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CAPÍTULO 1 – CRÍTICAS FILOSÓFICAS À RACIONALIDADE MODERNA E

1.2 BASES FILOSÓFICAS DOS MÉTODOS E DISCURSOS PARADIGMÁTICOS

Do ponto de vista da filosofia é possível verificar o percurso histórico da ciência e os caminhos do conhecimento, assim como os paradigmas mais representativos.

Zilles (2005, p. 46-49) fez alusão às grandes revoluções científicas e às grandes transformações da sociedade, utilizando-se da metáfora “caminho” para identificar cinco métodos de aquisição de conhecimento: “místico-mágico; dedutivo- dogmático; indutivo-empirista; dedutivo-teórico-crítico; dialético-materialista”.

O caminho “místico-mágico”, na visão de Zilles (2005, p. 46) parte de uma abertura, sem reserva dos sentidos, da alma e do espírito, para acolher a essência daquilo que se quer conhecer e permite que atue sobre a própria essência, para aí ser experienciado por meio de uma visão interior mediativa.

O caminho “dedutivo-dogmático“ tem no procedimento de dedução, o objetivo de “inferir o particular, do geral”. Resulta “de um raciocínio a partir de uma verdade geral para uma instância particular. O dogma é a construção doutrinária da qual se deduz. O ápice e a superação desse método é o racionalismo iluminista europeu” (ZILLES, 2005, p. 47).

Segundo esse autor, o caminho dedutivo-dogmático parte da certeza de uma determinada teoria abrangente, para daí concluir aplicações e casos singulares. “Enquanto a técnica confia na física, usa o método dedutivo-dogmático do conhecimento. A matemática usa tal método de maneira exclusiva. O procedimento dogmático é forte no direito, mas também nas ciências sociais, quando se elevam a dogma teorias de certas escolas, como a de Marx”.

No campo social, “esse método funcionou enquanto o dogma ainda não tinha se tornado anacrônico. Por exemplo, sem o Corão, o dogma central do islamismo, dificilmente teria surgido um império árabe” (ZILLES, 2005, p. 47).

O caminho “indutivo-empirista do conhecimento” é o raciocínio que “parte de instâncias particulares para uma afirmação geral, universal”. Ou seja, A empiria é a experiência mediada por meio da percepção dos sentidos. Esse procedimento metodológico se conduz “de observações de fatos reiterados, a uma teoria mais abrangente”, conforme ressaltou Zilles (2005, p. 47). Para elaboração dessas teorias, a estatística assume papel importante. Exige enorme investimento na pesquisa e muitas provas, cujos dados demandam meios eletrônicos sofisticados para serem trabalhados. Tem a vantagem de libertar o pensamento da vinculação a dogmas anacrônicos, e, por sua orientação na experiência, adapta-se melhor a diferentes realidades.

Ao método indutivo-empirista “se deve o sucesso da moderna ciência da natureza e das ciências sociais”, como argumentou Zilles (2005). Entretanto, esse método tem a desvantagem de que “das mesmas experiências se podem concluir as mesmas teorias. Até o consenso obtido entre os cientistas não garante ser o resultado verdadeiro ou falso. A observação de que o Sol nasce no Oriente e põe-se no Ocidente conduziu à tese plausível, mas falsa, de que o Sol gira ao redor da Terra. Dessa maneira, a base da experiência sensível não garante a verdade da teoria que dela se deduz” (ZILLES, 2005, p. 48).

Por meio do caminho “dedutivo-teórico-crítico”, realiza-se a dedução para se examinar se a teoria confere, “pois ao contrário da dedução dogmática, neste

caminho a teoria, da qual se deduz, não é crida, mas dela se desconfia criticamente. Pouco importa se a teoria se origina da experiência, da tradição, de mitos ou sonhos. A experiência, neste método, não é fundamento, mas elemento para a prova” (ZILLES, 2005, p. 48).

