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2.1 BREVE HISTÓRICO

2.2.1 A corrente Chayanoviana

A abordagem chayanoviana discutida no Brasil tem como os dois maiores expoentes Veiga e Abramovay, os quais centram suas analises nas instituições, inovações e sustentabilidade, na qual o protagonismo do agricultor familiar advém: (i) da sua capacidade empreendedora e inovadora, que garante a sua diversificação produtiva e social; (ii) das instituições formadas no meio rural, com destaque a constituição do Capital Social. (KAGEYAMA,2008)

Dentro deste corpo teórico, Veiga et al (2001) coloca que no país existem dois projetos para o campo: o agronegócio, que visa maximizar a competitividade, defendido pela Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), Associação Brasileira de Agronegócio (ABAG), EMBRAPA e com apoio do Ministério da Agricultura. Segundo seus seguidores não há espaço para a agricultura tradicional no meio rural, sendo a sua saída do campo um movimento inexorável; e a agricultura familiar, que objetiva a diversificação, sendo representada pelas Federações dos Trabalhadores na Agricultura e apoiada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário com o objetivo de “maximizar as oportunidades de desenvolvimento humano em todas as mesorregiões do imenso território brasileiro...”. (VEIGA, 2001)

A partir deste ponto o autor cria uma dialética entre especialização (agronegócio) x diversificação (agricultura familiar), na qual propõe que a forma de organização da agricultura familiar, baseada na diversificação das atividades rurais, agrícolas ou não, pode maximizar o

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desenvolvimento humano das regiões rurais. Deste modo, coloca o protagonismo do desenvolvimento rural na agricultura familiar, dando destaque para este modo de fazer agricultura e para a sustentabilidade ambiental que é uma das principais vantagens competitivas do nosso século.

Diante dessa perspectiva, a diversificação se torna a palavra chave, na medida em que possibilita a redução do risco e o aumento de renda, e favorece a pluriatividade no meio rural brasileiro. Segundo Schneider (2007), a pluriatividade é também uma consequência da industrialização difusa, bem como do avanço das terceirizações e da dispersão da indústria pelo interior, que garante a oferta dos serviços econômicos e sociais por vezes tão escassos no meio rural brasileiro.

Além da geração de renda em outros setores, a diversificação garante um maior número de ocupações na agricultura familiar moderna comparativamente à especialização. Pesquisas mostram que as culturas tradicionais do agronegócio (soja, milho e cana-de-açúcar) geram apenas em média 7 equivalentes-homens-ano, a agricultura familiar diversificada gera em média 36 equivalentes-homens-ano, tendo um nível de empregabilidade de mão-de-obra aproximadamente cinco vezes maior do que o agronegócio.

Do ponto de vista metodológico a estratégia da diversificação frente à especialização, posta pelo agronegócio, também apresenta vantagem por trazer a abordagem territorial que permite integrar o desenvolvimento agrícola com o dos outros setores da economia, gerando efeitos a jusante e a montante na economia. Já a especialização trata apenas de forma setorial, implicando em última instância a atividade do agronegócio com pouca ou nenhuma relação com outros setores da economia local.

Contudo Veiga (2001) et al argumentam que apesar da agricultura familiar ser um dos principais atores do meio rural brasileiro, apenas após a redemocratização do Brasil esta ganhou alguma importância. Os governos a partir de então traçaram estratégias ambivalentes dentro do Ministério da Agricultura, exceto Collor que considerou apenas o projeto do agronegócio dentro de uma perspectiva neoliberal. A ambivalência das estratégias teve como marco institucional o governo de Fernando Henrique Cardoso que manteve dois ministérios para tratar do Brasil rural: o Ministério de Desenvolvimento Agrário, criado na gestão Fernando Henrique Cardoso, para a agricultura familiar, e o antigo Ministério da Agricultura para cuidar do Agronegócio e da agricultura patronal.

Os contrastes do meio rural em termos de políticas e ações se deu devido a duas ficções sobre o meio rural brasileiro: uma estatística e outra histórica. A ficção estatística se deve à metodologia do IBGE em delimitar as áreas rurais e urbanas no Brasil: o Decreto-Lei

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311 de 1938, do Estado Novo, que vem sendo utilizado até os dias atuais para delimitar o Brasil Rural, apresenta uma área rural muito menor quando comparada com a delimitação utilizando os critérios da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

De acordo com os critérios utilizados pelo IBGE, toda sede municipal, independente do tamanho da população é considerada área urbana. Por esta razão existem no Brasil cidades com menos de um mil habitantes, considerados como área urbana, quando de fato são rurais. Para a OCDE os municípios só são considerados urbanos, se possuírem uma densidade demográfica acima de 150 habitantes por quilômetro quadrado. A consequência imediata dessa diferença metodológica é que o Brasil Rural aparece pequeno, e desse modo o peso político dele e de seus atores (incluindo a agricultura familiar) tornam-se irrisórios para fins de políticas públicas.

A segunda ficção é histórica e está carregada de “ideologias” que ainda reconhecem o Brasil como um país subdesenvolvido por que tem ainda a agropecuária como um setor importante para a economia, e que o meio rural e a agropecuária são claramente indissociáveis, sendo que o que se denomina por rural vai muito além do agropecuário. Para contestar isso Veiga et al (2001) trazem uma série de dados que mostram que o setor primário não condiciona uma economia ser subdesenvolvida nem tão pouco que a agricultura é o setor principal do meio rural, ou em última instância único da economia rural.

