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CAPÍTULO 1 – CRÍTICAS FILOSÓFICAS À RACIONALIDADE MODERNA E

1.5 DA CRÍTICA DA CIÊNCIA RACIONALISTA ÀS CRÍTICAS RADICAIS DO

1.5.2 Análises geográficas de sustentação filosófica e teoria social crítica nas

No contexto de transição para o mundo pós-moderno, as análises geográficas de sustentação filosófica foram influenciadas pelas perspectivas

humanistas e pela teoria social crítica, em seus dois campos: o marxismo e o pós- modernismo (DINIZ FILHO, 2009, p. 158).

Os geógrafos críticos têm como objetivo fazer da geografia uma ciência social que seja capaz de elaborar uma crítica radical ao capitalismo. Defendem um conjunto de pressupostos, dentre os quais se sobressaem três: 1) a tese de que os problemas socioespaciais e ambientais da atualidade são inerentes ao capitalismo; 2) a visão de que a geografia se distingue das outras ciências da sociedade justamente por estudar o espaço social e as formas de apropriação da natureza; 3) a oposição ao princípio da neutralidade do método, em nome de uma ciência que se propõe libertadora (DINIZ FILHO, 2009, p. 158).

A principal tradição de pensamento que influenciou a formulação dos pressupostos da geografia crítica foi o marxismo. No entanto, a partir de 1990 com a crise intelectual e política do marxismo, e o aumento do ecletismo epistemológico, as ideias humanistas e pós-modernistas passaram a fazer parte do contexto de renovação das críticas à sociedade capitalista (DINIZ FILHO, 2011, p. 159).

Diversos estudos que fundamentam suas ideias nos pressupostos da geografia crítica e na teoria social crítica apontam como objetivos aplicar conhecimentos adquiridos e resultados de pesquisas à práxis social, na crença de que é possível transformar a realidade por meio da luta anticapitalista.

Nesse contexto se insere a obra Geografias pós-modernas: a reafirmação

do espaço na teoria social crítica32 [Postmodern Geographies – The reassertion of

space in critical social theory], publicada originalmente por Soja em 1989. Essa obra foi traduzida para a versão portuguesa e publicada no Brasil em 1993.

A obra constitui-se de uma coletânea de nove ensaios sobre as geografias pós-modernas. Cada ensaio significa “uma evocação diferente do mesmo tema central: a reafirmação de uma perspectiva espacial crítica na teoria e na análise sociais contemporâneas”, conforme esclareceu Soja (1993, p. 7).

Apesar de reconhecer que durante o século XX o tempo e a história ocuparam uma posição privilegiada na consciência prática e teórica do marxismo ocidental e da ciência social crítica, o autor enfatizou que, “talvez seja mais o espaço _______________

32 Tradução autorizada da segunda edição inglesa Postmodern Geographies – The reassertion of

space in critical social theory, publicada em 1990 por verso/New Left Books, de Londres, Inglaterra. Foi traduzida para a Língua Portuguesa por Vera Ribeiro com revisão técnica de Bertha Becker e Lia Machado. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.

do que o tempo que oculta de nós as consequências, mais a ‘construção da geografia’ do que a ‘construção da história’ que proporciona o mundo tático e teórico mais revelador. São essas a premissa e a promessa insistentes das geografias pós- modernas” (SOJA, 1993, p. 7).

Soja (1993, p. 8) ressaltou que, embora o desdobramento textual de seus ensaios, seja semelhante à argumentação essencialmente histórica, sua tentativa foi de desconstruir e recompor a narrativa rigidamente histórica, escapando do historicismo da teoria crítica convencional, de modo a abrir espaço para o discernimento de uma geografia humana interpretativa, para uma hermenêutica espacial.

Como ensaio experimental, Soja (1993, p. 9) mapeou a economia política de reestruturação urbana de forma a examinar as paisagens pós-fordistas da Los Angeles contemporânea, como forma de apresentar uma geografia regional que exemplificasse o advento de um novo regime de acumulação capitalista “flexível”, e baseado num “arranjo” espacial restaurador e instavelmente ligado ao tecido cultural pós-moderno.

Na visão do autor, “as geografias pós-modernas e pós-fordistas são definidas como os produtos mais recentes de uma série de espacialidades que podem ser complexamente correlacionadas com eras sucessivas de desenvolvimento capitalista” (SOJA, 1993, p. 9). Conforme relatou, para essa perspectiva de análise fez uma adaptação da teoria das “ondas longas”, da obra de Ernest Mandel, Eric Hobsbawm, David Gordon e outros, como um subtexto espaço temporal que poderia revelar e interpretar a geografia histórica das cidades, regiões, Estados e da economia mundial.

