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CAPÍTULO 1 – CRÍTICAS FILOSÓFICAS À RACIONALIDADE MODERNA E

1.4 RACIONALISMO CRÍTICO E CONCEPÇÕES CIENTÍFICAS DE POPPER

1.4.1 Genealogia e lógica científica de Popper

1.4.2.2 O problema da demarcação

Como analisou Popper (2013, p. 11-12), pode-se utilizar “o critério de demarcação como critério de falsificabilidade: apenas as proposições que podem ser refutadas pela realidade empírica dizem algo a respeito desta, isto é, apenas aquelas para as quais se podem especificar as condições em que elas podem ser consideradas empiricamente refutadas”. É por meio do critério de falsificação que se explicam “proposições empírico-científicas completamente decidíveis” e “proposições exclusivamente falsificáveis”. As outras proposições (entre elas, as “proposições de existência” exclusivamente verificáveis) – que não são tautologias lógicas (juízos analíticos, como, por exemplo, as proposições matemáticas) – “são proposições metafísicas, distinguidas das proposições empírico-científicas”.

Foi nessa lógica, que, na teoria do conhecimento estabeleceu-se um “critério rígido e universalmente aplicável que permitisse distinguir enunciados das ciências empíricas, de afirmações metafísicas”. Esse critério de demarcação é uma questão acerca de um “critério de cientificidade”, o qual torna possível “demarcar a ciência dos domínios extracientíficos” (POPPER, 2013, p. 412-413), ou seja, a “principal fronteira que o critério de demarcação deve traçar é aquela entre ciência empírica e metafísica”.

Popper (2013, p. 33) denominou o problema de demarcação como o problema de estabelecer um critério que habilite distinguir entre as ciências empíricas, de uma parte, e a matemática e a lógica, bem como os sistemas “metafísicos” de outra.

Esse critério demarcaria o limite entre a “ciência” e a “não ciência” ou “pseudociência”. Segundo ele, o “critério de demarcação é inerente à lógica indutiva – isto é, o dogma positivista do significado – equivale ao requisito de que todos os enunciados da ciência empírica” (ou todos os enunciados “significativos”) devem ser “conclusivamente julgáveis, tornando logicamente possível, verificá-los e falsificá-los” (POPPER, 2013, p. 37-38).

A posição do autor está alicerçada numa assimetria entre verificabilidade e falseabilidade, assimetria que decorre da forma lógica dos enunciados universais. Estes enunciados nunca são deriváveis de enunciados singulares, mas podem ser contraditados pelos enunciados singulares. Consequentemente, como afirmou, é possível, através de recurso a inferências puramente dedutivas, (com auxílio do

modus tollens28, da lógica tradicional, em seus níveis de universalidade29), concluir

acerca da falsidade de enunciados universais a partir da verdade de enunciados singulares. Essa conclusão acerca da falsidade dos enunciados universais é a única espécie de inferência estritamente dedutiva que atua, por assim dizer, em “direção indutiva”, ou seja, de enunciados singulares para enunciados universais (POPPER, 2013, p. 39).

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28 Popper (2013, p. 67) esclareceu que “o modo falseador de inferência por ele referido – a maneira

como o falseamento de uma conclusão acarreta o falseamento do sistema de que ela deriva – corresponde ao modus tollens da Lógica tradicional”.

29 Sobre os níveis de universalidade – o Modus Tollens – Popper esclareceu: “Dentro de um sistema

teórico, é possível distinguir enunciados que pertencem a vários níveis de universalidade. Os enunciados de mais alto nível de universalidade são os axiomas; deles podem ser deduzidos enunciados de níveis mais baixos. Enunciados empíricos de nível mais baixo, deles deduzíveis revestem sempre o caráter de “hipóteses”, relativamente aos enunciados de nível mais baixo, deles deduzíveis: eles podem ser falseados pela falsificação desses enunciados menos universais. Contudo, em qualquer sistema dedutivo hipotético, estes enunciados menos universais continuam a ser enunciados estritamente universais, no sentido fixado. Assim, também eles devem revestir o caráter de hipóteses – fato que tem frequentemente ignorado, quando se trata de enunciados universais de nível mais baixo. Mach, por exemplo, chama a teoria de condução do calor, elaborada por Fourier, “uma teoria física modelo”, pela curiosa razão de “essa teoria se baseia não em uma hipótese, mas num fato observável”. Todavia, o “fato observável” a que Mach se refere é por ele descrito através de um enunciado: “A velocidade com que se igualam as diferenças de temperatura, contanto que essas diferenças sejam reduzidas, é proporcional às mesmas diferenças” – um enunciado-todos, cujo caráter hipotético deveria ser suficientemente claro” (POPPER, 2013, p. 66- 67).

Como avaliou o filósofo, mesmo a propósito de alguns enunciados singulares, pode-se dizer que “eles são hipotéticos, uma vez que deles (com auxílio de um sistema teórico) possam ser deduzidas conclusões tais que a falsificação dessas conclusões poderia falsear os enunciados singulares em pauta” (POPPER, 2013, p. 67).

Com esse modo de inferência, falseia-se todo o sistema (teoria e condições iniciais) que se fazia necessário para deduzir o enunciado falseado. Assim, não se pode asseverar, de qualquer enunciado do sistema, que ele seja ou não especificamente atingido pelo falseamento.

Dessa maneira, explicou Popper (2013), os enunciados básicos desempenham dois papéis diferentes. De uma parte, utilizamos o sistema de todos os enunciados básicos, logicamente possíveis, para, com auxílio deles, conseguir a caracterização lógica por nós procurada – a da forma dos enunciados empíricos. e outra parte, os enunciados básicos aceitos constituem o fundamento da corroboração de hipóteses.

Se os enunciados básicos aceitos contradisserem uma teoria, só os tomaremos como propiciadores de apoio suficiente para o falseamento da teoria caso eles, concomitantemente, corroborarem uma hipótese falseadora (POPPER, 2013, p. 77).

A questão da falseabilidade das teorias está relacionada à falseabilidade dos enunciados singulares ou básicos como enfatizou Popper (2013, p. 81). Nessa perspectiva, os enunciados básicos são necessários para decidir se uma teoria pode ser falseável, isto é, empírica; para corroboração de hipóteses falseadoras e, assim, para o falseamento de teorias.

Consequentemente, os enunciados básicos devem satisfazer as seguintes condições: a) De um enunciado universal, desacompanhado de condições iniciais, não se pode deduzir um enunciado básico. Por outro lado, b) pode haver contradição recíproca entre um enunciado universal e um enunciado básico. A condição (b) somente estará satisfeita se for possível deduzir a negação de um enunciado básico da teoria que ele contradiz. Dessa condição, e da condição (a), segue-se que um enunciado básico deve ter uma forma lógica tal que sua negação não possa, por seu turno, constituir-se em enunciado básico (POPPER, 2013, p. 87- 88).