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CAPÍTULO 1 – CRÍTICAS FILOSÓFICAS À RACIONALIDADE MODERNA E

1.5 DA CRÍTICA DA CIÊNCIA RACIONALISTA ÀS CRÍTICAS RADICAIS DO

1.5.5 A crítica pós-modernista e a discussão marxista do capitalismo: o ponto de

As teorias elaboradas por David Harvey, a partir da avaliação crítica da pós- modernidade como condição histórica, a transformação político-econômica do capitalismo do final do século XX e a crise do materialismo histórico destacaram-se nos debates do autor, no final da década de 1980. Com foco para a cultura contemporânea, mas teorizando sobre a passagem da modernidade à pós- modernidade, o autor fundamentou seu pensamento crítico nas teorias de base marxista e na crítica da sociedade capitalista. A lógica transformativa e especulativa do capital, tempo e espaço como fontes de poder social e como projeto do iluminismo, bem como a compressão do tempo-espaço, a ascensão do modernismo

como força cultural e o pós-modernismo na cidade foram temas marcantes em sua obra Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural41.

Nessa obra Harvey (2012, p. 335-348) apresentou em trezentas e quarenta e oito páginas, incluindo referências, índice onomástico e índice de assuntos, uma abordagem teórica fundamentada em um conjunto diversificado de 358 referências de autores e 231 temas (assuntos). Primeiramente, o autor analisou o período “da passagem da modernidade à pós-modernidade na cultura contemporânea”, fazendo alusão aos temas determinantes do debate nos grupos sociais e acadêmicos. Conduziu suas críticas às definições de modernidade, modernismo e pós- modernismo; arquitetura e projeto urbano na cidade do pós-modernismo; processo de modernização. Sua argumentação constituiu-se como um sistema analítico- descritivo cuja problemática conduziu-se à reflexão sobre a incerteza das convicções de diversos autores que divulgavam ideias hegemônicas a respeito do pós- modernismo. Buscou-se, assim, compreender os fundamentos históricos para sua pesquisa sobre as “origens da mudança cultural”.

Harvey (2012, p. 7) apresentou a tese de que vinha ocorrendo “uma mudança abissal nas práticas culturais, bem como político-econômicas, desde mais ou menos 1972”. Essa mudança abissal estava vinculada, conforme analisou esse autor, à emergência de novas maneiras dominantes pelas quais experimentamos o tempo e o espaço. Embora a simultaneidade nas dimensões mutantes do tempo e do espaço não seja prova de conexão necessária ou causal, podem-se aduzir bases a priori em favor da proposição de que há algum tipo de relação necessária entre a ascensão de formas culturais pós-modernas.

Na visão de Harvey (2012, p. 7), a emergência de modos mais flexíveis de acumulação do capital e um novo ciclo de “compressão do tempo-espaço” na organização do capitalismo Mas essas mudanças, quando confrontadas com as regras básicas de acumulação capitalista, mostram-se mais como transformações da aparência superficial do que como sinais do surgimento de alguma sociedade pós- capitalista ou mesmo pós-industrial inteiramente nova (HARVEY, 2012, p. 7).

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41 O título original da obra de David Harvey é “The condition of postmodernity: an enquiry into the origins

of cultural change” e foi publicada em 1989, por Basil Blackwell Ldt. 108 Cowley Road. Oxford OX4 IJF, UK. A obra consultada, na versão portuguesa “Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural”, 23ª edição, Traduzida por Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves, foi publicada em 2012, por Edições Loyola Jesuítas, São Paulo, Brasil. As próximas referências utilizadas, com suas respectivas páginas serão da obra consultada e publicada em 2012.

