• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 – CRÍTICAS FILOSÓFICAS À RACIONALIDADE MODERNA E

1.4 RACIONALISMO CRÍTICO E CONCEPÇÕES CIENTÍFICAS DE POPPER

1.4.1 Genealogia e lógica científica de Popper

1.4.2.3 Conceitos de falseabilidade e de falsificação

Popper (2013, p. 69) criou a “falseabilidade como critério de demarcação para decidir se um sistema teorético pertence ou não ao campo da ciência empírica e para verificar se as propriedades lógicas dos sistemas são falseáveis”. Justificou sua posição em relação à filosofia convencionalista ou sistema empírico (para ele sistema refutável).Para o convencionalista, a ciência teorética natural é apenas uma construção lógica e não um retrato da natureza. Não são as propriedades do mundo que determinam essa construção; pelo contrário, é essa construção que determina as propriedades de um mundo artificial: um mundo de conceitos, implicitamente definidos por leis naturais escolhidas por nós (POPPER, 2012, p. 70). É desse mundo apenas, que fala a ciência. Segundo esse modo de ver convencionalista,

As leis da natureza não são falseáveis por observação; com efeito, são elas que se tornam necessárias para determinar o que sejam a observação e, mais especialmente, a mensuração científica. São essas leis por nós estabelecidas que formem a base indispensável para o acerto de nossos relógios, a correção das chamadas escalas de medida “exatas”. Só dizemos que um relógio está “certo” ou que uma escala de medida é “exata” se os movimentos medidos com auxílio desses instrumentos satisfizerem os axiomas da mecânica que decidimos adotar (POPPER, 2013, p. 70).

Popper (2013, p. 70) declarou que “a filosofia do convencionalismo é digna de grande crédito, pela maneira como esclareceu as relações existentes entre teoria e experimento e pelas ações e operações – planejadas de acordo com raciocínios dedutivos e convenções – na condução e interpretação de nossos descobrimentos científicos”. Contudo, apesar disso, como afirmou, considerava o convencionalismo “um sistema positivamente inaceitável”, pois se apoia na ideia de ciência que procura “um sistema de conhecimento alicerçado em bases definitivas”.

Nessa perspectiva de avaliação popperiana essa meta até poderia ser aceita. É possível interpretar um sistema científico como sistema de definições implícitas. Em períodos em que as ciências se desenvolvem lentamente surgem poucos conflitos. Entretanto, em tempos de crise como na época em que o sistema científico – o sistema falseador – surgiu, o conflito a propósito dos objetivos da ciência e de suas descobertas tornar-se-ia agudo (POPPER, 2013, p. 70).

O sistema falseador, como disse Popper (2013, p. 71), “abriu horizontes novos. Num mundo de experiências novas, com argumentos novos, contra as mais

recentes teorias”. Mas a estrutura que surgiu com audácia de concepção era vista pelo convencionalismo como um monumento ao total colapso da ciência.

Popper tinha consciência que seu conflito com os convencionalistas não seria dirimido por uma discussão teórica. Segundo pensava, era possível extrair do estilo do pensamento convencionalista alguns argumentos interessantes contra o critério de demarcação por ele proposto. Entre esses argumentos propostos “não seria possível dividir os sistemas e teorias em falseáveis e não falseáveis, pois, essa distinção seria ambígua e consequentemente, o critério de falseabilidade tornar-se-ia inútil como critério de demarcação” (POPPER, 2013, p. 72).

No sistema proposto, como enfatizado por Popper (2013) fundamentado em bases metodológicas apresentadas como convenções ou regras do jogo da ciência empírica diferem das regras da lógica pura. As regras são aplicadas ao sistema para elevar o grau de falseabilidade ou testabilidade, caso resista a novas provas. Sendo assim, o critério de demarcação não é de imediato aplicado a um “sistema de enunciados”. Somente com “métodos aplicados” a um sistema teórico e “com regras especiais” torna-se possível indagar se está diante de uma teoria convencionalista ou empírica, refutável e falseável.