Soja (1993, p. 9-10) destacou ainda, que situou alguns dos ensaios “em outras geografias pós-modernas na esteira de uma profunda reestruturação da teoria e do discurso sociais críticos modernos”. Para isso, apropriou-se de discernimentos de Michel Foucault, John Berger, Fredric Jameson, Ernest Mandel e Henri Lefebvre. Sua tentativa foi espacializar a narrativa convencional e recompor a história intelectual da teoria social crítica em torno da dialética evolutiva de espaço, tempo e ser social: geografia, história e sociedade.

Os ensaios foram apresentados pelo autor como uma tentativa de “espacialização, como um esforço de compor uma nova geografia humana crítica, um materialismo histórico e geográfico sintonizado com os desafios políticos e

teóricos contemporâneos [...] a crítica direta do historicismo, como avanço necessário à espacialização do pensamento crítico e da ação política” (SOJA, 1993, p. 13).

No nível de discussão existencial, Soja (1993, p. 14) ressaltou que iniciou a “desconstrução ontológica” com observações de Nicos Poulantzas, Lefebvre e Foucault acerca das ilusões de espaço e tempo que caracterizam a história do marxismo ocidental. Destacou a conceituação poulantziana da “matriz” espacial do Estado e da sociedade caracterizada como pressuposto e encarnação das relações de produção.

Nessa iniciativa de desconstrução, o autor afirmou que duas ilusões persistentes dominaram os modos ocidentais de encarar o espaço, bloqueando da interrogação crítica uma terceira geografia interpretativa: aquela que reconhece a espacialidade como um produto (ou resultado) social; e uma força (ou meio) que modela a vida social: o discernimento crucial tanto para a dialética socioespacial quanto para o materialismo histórico-geográfico (SOJA, 1993, p. 14).

Apropriando-se das ideias de Giddens como referência, Soja (1993, p. 15) descreveu:

Pode-se ver com mais clareza uma topologia espacial existencialmente estruturada e um topos ligado ao ser-no-mundo, uma contextualização primordial do ser social numa geografia multiestratificada de regiões nodais socialmente criadas e diferenciadas, alojadas em muitas escalas diferentes em torno dos espaços pessoais móveis do corpo humano e nos locais comunitários mais fixos dos assentamentos humanos. Essa espacialidade ontológica situa o sujeito humano, de uma vez por todas, numa geografia formativa, e provoca a necessidade de uma reconceituação radical da epistemologia, da construção teórica e da análise empírica (SOJA, 1993, p. 15).

A crítica às distorções desespacializantes do historicismo hegemônico da consciência teórica, na busca da reafirmação contemporânea do espaço na teoria social e na certeza do impacto e das implicações das “geografias pós-modernas” foi um dos focos analisados por Soja (1993, p. 14-15). Em sua análise, o autor apresentou Michel Foucault, John Berger, Ernest Mandel, Fredric Jameson, Marshall Berman, Nicos Poulantzas, Anthony Giddens, David Harvey e Henry Lefebvre como pioneiros das geografias pós-modernas. Justificou que, mesmo sabendo que esses autores nunca se descreveriam como geógrafos pós-modernos, a razão de sua

crença era ter se apropriado seletivamente, de suas descobertas (SOJA, 1993, p. 15).

De acordo com o recorte analítico temporal de Soja (1993, p. 20), as primeiras vozes insistentes da geografia crítica humana pós-moderna surgiram no fim dos anos sessenta, apesar da primazia da história sobre a geografia que abarcava o marxismo ocidental e a ciência social liberal. No início dos anos setenta, uma geografia decididamente marxista começou a tomar forma, a partir da “infusão da teoria e do método marxista ocidentais no introvertido gueto intelectual da geografia moderna anglófona constituindo-se uma parte vital de geografia humana crítica nascente em resposta ao positivismo” (SOJA, 1993, p. 57).

Ao longo da década de 1970, a geografia marxista “continuou periférica ao marxismo ocidental, quase inteiramente construída num fluxo de ideias de sentido único, numa crescente marxificação da análise e da explicação geográficas”, conforme descreveu Soja (1993, p. 58).