No contexto histórico-geográfico da época, o termo pós-modernismo tinha um “encanto de modismo”, entretanto o clamor dos argumentos pós-modernos aumentava com o tempo, conforme avaliou Harvey (2012, p. 9). Segundo esse autor, uma vez vinculado com o “pós-estruturalismo, com o pós-industrialismo e com um arsenal de outras novas ideias”, o pós-modernismo dava a impressão de uma poderosa configuração de novos sentimentos e pensamentos. Parecia estar a caminho de desempenhar um papel crucial na definição da trajetória do desenvolvimento social e político apenas em virtude da maneira como definia padrões de crítica social e de prática política, determinando os padrões do debate, definindo o modo do “discurso” e estabelecendo parâmetros para a crítica cultural, política e intelectual (HARVEY, 2012, p. 9).

Para Harvey (2012, p. 9) “seria apropriado investigar mais profundamente a natureza do pós-modernismo, não tanto como um conjunto de ideias quanto uma condição histórica que requeria elucidação”. Ao fazer um levantamento das ideias dominantes e ao perceber que “o pós-modernismo mostrava-se um campo minado de noções conflitantes”, o autor examinou “de modo simplificado, os fundamentos político-econômicos”. Esclareceu, ainda que, apesar dos sinais da época, demonstrarem que a “hegemonia cultural do pós-modernismo estava perdendo a força no Ocidente”, muito se poderia “aprender com uma pesquisa histórica das raízes do que tem sido uma desestabilizadora fase do desenvolvimento econômico, político e cultural”. Nesse sentido, explorou com mais profundidade “a experiência do espaço e do tempo como um vínculo mediador singularmente importante entre o dinamismo do desenvolvimento histórico-geográfico do capitalismo e complexos processos de produção cultural e transformação ideológica” (HARVEY, 2012, p. 9).

Da obra Spaces of Capital: Towards a Critical Geography, primeira edição inglesa, publicada em 2001, textos selecionados, chegaram ao Brasil, reunidos e publicados no livro A produção capitalista do espaço, em 2005. No prefácio, da primeira edição inglesa, reeditado na versão portuguesa, David Harvey (2005, p. 10- 11) justificou que “parecia importante se ocupar com Marx por duas razões instigantes”:

Em primeiro lugar, para entender porque essa doutrina, tão denegrida e menosprezada nos círculos oficiais do mundo de fala inglesa, podia ter um

apelo tão grande entre aqueles que lutavam ativamente pela emancipação42 em todas as outras partes; em segundo lugar, para verificar se uma leitura de Marx poderia ajudar a estabelecer uma teoria crítica da sociedade, para abarcar e interpretar os conflitos sociais que culminaram com o alto drama político (aproximando-se da revolução cultural e política) desenrolado entre os anos críticos de 1967 e 1973. [...] No final da década de 1960, parte do movimento radical associado à geografia se dedicava a revitalizar a tradição anarquista, enquanto geógrafos simpatizantes dos movimentos revolucionários antiimperialistas e de libertação nacional escreviam de um modo mais diretamente materialista histórico e empírico, e evitavam as abstrações marxistas. Os geógrafos radicais procuravam, contudo, não apenas preservar essa tradição (diante da violenta oposição), mas também, como por meio da Antipode (uma publicação dedicada à geografia radical, criada em 1968), procuravam justificá-la, valendo-se dos textos de Marx e Engels, Lenin, Rosa Luxemburgo, Lukacs etc. (HARVEY, 2005, p. 10-11).

De acordo com Harvey (2005, p. 11), “do ponto de vista marxista, havia bem poucos textos sobre a geografia da acumulação de capital e sobre a produção desigual do espaço e de desenvolvimento geográfico”. Ainda que Marx tivesse prometido um volume de O capital dedicado à formação do Estado e do mercado mundial, nunca concluiu seu projeto. Portanto, como afirmou, “começou a fazer uma leitura abrangente de todos os seus textos, para verificar o que ele teria dito sobre esses assuntos se tivesse vivido para completar sua argumentação” (Harvey, 2005, p. 11).