Assim, pode-se definir que “o caminho dedutivo-teórico-crítico submete as teorias originárias do pensar humano e das hipóteses deduzidas a um exame lógico e empírico”. Esse método “sintetiza o caminho dedutivo-dogmático e o indutivo- empírico, evitando suas desvantagens (dogmatismo e indução) e unindo suas vantagens (lógica dedutiva e empiria)”. Como salientou Zilles (2005, p.48), “remonta, por um lado, ao racionalismo crítico de Karl Popper e por outro, o positivismo lógico do chamado Círculo de Viena (Carnap, Schlick, Neurath) que definiu a união entre empiria e lógica como base da ciência. Popper rejeitou ambas as formas de positivismo clássico (Mil e A. Comte) e do lógico, por causa do inducionismo”.

O procedimento no exame crítico de teorias, no método dedutivo-teórico- crítico, segue os seguintes passos:

a) exame lógico: análise de conceitos das relações, da formulação da linguagem científica da hipótese; exame da tautologia, da contradição e comparação lógica com teorias comprovadas; b) exame empírico: formulação da hipótese a examinar, operacionalização, experimento, proposição protocolar, comparação lógica entre proposição protocolar e hipótese a examinar, falsificação ou verificação, eliminação ou modificação, manutenção ou desenvolvimento da teoria (ZILLES, 2005, p. 48-49).

De acordo com Zilles (2005, p. 49) este método tem vantagens, como a de “garantir a lógica interna da teoria e testar a teoria na empiria. Mas também tem desvantagens, porque ignora a realidade da evolução da ciência, reduz todas as proposições científicas a verificáveis e elimina as hipóteses sociopolíticas”.

O caminho “dialético-materialista”, como esclareceu Zilles (2005, p. 49) remonta a “Karl Marx (1818-1883) e F. Engels (1820-1895) que uniram a dialética do idealismo de Hegel com o materialismo de Feuerbach (1804-1872), para produzirem o materialismo dialético como fundamento filosófico de análise teórica da sociedade”.

O método dialético-materialista do conhecimento “postula que todas as realidades estão constituídas de matéria diferentemente organizada, a qual se encontra em movimento permanente, determinado por contradições internas, cujo

conhecimento deve ser adquirido pela análise mais abrangente dos dados reais, incluindo de sua história” (ZILLES, 2005, p. 49).

De acordo com Zilles (2005, p. 49), nessa concepção, todas as coisas são relacionadas umas com as outras por necessidade. O progresso social resulta da luta, do conflito, da interação e da oposição, entre as classes econômicas e no desenvolvimento de um nível de sociedade em outro. A evolução não ocorre gradativamente, mas por saltos, às vezes catastróficos, para que surja uma nova realidade sociopolítica. O pressuposto deste método é que não existem estados, mas processos que são impulsionados, não por causas externas, mas por contradições internas.

Para descrever a relação entre “consciência e ser”, entre “pensar e objeto do pensamento”, entre “interior e exterior”, entre “o eu, de um lado, e os objetos naturais, de outro”, há diferentes concepções, modelos ou paradigmas. Zilles (2005, p. 50-113) destacou em sua reflexão, cinco paradigmas ou sistemas filosóficos: “ontológico; da subjetividade; da crítica linguística; da fenomenologia; da hermenêutica”. Uma breve definição encontra-se, a seguir.

O “paradigma ontológico” investiga a estrutura do mundo, o próprio ser, o ente. Trata-se de uma filosofia a partir do objeto. Explica-se esse paradigma, a partir da filosofia clássica, determinada pela obra gigantesca de Platão (427-347 a. C.) e Aristóteles (384-322 a. C), até os tempos modernos, que parte do ser objetivo, de uma ordem racional dos entes. Essa estrutura racional, na filosofia antiga, foi compreendida como estrutura do cosmo e, no pensamento judaico-cristão, como criação de Deus.