No entanto, depois de 1980 o âmbito do encontro entre a geografia moderna e o marxismo ocidental se alterou, à medida que o fluxo de ideias e de influências começou a se deslocar em ambas as direções. Ao aproximar-se do novo fin de siècle, um debate crítico sobre a teorização da espacialidade da vida social questionou as tradições estabelecidas no marxismo ocidental. Simultaneamente, esse debate forçou o reexame das estruturas conceituais e institucionais da geografia moderna (SOJA, 1993, p. 58). Assim, a geografia marxista teve como premissas afirmar a geografia histórica do capitalismo como objeto de teorização; e um materialismo histórico espacializado ou materialismo histórico-geográfico como método de investigação.

Esse materialismo histórico-geográfico seria muito mais do que um levantamento de resultados empíricos através do espaço. Muito mais do que a descrição das restrições e limitações espaciais da ação social ao longo do tempo. Seria uma convocação irresistível para uma reformulação radical da teoria social crítica como um todo, do marxismo ocidental em particular e das diversas maneiras de encarar, conceituar e interpretar não apenas o espaço em si. Mas toda a gama de relações fundamentais entre o espaço, o tempo e o ser social, em todos os níveis de abstração, como esclareceu Soja (1993, p. 58).

Na visão de Soja (1993, p. 59), somente com uma desconstrução e uma reconstituição radicais, poderia se adaptar à reafirmação contemporânea do espaço.

A primazia arraigada dos modos históricos de explicação e crítica em relação aos modos geográficos e a confinação da geografia moderna levaram ao apelo de um debate crítico sobre a teorização do espaço, na explosão pós-moderna. Essas condições permitiram a busca de renovação da teoria social crítica e consequentemente, à renovação da geografia.

No entanto, afirmou Soja (1993, p. 66) que o encontro entre a geografia moderna e o marxismo ocidental, bem como a formação e a reforma da geografia marxista desenvolveram em torno de e em direção à dialética reconfigurada e descrita por Lefebvre33, cujas raízes da espacialidade estão na base da tradição marxista francesa.

Trata-se de uma dialética cada vez mais espacializada, cuja demanda insiste na mudança fundamental da maneira de pensar sobre o espaço, o tempo e o ser; sobre a geografia, a história e a sociedade; sobre a produção do espaço, a construção da história e a constituição das relações sociais e da consciência prática. A “afirmação” lefebvreana nessa perspectiva seria o momento-chave do desenvolvimento de um materialismo histórico-geográfico (SOJA, 1993, p. 66).

A contribuição anglófona à geografia marxista decorreu, primordialmente, da religação da forma espacial ao processo social, numa tentativa de explicar os efeitos empíricos do desenvolvimento geograficamente desigual (o que os geógrafos inocentemente chamaram “diferenciador de área”) através de suas fontes geradoras nas estruturas, práticas e relações organizacionais que constituem a vida social (SOJA, 1993, p. 66-67).

Conforme argumentou Soja (1993, p. 67), essa religação foi afirmada no final dos anos cinquenta, quando a chamada “revolução quantitativo-teórica” emergiu do interior da geografia moderna. De versão crescentemente técnica e matematizada da descrição geográfica diferiu superficialmente da tradição neokantiana, contribuindo na justificação do isolamento da geografia em relação à história, às ciências sociais e ao marxismo ocidental.

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33 No capítulo 2, intitulado “Espacializações: A geografia marxista e a teoria social crítica”, da obra

Geografias pós-modernas: A reafirmação do espaço na teoria social crítica de Soja (1989 [1993]), encontra-se descrita uma citação de Lefebvre (1976): “A dialética está novamente em pauta. Mas, já não se trata da dialética de Marx, tal como a de Marx não era mais a de Hegel (...). A dialética de hoje já não se apega à historicidade e ao tempo histórico, ou a um mecanismo temporal como ‘tese- antítese-síntese’ ou ‘afirmação-negação-negação da negação’ (...) Reconhecer o espaço, reconhecer o que ‘está acontecendo’ ali e para que é usado, é retomar a dialética; a análise revelará as contradições do espaço (LEFEBVRE, 1976, 14 e 17 apud SOJA, 1993, p. 57).

De fundamentação explicativa na física social, nas ecologias estatísticas e em apelos à fricção de distância teve como efeitos a explicação dos próprios efeitos, numa regressão infinita de geografias para geografias, um conjunto de variáveis mapeáveis “explicando” o outro através da “justeza” do encaixe. A postura positivista aceita, mesmo sendo humanizada nas abordagens “comportamentais” e com “retoques fenomenológicos”, voltou “a legitimar a fixação da geografia moderna nas aparências empíricas e na descrição involuída” (SOJA, 1993, p. 67).