Sobre a falseabilidade e a falsificação, importa distinguir claramente entre “falseabilidade e falsificação”. A falseabilidade foi introduzida apenas como um critério aplicável ao caráter empírico de um sistema de enunciados. Quanto à falsificação, é necessário introduzir regras especiais que determinarão em que condições um sistema há de ser visto como falseado (POPPER, 2013, p. 76).

Só se pode dizer que uma teoria está falseada quando se dispõe de enunciados básicos aceitos que a contradigam. Essa condição é necessária. Porém não suficiente, porque as ocorrências particulares não suscetíveis de reprodução carecem de significado para a ciência (POPPER, 2013, p. 76). Da mesma forma, se poucos enunciados básicos dispersos tentam contradizer uma teoria, dificilmente induzirão a rejeitá-la como falseada. É preciso descobrir um efeito suscetível de reprodução que refute uma teoria, pois só se aceita o falseamento se uma hipótese empírica de baixo nível, que descreva esse efeito, for proposta e corroborada.

A exigência de que a hipótese falseadora seja empírica e, portanto, falseável, significa apenas que ela deve colocar-se em certa relação lógica para com possíveis enunciados básicos. Contudo essa exigência apenas diz respeito à forma lógica da hipótese. O requisito de que a hipótese deva ser corroborada refere-se a

testes a que ela tenha sido submetida – testes que confrontam com enunciados básicos aceitos (POPPER, 2013, p. 76). Dessa maneira, os enunciados básicos desempenham dois papéis diferentes:

De uma parte, utilizamos o sistema de todos os enunciados básicos, logicamente possíveis, para, com auxílio deles, conseguir a caracterização lógica por nós procurada – a da forma dos enunciados empíricos. De outra parte, os enunciados básicos aceitos constituem o fundamento da corroboração de hipóteses. Se os enunciados básicos aceitos contradisserem uma teoria, só os tomaremos como propiciadores de apoio suficiente para o falseamento da teoria caso eles, concomitantemente, corroborarem uma hipótese falseadora (POPPER, 2013, p. 77).

Diante destas questões Popper (2013, p. 239), argumentou que, na lógica da ciência, é possível evitar o emprego dos conceitos “verdadeiro” e “falso”. “O lugar que lhes caberia pode ser ocupado por considerações lógicas acerca de relações de deduzibilidade”. Assim, o falseamento de uma teoria pode ser expresso de outra maneira.

Não precisamos dizer que a teoria é “falsa”, mas, ao invés, “dizer que ela é contraditada por certo conjunto de enunciados básicos já aceitos. Não somos obrigados a dizer que os enunciados básicos são verdadeiros ou falsos, pois a aceitação que lhes damos pode ser interpretada como resultado de uma decisão convencional e os enunciados aceitos, vistos como resultado dessa decisão” (POPPER, 2013, p. 240).

Popper (2013, p. 240) esclareceu que o uso dos conceitos “verdadeiro” e “falso” é análogo ao uso de conceitos tais como “tautologia”, “contradição”, “conjunção”, “implicação” e outros dessa espécie. Não são conceitos empíricos. São conceitos lógicos que descrevem ou fazem apreciação de um enunciado, independentemente de quaisquer alterações do mundo empírico. Nessa perspectiva, há diferença entre verdade e corroboração, pois apreciar um enunciado para dar significado como “corroborado ou não corroborado”, é uma apreciação lógica e, portanto, intemporal.

É possível asseverar que, na concepção de Popper (2013, p. 240-241), certa relação lógica está em vigor entre um sistema teorético e um sistema qualquer de enunciados básicos aceitos. Entretanto, nunca se pode dizer que um enunciado, como tal, está por si mesmo, “corroborado” (no sentido em que podemos dizer que ele é “verdadeiro”). Só pode dizer que está corroborado com respeito a algum

sistema de enunciados básicos – sistema aceito até um determinado ponto no tempo, pois:

A corroboração não é, portanto, um “valor-verdade”; não pode ser colocada a par dos conceitos “verdadeiro” e “falso” (que estão livres de indicadores temporais). Para um único e mesmo enunciado, pode existir qualquer número de diferentes valores de corroboração, sendo admissível que todos se mostrem, ao mesmo tempo, “corretos” ou “verdadeiros”, pois são valores logicamente deduzidos da teoria e dos conjuntos de enunciados básicos aceitos em tempos diversos (POPPER, 2013, p. 240-241).