O método da filosofia clássica consiste em perseguir a verdade do mundo, a lei do universo, as leis e normas dos entes, libertando o homem de tudo que o possa enganar. Sua tarefa consiste, pois, essencialmente em tornar-se racional. Hegel (1770-1831), com sua filosofia do Espírito do mundo (Weltgeist) é o representante mais significativo do pensamento ontológico nos tempos modernos.

O método de Hegel que corresponde a sintetizar contradições e oposições, para conduzi-las à identidade, é a “dialética”. O processo chamado dialético significa ver a realidade como processo dinâmico e contraditório, cujas partes se condicionam e determinam mutuamente.

Karl Marx assumiu esse modelo, substituindo o Espírito objetivo como motor da evolução pelas condições materiais, de modo especial, a economia. A dialética

do Espírito tornou-se “dialética materialista”, que F. Engels, parceiro de Marx, ampliou para o sistema do materialismo dialético.

O “paradigma da subjetividade” analisa o pensar e os conceitos usados no pensar. É uma filosofia das “coisas” como aparecem para nós. Na evolução desse paradigma encontra-se a filosofia do racionalismo de René Descartes (1596-1650), com o Discurso do Método, que parte da dúvida. Segundo ele, para compreender a ciência, é preciso analisar, uma por uma, todas as coisas que se relacionam ao nosso objetivo, para se chegar à ordem ou síntese e à certeza cartesiana.

Sua filosofia inicia o movimento que resulta na primazia do conhecimento, pela reflexão do sujeito sobre si mesmo e encontrará o ponto mais alto no criticismo de Kant (1724-1804). Na linha do racionalismo cartesiano seguem pensadores como Gottfried W. Leibniz (1646-1716) e Baruch Espinosa (1632-1677).

Em oposição ao racionalismo, surge o empirismo na filosofia grega. Como precursor do empirismo moderno considera-se, geralmente, Francis Bacon (1561- 1626) com sua obra principal Novum Organon. Nos tempos modernos, destaca-se o empirismo do trio de filósofos britânicos: John Locke (1632-1704), o irlandês George Berkeley (1685-1753) e o escocês David Hume (1711-1776).

O “paradigma da crítica linguística” posiciona-se com ceticismo perante todo o conhecimento filosófico. L. Wittgenstein (1889-1951) limita a tarefa da filosofia a clarear as ideias, analisando aquele meio pelo qual se expressam ideias e conhecimentos, ou seja, a linguagem. Para ele, a filosofia não é uma doutrina, mas uma atividade de crítica da linguagem. É o esclarecimento lógico dos pensamentos com base na linguagem, pois ao refletir a linguagem, esclarece-se sua estrutura lógica.

O “paradigma da fenomenologia” ampara-se na fenomenologia de Edmund Husserl (1859-1938) e exerce uma influência relevante no mundo contemporâneo, divulgada como ontologia existencial. Funda o ideal da pura lógica no caminho empírico, construindo a fenomenologia na polêmica contra o psicologismo. A fenomenologia – ciência filosófica do fenômeno – chama o conjunto das significações de “mundo” ou “horizonte”. Seu método fundamenta-se na essência dos fenômenos e na subjetividade transcendental e busca a raiz de toda a atitude filosófica e científica.

O “paradigma da hermenêutica” pode ser considerado como transcendência da ciência moderna para reencontrar seu lugar antropológico. Por hermenêutica, em

geral, entende-se a arte e a doutrina de esclarecer, interpretar e compreender textos e situações (ZILLES, 2005, p. 105).

O objeto próprio da hermenêutica não é o mundo objetivo das coisas, mas sua compreensão como é representada em textos, imagens e construções; o próprio ato de compreender e as pressuposições interiores do sentido que se articula em textos e em outras expressões. Por isso, o mundo só se torna acessível como compreensão de sentido. Desde o humanismo tardio (século XVII) fala-se de hermenêutica; depois, no romantismo (Schleiermacher) e, de modo especial, a partir de Dilthey (1833-1911) e Heidegger (1889-1976).

