais abrangente, ou seja,

[...] mostrar uma preocupação não só com a comunicação referencial a serviço da troca de informação, mas também com a comunicação interacional e interpessoal a serviço da cons- trução social da identidade, afiliação ao grupo, solidariedade, apoio, confiança etc.

Como teóricos sociais asseveram, as subjetividades são incertas, contraditórias e em fluxo, reconstituídas continuamente no discurso no

momento em que pensamos ou falamos. A subjetividade e sua relação com o mundo não pode, portanto, ser ignorada na sala de aula, pois significaria deixar de lado o “mundo da vida” (lifeworld) de que nos fala Mishler (1984) nas suas análises, visando às diferenças de padrões interacionais e comunicativos entre médico e paciente ao contrapor o conhecimento de senso comum do paciente ao conhecimento científico do médico.

Além dos olhos/ouvidos exigentes, cercando a pronúncia e o acen- to, à forma linguística podem se juntar outros olhos/ouvidos desconfia- dos demarcando a natureza da identidade do indivíduo, desqualificando- o como pessoa. No artigo mencionado acima, relato que o fato de ser professora de inglês levou colegas, principalmente das áreas de literatura e língua materna, a me atribuírem a pecha de ingênua, alienada, apolítica, acrítica, um ser colonizado, agente do imperialismo americano. Tento com isso dizer que o apego à crença de que o erro do outro deve ou pode ser “corrigido”, mesmo que implicitamente no decorrer de ações comuni- cativas, perigosamente se alia à correção ideológica, sem dúvida, um tipo de correção indesejável que coloca a identidade do falante em risco.

Na seção abaixo, apresento as metamensagens que infiro de um cartaz, ostensivamente exposto em frente de uma loja de roupas de um shopping da cidade de Cuiabá onde moro. Busco explicitar as ideologias de língua em jogo na ação corretiva da proprietária da loja envolvendo o termo hype em inglês, o segundo nome da loja, denominada de “Espaço