No decorrer da década de 1960, conforme descreveu Soja (1993, p. 67), especialmente na América do Norte, os geógrafos teóricos anglófonos buscaram explicações em outros campos disciplinares desde a topologia matemática e filosofia analítica até a economia neoclássica e psicologia cognitiva, tornando-se “radicais”. O discurso teórico passou a ser contra o positivismo, em direção a alternativas críticas extraídas das “grandes linhagens” da teoria social europeia continental.

Geógrafos anglófonos, inspirados numa série de “viradas esquerdistas”, a exemplo da dramática mudança de direção de David Harvey, do ecumenismo positivista de Explanation in Geography [A explicação na geografia] (1969) para o confessadamente marxista Social Justice and the City [A justiça social e a cidade] (1973), influenciaram a geração de jovens geógrafos (SOJA, 1993, p. 67-68).

Na concepção de Soja (1993, p. 68), apesar de ser inicialmente mais heterogênea, “a geografia radical” deslocou-se para uma “marxificação da análise geográfica, liderada por Harvey”. O materialismo histórico, na avaliação do autor, tornou-se a via predileta para ligar a forma espacial ao processo social e, desse modo, combinar a geografia humana com a análise das classes, a descrição dos efeitos geográficos com as explicações fornecidas por uma economia política marxista. Sob essa perspectiva:

Um a um, os conhecidos temas da geografia moderna foram submetidos a uma análise e uma interpretação marxistas: os padrões de arrendamento e utilização da terra, as formas variadas do meio ambiente construído, a localização da indústria e das vias de transporte, a evolução da forma urbana e a ecologia da urbanização, a hierarquia funcional dos povoamentos, o mosaico do desenvolvimento regional desigual, a difusão das inovações, as evocações dos mapas cognitivos ou “mentais”, as desigualdades na riqueza das nações, e a formação e transformação das paisagens geográficas, desde o local até o global (SOJA, 1993, p. 68).

Como salientou Soja (1993, p. 68-69), havia no cerne dessa nova abordagem de explicação geográfica uma economia política radical baseada no

Capital de Marx, com derivações ocasionais do Grundrisse e das teorias posteriores sobre o imperialismo. Junto com essas fontes convencionais, havia três variações contemporâneas: 1) uma tradição marxista basicamente britânica, mais historicista e avessa à teorização especulativa apegada à análise empírica pragmática; 2) um “neomarxismo”, baseado no Novo Mundo, com atualização de princípios marxistas recorrente de fontes menos convencionais de discernimento; e 3) uma tradição marxista francesa ainda influente, cindida em diversas correntes (estruturalista, existencialista e suas variadas interações), inspiradora para o neomarxismo.

Soja (1993, p. 69) enfatizou que a leitura estruturalista era atraente para a geografia marxista. Fornecia uma racionalização epistemológica rigorosa para além da aparência superficial dos efeitos espaciais na descoberta de raízes explicativas e nas relações de produção sociais estruturadas e estruturantes. Essa visão enquadrava-se perfeitamente na lógica formadora da análise geográfica marxificadora.

O estruturalismo de tipo althusseriano antipositivista em contraste com o humanismo, inspirador das críticas comportamentais e fenomenológicas, alternativas da geografia positivista de postura antimarxista, associado ao ataque programático do estruturalismo ao historicismo foram poderosos atrativos para os geógrafos marxistas. Essas condições possibilitaram a entrada da geografia na corrente principal dos debates teórico-críticos do marxismo ocidental. Infundindo-se subliminarmente no desenvolvimento inicial da geografia marxista (SOJA, 1993, p. 69).

Na argumentação de Soja (1993, p. 69-71), duas escalas de análise e teorização dominaram a combinação inicial entre a economia política marxista e a geografia humana crítica: a especificamente urbana e a expansivamente internacional. Essas eram examinadas como efeitos estruturados das estratégias opostas da acumulação capitalista e da luta de classes como processos sociais geradores e conflituados que moldaram a produção do espaço em todas as escalas geográficas. As novas políticas da urbanização e do desenvolvimento internacional, na análise desse autor atraíram muitos adeptos da geografia e dos campos correlatos do planejamento urbano e regional, mas gerou graves problemas epistemológicos em relação à teorização do espaço e da espacialidade.

A geografia marxista, como avaliou Soja (1993, p. 72), oscilou entre os extremos de um historicismo pragmático e antiespeculativo que rejeitava as

explicações explicitamente “geográficas” da história na ênfase inaceitável do consumo e das relações de troca versus relações de produção; e um estruturalismo neomarxista determinista que aniquilava o sujeito politicamente consciente. Com isso, expulsava a primazia teórica da explicação histórica.