Diante dessas duas ficções, o autor chega a duas conclusões fundamentais: que o declínio da agropecuária não é sinônimo da completa urbanização, já que os setores que mais crescem no meio rural são o secundário e terciário; e que as regiões rurais que tiverem maior capacidade de diversificarem as suas economias tendo como eixo a produção agrícola familiar moderna, mais dinâmica se tornarão.

Baseado na economia industrial, Veiga et al (2001) utilizam um trio de vantagens para reforçar a ideia da dinâmica da diversificação para a economia rural. Tais vantagens, conhecidas na literatura como economia de escala5, economia de escopo6, e redução de custo de transação7, se utilizadas de forma inteligente, trarão efeitos positivos em toda economia. Para esses autores, esses mesmos fatores foram responsáveis pela descentralização e diversificação da industrialização, contudo também poderiam ser aplicados para regiões.

5 Permitem redução do custo unitário a medida em que há um amento na quantidade produzida. 6 Permitem que um mesmo esquema operacional passe a produzir ou distribuir mais mercadorias.

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Portanto, a agricultura familiar não apenas diversifica mais a sua produção, em relação ao agronegócio, como também é a que gera mais ocupação, como foi analisado em parágrafos anteriores. Esta hipótese, que já foi comprovada por uma série de fatores, permitiu construir o quadro comparativo apresentado a seguir, mostra de forma clara o modo patronal e familiar de fazer agricultura e gerir a propriedade.

Quadro 1- Comparativo das características organizacionais do empreendimento

patronal e familiar

Patronal Familiar

Completa separação entre gestão e trabalho. Trabalho e gestão intimamente relacionados.

Organização Centralizada. Direção do processo produtivo diretamente assegurada pelos proprietários ou

arrendatários.

Ênfase na especialização. Ênfase na diversificação.

Ênfase nas práticas padronizáveis. Ênfase na durabilidade dos recursos e na qualidade de vida.

Predomínio do trabalho assalariado. Trabalho assalariado complementar. Tecnologias dirigidas à eliminação das

decisões "de terreno" e "de momento".

Decisões imediatas, adequadas ao alto grau de imprevisibilidade do processo produtivo.

Fonte: Extraído de Veiga et al(2001)

Logo Veiga et al (2001) colocam que o futuro das regiões rurais dinâmicas será a diversificação da sua economia, fundamentada no modo de produção familiar moderno (utilizando de forma sistêmica o trio: economia de escala, economia de escopo e redução de custo de transação), inserindo atributos territoriais às suas mercadorias, se beneficiando dos recursos naturais e humanos presentes no território.

No entanto, o desafio da agenda de desenvolvimento das regiões rurais é duplo: diversificar sem gerar economias de enclave, e ao mesmo tempo, se utilizar de forma inteligente e sustentável dos recursos naturais e humanos existentes no território.

Por fim, Veiga et al (2001) apud Echeveria (2001) colocam que uma política de desenvolvimento rural pode ser sintetizada em três pilares: i) crescimento do setor agrícola; ii) sustentabilidade e conservação dos recursos naturais; e, iii) crescimento das atividades rurais não-agrícolas.

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Outro autor que se utiliza de elementos de inspiração chayanoviana, mas sofistica sua abordagem a partir da incorporação das ideias de Putnam , Abramovay (2000) mostra de forma mais incisiva a importância de dois elementos para o desenvolvimento rural: que ele seja pensado a partir do território (e não do setor agropecuário como é geralmente), ou seja, tratar o rural como espaço e não apenas como setor econômico)e do capital social8. O projeto de desenvolvimento rural deve ser construído a partir do protagonismo das populações rurais, essencialmente a agricultura familiar.

O papel do capital social dentro da abordagem do autor é algo essencial para explicar o desenvolvimento rural, já que este tipo de capital pode gerar dois efeitos distintos e complementares: 1) a formação de clusters, que se constituiriam num ambiente inovador com vantagens a todos os participantes, substituindo a estratégia individual neoclássica pela coletiva dos atores do território; 2) a cooperação entre os atores econômicos, como é o caso da formação de consórcio entre os municípios de um mesmo território, o que possibilita a implementação de políticas de forma integrada e articulada em um dado território.

Por utilizar o conceito de Capital Social de fundamentação de Putnam, Abramovay (2000) foge da dialética urbano x rural, como é bastante discutida em Veiga et al (2001), usando o conceito de território, sendo utilizado como espaço de multiplicidade dentro da unidade territorial, onde á integração e continuidade do espaço urbano e rural que é são importantes.

No entanto, a importância do território na perspectiva de Abramovay (2000) vai além da abordagem tradicional de apenas uma plataforma para implementação de políticas públicas, ou seja, uma plataforma neutra. O território, para este autor, é uma construção social com raízes históricas, econômicas, sociais, ambientais e culturais inerentes a ele.

No entanto, o principal aspecto da abordagem territorial presente no seu texto, é a utilização de elementos da economia industrial para explicar as suas vantagens. Elementos como redes, meios inovadores, efeitos de proximidades, ambiente inovador, ativos específicos, aprendizado, dentre outros, explicam as vantagens de utilizar o território como estratégia de desenvolvimento.

Tais explicações são reforçadas pelas experiências da Terceira Itália e Vale do Silício, apesar de acontecerem em realidades históricas específicas de cada local, é perceptível a existência de um caminho de dependência (o path dependence), onde pode fazer uma analise que vislumbrar-se uma organização social dos agentes nas duas experiências, isto é, o capital

8 -“...características de organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas”(PUTNAM,2002).

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social, que foi de suma importância para a realização dessas experiências. E neste aspecto as duas podem servir como marco empírico, a partir da análise do Capital Social.