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A Cotidianidade, o Consumo e a Influência dos Meios de Comunicação de Massa

3.1.8.1 A Mudança na Estrutura Produtiva.

4 AS ASSOCIAÇÕES DE CONSUMIDORES E O SUBSISTEMA DO CONSUMO

4.4 AS EXPRESSÕES DA SOCIEDADE DE CONSUMO

4.4.1 A Cotidianidade, o Consumo e a Influência dos Meios de Comunicação de Massa

Como exposto na primeira parte do trabalho, Habermas aponta o mundo-da-vida como o horizonte não tematicamente dado, não problematizado, não questionado, que serve de “pano de fundo” para a ação comunicativa.

A vida cotidiana é também o lugar do consumo, pois não se apresenta apenas como a soma dos fatos e gestos diários, a dimensão da banalidade e da repetição: é um sistema de interpretação.

Ainda sob a égide da teoria de Habermas sobre a formação de subsistemas autônomos em relação ao mundo-da-vida, pode-se afirmar que a cotidianidade do consumo constitui uma dissociação de uma práxis total, numa esfera transcendente, autônoma e abstrata do político, do social e do jurídico, abstraída do privado.

O indivíduo reorganiza o trabalho, o lazer, a família, as relações de modo involuído, aquém do mundo e da história57, num sistema coerente, fundado no segredo privado, na liberdade formal do indivíduo, na apropriação protetora do ambiente e no desconhecimento.

A cotidianidade possui duas faces: é pobre e residual, se vista do prisma da totalidade; mas é eufórica e triunfante no esforço de automatização total e de reinterpretação do mundo para uso interno. Pela ambivalência da cotidianidade é que se forma o conluio entre a esfera privada e os meios de comunicações de massa.

A cotidianidade como enclausuramento seria insuportável sem o simulacro do mundo; sem o álibi de uma participação no mundo. O consumidor tem necessidade de se abastecer das imagens e dos signos multiplicados, da vertigem da realidade e da história. A sua tranqüilidade para se exaltar precisa de perpétua violência consumida, em uma gula de acontecimentos violentos, contanto que lhes sejam servidos em casa.

O consumidor moderno vive em conflito entre o novo estilo hedonista e a moral puritana (na discussão de Bell58, “ser um puritano de dia e um playboy de noite”), entre os

57 HOBSBAWN, Eric J. Era dos Extremos: O breve século XX 1914-1991. Trad. Marcos Santarrita. 2. ed. 26ª

valores pequeno-burgueses do thatcherismo (trabalho árduo e disciplinado e da poupança) e o jogo da exploração emocional narcísica; entre a passividade que implica novo sistema de valores e as normas de uma moral social que, quanto ao essencial, permanece a do voluntarismo, da ação, da eficácia e do sacrifício. Para resolver isso, os mass media propõem que a tranqüilidade da esfera privada apareça como um valor disputado, constantemente ameaçado, rodeado por um destino de catástrofe. É necessário, pois, que a sociedade de consumo seja uma “Jerusalém” rodeada de muralhas, rica e ameaçada.

Conforme fica patente, o consumo dos objetos processa-se como código de signos de forma ambivalente, tendo como função esconjurar no duplo sentido do termo: fazer surgir para captar os signos (as forças, o real, a felicidade) e evocar este código para os negar e recalcar.

Calcada na comunicação de massa, a sociedade de consumo acolhe toda a informação política, histórica e cultural, de forma anódina e mágica. A comunicação de massa não fornece a realidade, mas a vertigem da realidade.

O homo oeconomicus vive sobre o abrigo dos signos e na recusa do real, buscando uma segurança miraculosa, derivada da distância do mundo, de forma que a relação do consumidor com mundo real, a política, a história, a cultura, não é a do interesse, do investimento, da responsabilidade empunhada, nem a da indiferença total, mas sim a da curiosidade. Portanto, a dimensão do consumo não é a do conhecimento do mundo, nem a da ignorância completa, é a da alienação.

A prática das comunicações de massa encerra a curiosidade e o conhecimento em um só e mesmo comportamento global a respeito do real. Há a recusa do real e a apreensão ávida e multiplicada dos signos.

58 FEATHESTONE, 1995, op. cit. p. 41.

A era digital, inaugurada e aperfeiçoada pela criação e desenvolvimento do computador, e pela panóplia de objetos da tecnologia (celulares, pagers, eletrodomésticos) cuida de eliminar o que resta de reflexão, automatizando as condutas, através do processo de perguntas e respostas imediatas – num procedimento de estímulo e resposta – um behavorismo social.

Surge uma combinação de signos e referências, de reminiscências escolares e signos intelectuais de moda, a qual se dá o nome de cultura de massas ou Menor Cultura Comum – M.C.C. 59 e que estabelece a menor panóplia comum de objetos e respostas justas para que o

indivíduo médio obtenha o título de cidadão da sociedade de consumo, a patente de cidadania cultural.

A importância dessa compreensão deriva da percepção de que o behavorismo da cultura de massas penetra na relação de consumo, pois o consumidor encontra-se perpetuamente intimado a responder aos estímulos – gostos, preferências, necessidades, publicidade etc.

Há um jogo. O consumidor participa do mesmo, respondendo a perguntas que nunca se referem à utilidade do objeto, mas são indiretas, conduzindo-o a sonhar, a relativizar, a incorporar o conjunto de signos do sistema de consumo (commodity sign).60

Ao lado da metáfora do Panóptico desenvolvida por Foucault61, a partir do projeto abandonado por Jeremy Bentham, surge segundo Mathiesen apud Bauman62 outro mecanismo de poder, denominado de Sinóptico, lastreado na crescente ascensão dos meios de comunicação de massa, sobretudo da televisão. O sinóptico é, por sua natureza, global. Enquanto o Panóptico obrigava as pessoas a permanecerem em posições que poderiam ser

59 BAUDRILLARD, 1995. op. cit. p.107.

60BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 39. (Ciências sociais passo- a-passo, 49)

61 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 24. ed. Trad. Lígia M . Pondé Vassalo.

Petrópolis(RJ): Vozes, 2001.

vigiadas, através da coerção, o Sinóptico seduz as pessoas à vigilância. Muitos observam poucos. Para o Sinóptico não importa que os indivíduos deixem agora de ser os vigiados, passem a vigilantes, se movam ou fiquem parados, pois onde quer que eles estejam se ligam na rede extraterritorial onde muitos observam poucos. Os poucos observados são as celebridades, sempre ressaltando o estilo de vida delas. Em suma, no Sinóptico, os locais observam os globais.

A autoridade do Sinóptico decorre do seu próprio distanciamento dos locais, pois os globais não são necessariamente deste mundo, são sublimes e ao mesmo tempo mundanos, infinitamente superiores, mas dando exemplos para todos os inferiores, numa palavra exercem uma “realeza que guia em vez de mandar”.63