Depois da inserção das ideias de Marx à geografia moderna, na religação da forma espacial ao processo social, alguns geógrafos passaram a “espacializar” o marxismo histórico e inseriram a geografia humana crítica no núcleo interpretativo da tradição marxista ocidental. Essa nova interpretação constituiu-se como uma segunda fase do desenvolvimento da geografia marxista34, na visão de Soja (1993, p. 72).

Havia, segundo Soja (1993, p. 74) “uma interação complexa e problemática entre a produção das geografias humanas e a constituição das relações e práticas sociais, que precisava ser reconhecida e aberta à interpretação teórica e política”. Nesse sentido, a geografia humana não poderia ser encarada apenas como um reflexo dos processos sociais.

A espacialidade criada da vida social tinha que ser vista como algo contingente e condicionador, como um resultado e um meio da construção da história. Ou seja, como parte de um materialismo histórico e geográfico, e não de um simples materialismo histórico aplicado às questões geográficas (SOJA, 1993, p. 74).

O impulso para uma terceira fase, também chamada por Soja (1993, p. 76) como “terceira crítica” desconstrutiva e reconstitutiva originou-se fora da geografia _______________

34 No fim dos anos setenta, conforme explicitou Soja (1993, p. 72): “surgira na geografia marxista um

acirrado debate acerca da diferença que faz o espaço na interpretação materialista da história, na crítica do desenvolvimento capitalista e na política da reconstrução socialista”. Esses argumentos circulavam entre os que buscavam uma relação mais flexível e dialética entre o espaço e a sociedade, como por exemplo, as ideias de Soja e Hadjimichalis (1979); Soja (1980); Peet (1981) e os que viam nesse esforço uma “degeneração” teórica, um perturbador “ecletismo radical” e um “separatismo” ou “fetichismo” espacial politicamente perigoso e divisivo, impossível de conciliar com a análise de classes e o próprio materialismo histórico. Nesses casos, são consideradas as ideias de J. Anderson (1980). Eliot Hurst (1980); Smith (1979, 1980, 1981). Para alguns observadores relativamente indulgentes, conforme enfatizou Soja (1993, p. 72), “a geografia marxista parecia estar se destruindo por dentro, ora levando um a sustentar a razão ‘por que a geografia não pode ser marxista’, como nas ideias de Eyles (1981), ora levando outro a lamentar o que via como um abandono irracional da explicação espacial na análise geográfica radical”, como nas ideias de Gregory (1981). Segundo Soja (1993, p. 73): “Na geografia marxista e nos estudos urbanos e regionais desenvolveu-se um movimento crescente que parecia estar concluindo que o espaço e a espacialidade só poderiam encaixar-se no marxismo como uma expressão reflexa, um produto das relações sociais mais fundamentais de produção e das ‘leis de movimento’ a-espaciais (mas, mesmo assim, históricas) do capital”, conforme ideias sustentadas por Walker, Massey e Markusen (1978).

marxista e foi levado adiante por estudiosos críticos que, muitas vezes, davam pouca atenção à existência e às realizações dos geógrafos marxistas. Nessa perspectiva, como ressaltou esse autor, a teorização do espaço que provinha de campos especializados diferentes, respondeu, primordialmente, às reconhecidas peculiaridades do “capitalismo tardio”. Em particular à desconcertante reestruturação societária que esfacelava padrões políticos, econômicos, culturais, ideológicos e intelectuais estabelecidos.

O prenúncio de uma nova fase, menos provinciana, no encontro entre a geografia moderna e o marxismo ocidental levou ao reconhecimento de que a espacialidade formadora da vida social teria se tornado uma janela interpretativa crucial e reveladora para o cenário contemporâneo, mas de que o ponto de vista espacial fora obscurecido por uma longa herança de descaso e mistificação (SOJA, 1993, p. 76-77).

No contexto de sua obra, Soja (1993) apresentou suas razões para refutar o historicismo e procurou enfatizar a questão do espaço na teoria social crítica. Esse autor citou os manuscritos econômicos de Marx – Grundrisse –, fez referência ao Capital, mas não esclareceu nada a respeito das ideias fundamentais de Marx, apesar de repetir inúmeras vezes o termo “marxismo”. Vale a pena apresentar de forma breve, em que consistem os temas tratados em Grundrisse.

Em Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política de Karl Marx, obra extensa e complexa. Segundo Grespan (2011), em texto de apresentação de capa da referida obra, intitulado “Marx em seu