Para Zilles (2005, p. 12) “a questão do conhecimento permanece, indiscutivelmente, um problema a ser considerado, também, pela antropologia filosófica”. Segundo ele, “Sigmund Freud, o pai da psicanálise, concluiu que o ser humano sofreu três grandes humilhações nos tempos modernos”:

A primeira teria sido a cosmológica, quando Nicolau Copérnico (1473-1543) aniquilou a cosmovisão geocêntrica, substituindo-a pela heliocêntrica. Com isso jogou o homem do centro à periferia, um deslocamento completado por Galileu Galilei (1564-1642). A segunda humilhação teria sido a biológica, decorrente da descoberta de Charles Darwin (1809-1882) de que as espécies têm sua origem num longo processo evolutivo. O ser humano seria o produto de uma evolução natural, e não de um ato criador de Deus. A terceira humilhação teria vindo da psicanálise, mostrando que o eu sequer é senhor em sua própria casa, pois age impulsionado por instintos e desejos que escapam de seu controle. Esta última humilhação, segundo Freud, atinge o centro da personalidade humana (ZILLES, 2005, p. 12).

O autor acrescentou em sua reflexão uma quarta, a “genética”. “A decifração do genoma humano manifesta o material de construção das pessoas, reduzindo sua existência à trivialidade. Enfim, a pesquisa científica destruiu mitos que garantiam ao homem um lugar privilegiado no universo” (ZILLES, 2005, p. 12).

1.3 FUNDAMENTOS CRÍTICOS DO RACIONALISMO NA CIÊNCIA MODERNA

A ideia de uma teoria do conhecimento (gnosiologia, também grafada

gnoseologia – do grego gnosis: conhecimento e logos: discurso; ou crítica) “remonta a Descartes e Espinosa”, mas “foi, sobretudo, a contribuição crítica de Kant que fez com que se tornasse, no século XIX, uma disciplina autônoma” (ZILLES, 2005, p. 7).

De acordo com a descrição desse autor, a doutrina platônica das ideias fundamenta-se na confiança ilimitada da razão (noús). Sob o conceito de racionalismo, constitui o fundamento de todas as concepções da teoria do conhecimento desenvolvidas nos tempos modernos. O principal representante da concepção racionalista é Descartes. Da dubitatio conclui a cogitatio.

Na concepção racionalista, entende-se que só o pensamento é capaz de oferecer saber certo, adquirindo-o por meio de exame crítico próprio a resultados tão evidentes que cada pessoa possa aceitá-lo. Entretanto, a razão só se desenvolve autonomamente, quando se baseia em princípios últimos irredutíveis da matemática. No racionalismo de Descartes o método geométrico é postulado como procedimento da argumentação filosófica (ZILLES, 2005, p. 10).

Conforme ressaltou Zilles (2005), no extremo oposto do racionalismo da Escola cartesiana, o empirismo desenvolvido nas Ilhas Britânicas com Francis Bacon, um de seus fundadores, considerava “a observação das forças da natureza, tendo em vista a utilidade de seus recursos para o homem, como um dos objetivos principais”. (ZILLES, 2005, p. 10).

John Locke questionou radicalmente a doutrina racionalista das ideias inatas, afirmando que as ideias originavam da experiência, na sensação de coisas externas e na percepção da vida espiritual em nosso exterior. Limitou o raio do conhecimento humano à experiência externa. Igualmente David Hume chegou à conclusão de que não se pode conhecer o mundo exterior. Entre o racionalismo e o empirismo, Kant buscou uma posição intermediária com seu criticismo. Para Kant, as duas correntes argumentavam de maneira dogmática e não questionavam as próprias fontes: a razão e a experiência (ZILLES, 2005, p. 10).