Nesse sentido, como esclareceu, realizou a leitura tratando as afirmações de Marx como “propostas experimentais e ideias inacabadas, que precisam ser consolidadas numa forma teórica de argumentação mais consistente, que respeita o espírito dialético e não as sutilezas verbais dos seus estudos, notas e cartas, grandemente inéditas” (HARVEY, 2005, p. 11). Ao fazer a leitura dessa forma, Harvey (2005, p. 11) afirmou que encontrou, em Marx, “uma base fértil para uma série completa de estudos subsequentes, assim como livros posteriores, como The Limits to Capital [Os limites do capital] (1982), The Condition of Postmodernity [Condição Pós-moderna] (1989) e Spaces of Hope [Espaços da esperança] (2000)”. No entanto, como afirmou o autor:

O aprendizado do método de Marx também abriu diversos outros caminhos para o trabalho intelectual e para o comentário político sobre assuntos tão diversos quanto a natureza politicamente controversa dos conhecimentos geográficos, das questões ambientais, dos desenvolvimentos político- econômicos locais e da relação geral entre o conhecimento geográfico e a

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42 Na argumentação de Harvey, é possível dizer que esse autor supõe que as pessoas que abraçam

o marxismo são aquelas que “lutam por emancipação”, como se teóricos não marxistas não tivessem preocupação ou interesse por questões sociais ou por liberdade.

teoria social e política. Um campo completo de grande interesse emergiu para entender os usos dos conhecimentos geográficos (de qualquer maneira que fossem definidos) pelo poder político. Em paralelo, isso revelou a necessidade premente de definir uma geografia crítica (e uma teoria urbana crítica), que pudesse “desconstruir” (para usar o jargão em vigor) o modo como determinados tipos de conhecimento, aparentemente “neutros”, “naturais” ou até “óbvios”, eram capazes de serem, de fato, meios instrumentais de preservação do poder político (HARVEY, 2005, p. 11-12).

Harvey (2005, p. 12) tornou explícito que, durante seus 30 anos43 de trabalho sobre esses assuntos, ele teve a “felicidade de estar ligado a diversos estudiosos e ativistas que se arriscavam muito para desenvolver pontos de vista alternativos em relação aos subterfúgios tecnocráticos padrão – chegando às raias da apologética capitalista –, que dominam largamente a geografia e as ciências sociais”. Ao expressar essas ideias, Harvey, ao finalizar seu texto de abertura da obra A produção capitalista do espaço fazendo referência aos estudiosos e ativistas, citou o “antigo e companheiro Jim Blaut”, cuja “morte prematura”, o levou “a dedicar este livro à sua memória” (HARVEY, 2005, p. 12).

Harvey (2005, p. 12) fez referência ainda ao livro de Jim Blaut intitulado Eight Eurocentric Historians [Oito historiadores eurocêntricos] como “um exemplo corajoso do tipo de trabalho crítico salutar”. Após essas palavras, tornou pública a sua expectativa em relação à geografia crítica e à sociedade:

É minha expectativa fervorosa que as brasas que ardem brilhantemente na obra de Jim, bem como – assim espero – em minha própria obra, possam ser usadas pela geração mais jovem para inflamar o fogo da geografia crítica, que continuará ardendo até termos construído uma sociedade mais justa, mais equitativa, e mais ecologicamente sadia e aberta do que aquela que vivemos até agora (HARVEY, 2005, p. 12).

É indiscutível a posição revelada desse autor ao pronunciar essas palavras. Em seu discurso, encontra-se de forma explícita o seu desejo de mudança em relação à forma de pensar as questões sociais daquele momento, entre a década de 1970 e o início dos anos 2000.

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43 Conforme foi informado, anteriormente na presente tese, o prefácio escrito, para a primeira edição

inglesa, de onde foi extraída a informação “30 anos de trabalho” e as demais informações das origens das ideias marxistas, foi escrito pelo próprio autor Harvey (2001) e reeditado em 2005.

CAPÍTULO 2 – A INFLUÊNCIA DAS TEORIAS CRÍTICA DO CAPITALISMO E