Com essa explicação, Popper (2013) concluiu que um avanço, no sentido indutivo, não consiste, obrigatoriamente, numa sequência de inferências indutivas.

Zilles (2005) reconheceu a importância das ideias de Popper para a ciência contemporânea, ao dizer que “a solução atualmente mais aceita é a apresentada por Popper que argumentou que se deve recorrer à experiência para a falsificação” (ZILLES, 2005, p. 146). Na concepção desse autor, a proposta de Popper não parte da experiência, mas a tem como fim ou meta da fundamentação de proposições científicas. Não parte de observações singulares para uma proposição universal. Ao contrário, parte do universal para um evento singular observável.

Zilles (2005, p. 146-147) enfatizou ainda que, se, no caso singular, for

verificado o que geralmente se aceita, ainda não se pode concluir que a proposição geral ou universal é verdadeira. Pois, só se pode afirmar o que se pode observar apenas em um caso concreto em todos os outros que se tornarem possíveis de verificar pela observação empírica.

Nesse sentido, a proposição universal ou teórica poderá ser negada, em algum dos experimentos. Entretanto, enquanto não for falsificada, poderá ser aceita como verdadeira. Popper concorda com o princípio de que uma proposição, da qual se podem deduzir proposições falsas, também é falsa. Por outro lado, afirma que uma proposição, da qual se podem concluir proposições verdadeiras, pode ser verdadeira, mas não necessariamente (ZILLES, 2005, p. 146-147).

De acordo com a avaliação de Zilles (2005, p. 147) corroborada na visão popperiana, é possível dizer que a ciência que se baseia na experiência tem caráter hipotético. Pois as proposições universais que superarem o teste da experiência apenas podem reivindicar validade provisória. Ou seja, até o momento em que novas experiências exigirem correções.

Analisando hipóteses de verificações e falseamentos para adoção ou rejeição de modelos, na aplicação do método científico, Fourez (1995) ressaltou que, “de acordo com a imagem mais popularizada da ciência, quando se produziu certo número de leis ou teorias, deve-se “verificá-las” por meio de experiência” (FOUREZ, 1995, p. 69).

No entanto, como enfatizou esse autor, as práticas científicas não buscam tanto verificar as teorias como falseá-las. A questão da “verdade” da ciência implica então, em “verificar” no sentido de “testar” ou “debilitar” uma teoria, falseando-a. Os cientistas, a partir dessa concepção avançam em suas pesquisas procurando determinar os limites dos modelos utilizados. Ou seja, tentam mostrar como os modelos são “falsos”, para substituí-los. Em termos mais precisos, só se aceitaria como científico, o discurso a respeito do qual se possa eventualmente, determinar uma situação em que o modelo poderia não funcionar. Esse é o critério de falseabilidade, determinado por Popper (FOUREZ, 1995, p. 71).

Nessa perspectiva, pode-se dizer que os cientistas rejeitam os discursos que funcionariam para tudo. Ou seja, só são aceitáveis cientificamente, os discursos que podem “fazer” uma diferença na prática. Mais precisamente, como reafirmou, esse autor, só se aceitam os discursos “falseáveis” (um discurso “falseável” não é, é claro, um discurso necessariamente “falso”', mas um discurso do qual se pode dizer: “não é automaticamente verdadeiro; isto poderia se revelar falso; isto pode ser testado e o resultado poderia não ser positivo”, como enfatizou Fourez (1995, p. 72).

A interpretação de um discurso científico, do ponto de vista crítico, estará sempre associada a uma contradição. Não se pode esperar que as comprovações de uma teoria submetida a provas, se revelem apenas no sentido verdadeiro, validando-a para todas as situações, mesmo que pela experiência se comprovou por inúmeras vezes um determinado fenômeno (FOUREZ, 1995, p. 72).

1.5 DA CRÍTICA DA CIÊNCIA RACIONALISTA ÀS CRÍTICAS RADICAIS DO