A filosofia de Kant, como esclarece Zilles (2005, p. 83) é conhecida como criticismo pela particularidade do método e do conteúdo de sua teoria do conhecimento exposta como filosofia transcendental. Criticismo aqui, não se refere à crítica de sistemas concorrentes, mas à determinação das fontes, da extensão e dos limites do conhecimento. A palavra crítica, em Kant, é usada para a forma de conhecer o próprio conhecer, podendo justificar-se por si só. Com isso se critica, de um lado, o dogmatismo da metafísica tradicional e, de outro, o empirismo naturalista e, ao mesmo tempo, o ceticismo.

Na análise desse autor, os métodos analíticos ganharam terreno nos domínios das ciências do espírito. Esses métodos decompõem seu objeto de estudo

– geralmente a linguagem – em partes, mas considerando as suas relações. É analítico o procedimento dos matemáticos, dos lógicos formais, dos cientistas da natureza e dos analíticos da linguagem. Já os procedimentos não analíticos são aqueles que abrangem e interpretam seu objeto como globalidade; tal é o caso dos fenomenólogos, dos hermeneutas e dos dialéticos hegelianos e marxistas.

A compreensão analítica da ciência parte da convicção de que nem tudo o que o homem encontra em sua existência deva ser objeto da investigação científica. De acordo com Zilles (2005), “o campo analítico, em princípio, é limitado ao que pode ser submetido aos instrumentos analíticos. O método analítico tem o mérito da elaboração rigorosa dos conceitos”. (...) Nesse sentido, o fundamento da analítica da linguagem trouxe uma contribuição importante para as próprias ciências humanas. Nem por isso deve reduzir-se a teoria da ciência à teoria analítica das ciências, pois a fenomenologia, a hermenêutica e a dialética também podem ser designadas como ciência, tornando-se a própria reflexão sobre elas, sobre as teorias da ciência (ZILLES, 2005, p. 11-12).

De acordo com esse autor, a pesquisa moderna passou a explorar o mundo com um operar técnico-científico interessado na eficiência de tarefas de fabricação, na produção, melhorada pela divisão do trabalho. O método experimental moderno que deu um impulso sem precedentes às várias ciências da natureza como física, astronomia, química e geologia, foi preparado lentamente (ZILLES, 2005, p. 142). O termo “método” significa pesquisa dirigida pela razão, caminho da verdade. Originou-se na Grécia.

Na cronologia da origem do conceito-chave da ciência moderna, em relação ao sentido do método verificou-se que Platão usou a “dialética”; Aristóteles usou métodos como a definição ou análise de conceitos, a silogística, a dialética como arte de argumentação. Na Idade Média, a palavra método foi traduzida por ars, scientia etc. Para Tomás de Aquino, é a via procedendi. Roger Bacon usou o termo modus procedendi: nova é a ênfase dada a procedimentos analíticos e sintéticos. O primeiro progride do mais composto para o menos composto. O outro segue o caminho inverso, ou seja, do simples ao mais complexo. Ainda não existia a preocupação por um método único (ZILLES, 2005, p. 142-143).

No século XIII, R. Túlio (1235-1315) já defende a ideia de uma scientia generalis, que formula sentenças sobre o mundo. No século XVII, em consequência das disciplinas matemáticas, predomina o método axiomático ou

método da geometria, que é adotado por juristas (Leibniz), filósofos (Espinosa) e teólogos (Mersenne). Para René Descartes “o método da geometria (ou método axiomático) e da álgebra é aplicável a todas as ciências. Assim surge a ideia de uma mathesis universalis. Segundo ele, um método único só se garante por meio da intuição e por meio da dedução” (ZILLES, 2005, p. 143).

Do ponto de vista do método, Francis Bacon (1561-1626) considerava o

progresso da ciência decorrente da utilidade do conhecimento e criticava, por isso, a tradição aristotélica da ciência como fim, em si mesma. Conhecimento para Bacon era instrumento da práxis e garantia a eficiência. Ciência e poder humano se completavam, enquanto a ignorância da causa poderia fazer errar o efeito. Saber tornou-se sinônimo da capacidade de realizar. Saber era poder e começava pela observação. A experiência tornou-se o fundamento exclusivo da ciência, como ressaltou Zilles (2005, p. 143).

Na reflexão da tese de Gomes (2011) sobre “os dois polos epistemológicos da modernidade”, a associação entre a eclosão da modernidade e a formação de uma ética científica moderna, baseada em discussões metodológicas foi de forma imediata. “Existiu uma relação de reciprocidade entre esses dois acontecimentos. A modernidade fundou uma ciência nova (como dizia Bacon), e esta ciência constituiu o espírito mesmo daquilo que se denomina de modernidade” (GOMES, 2011, p. 12). A razão se transformou em instituição no final do século XVIII e “se transformou em ciência, constituída por modelos experimentais, segundo os princípios galileanos” (GOMES, 2011, p. 25).

Nesse sentido, o “demiurgo platônico e a causa final aristotélica puderam ser afastados e substituídos pela essência humana, pela natureza”, ou mais

recentemente, por uma maneira de “ser no mundo”, como analisou o geógrafo. A razão passou a ser a fonte de toda generalização, da norma, do direito e da

verdade, onde a “ordem, o equilíbrio, a civilização, o progresso são noções saídas diretamente deste sistema moderno que se proclama como a única via de acesso a

um mundo verdadeiramente humano” como analisou Gomes (2011, p. 25). Para esse autor, um dos traços mais marcantes da modernidade foi o novo lugar

conferido à “ciência” e o “discurso do saber”, como justificou, é sem dúvida a interface que atravessa o conjunto de discussões da modernidade.

De acordo com Gomes (2011, p. 28) “a nova ciência é, portanto, um dos fundamentos, talvez o mais importante, do que normalmente se identifica como

sendo o novo código de valores da modernidade”. A ciência racionalista confere uma primazia fundamental ao método lógico racional, que como disse Gomes (2011, p. 31) “através dele se acredita atingir a objetividade na relação com a realidade e, ao mesmo tempo, se crê assim garantir as condições mais justas e mais corretas do julgamento científico”.O método é entendido como único meio de oferecer todas as garantias lógicas da relação entre pensamento e realidade.

Sob essa perspectiva, pelo caráter demonstrativo e pelo exercício da crítica, o método científico deve se manter em permanente aperfeiçoamento. Desta forma, a “ciência racionalista enfatiza as questões metodológicas, a forma científica do saber é o uso de um método que garante os limites racionais do pensamento, é ele também que diferencia o conhecimento em geral do saber científico” (GOMES, 2011, p. 31).

O racionalismo, nesse enfoque, privilegia a forma. A maneira de apresentar um problema e de justificá-lo constitui a base para a sua aceitação. Em termos gerais, o modelo de ciência racionalista procura construir sistemas explicativos, onde explicar significa ligar segundo um corpo metodológico, fenômenos ou fatos entre si. Significa também conhecer o comportamento e o movimento previsível daquilo que se quer explicar.

A explicação é, portanto, o resultado de uma análise dos aspectos regulares de um dado fenômeno. Ela é o produto da operacionalização de uma ordem formal instrumentalizada por uma lógica coerente e geral, e de uma ordem material, que relaciona o modelo abstrato à realidade. Desta maneira, a explicação se apresenta sempre com um duplo e complementar alcance. O primeiro advém do objeto mesmo de observação, que é particular, concreto e dado, o segundo, ao contrário, é geral, abstrato e construído pelo raciocínio. Este tipo de ciência acredita, pois, realizar o caminho que leva do particular ao geral, e sua meta final é conseguir estabelecer afirmações universais (GOMES, 2011, p. 30-31).

Com essa análise, o autor apresentou um dos dois pólos epistemológicos da