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A criação da nova fronteira: A Marcha para o Oeste

1.1 Fronteira: frente pioneira e frente de expansão

1.1.3 A criação da nova fronteira: A Marcha para o Oeste

Amado entende que a política da “Marcha para o Oeste, defendida por

Vargas, tinha dois objetivos bem definidos, colonizar e incorporar a região norte

do Estado, com suas imensas áreas de terras devolutas, à economia nacional. A

colonização serviria para absorver o excedente populacional dos grandes centros

industriais; e a incorporação dessas novas áreas agrícolas reforçaria a produção

de alimentos para a região industrializada do sudeste do país”, ajudando a

sustentar a política de industrialização promovida na mesma época pelo governo

federal “(Amado, s/d, p. 8).

Para Dayrell, a Colônia não cumpriu o seu principal objetivo que era

fixar o trabalhador rural na terra e proporcionar-lhe as condições necessárias

para o desenvolvimento da pequena propriedade familiar. No seu entender,

entretanto, a colônia, do ponto de vista capitalista, serviu como base para o

avanço da fronteira em direção ao norte do estado.

Ceres foi uma conquista desta marcha, um ponto a mais na expansão do sistema econômico brasileiro, criando um centro produtor significativo e abrindo uma nova região para o domínio econômico dos grandes proprietários e comerciantes. Transfor- mou-se num suporte físico e demográfico do avanço para o norte. (Dayrell, 1974, p. 143)

Lenharo (1986) investigou os projetos de implantação das Colônias

Agrícolas Nacionais e examinou as políticas públicas implementadas pelo Estado

Novo para a realização desse projeto. Para ele, a expansão territorial que se

materializou na Marcha para o Oeste apresentava algumas nuanças notáveis.

“A conquista do território do país pode ser apreciada como um recurso precioso

de instrumentalização política” (Lenharo, 1986, p. 13). Vargas utilizou-se

estrategicamente da propaganda ideológica para fortalecer o mito da conquista,

ou seja, conclamou a sociedade brasileira a participar deste projeto de integração

nacional. De modo que, “todos os brasileiros se vissem marchando juntos, e,

conduzidos por um único chefe, consumassem coletivamente a conquista,

sentindo-se diretamente responsáveis por ela (Lenharo, 1986, p. 14). Apontou

também que a política trabalhista desse governo pouco fez de concreto pela

massa de trabalhadores rurais, afirmando que toda a exploração sofrida pelo

trabalhador rural foi camuflada na mesma proporção em que a propaganda

política de Vargas ressaltava as conquistas trabalhistas do proletariado urbano.

Diz ainda, que a orientação das correntes migratórias em direção a ocupação

de novas fronteiras territoriais tinha objetivos políticos, isto é, tal orientação

ajudaria a amenizar as tensões sociais nos grandes centros urbanos, como

também dificultaria a ocupação das terras devolutas pelos posseiros, já que a

intenção era criar” o “novo” trabalhador rural brasileiro, ordeiro, produtivo,

voltado para o lucro, distante do seu meio natural, da sua tradição e do seu

passado“ (Lenharo, 1986, p. 14).

Quanto ao estabelecimento das Colônias Agrícolas Nacionais, julga

ele que foram idealizadas como entidades autônomas, visando o abastecimento

do mercado nacional de produtos agropecuários e hortigranjeiros. Edificadas

no ermo, representavam elas um conjunto de peças importantes que serviria de

suporte para a conquista do Oeste e da Amazônia e funcionariam como cidades-

industriais:

13

Essa ênfase no auto-abastecimento pode ser detectada também nas indústrias que se planejava instalar, paulatinamente: beneficiamento de gêneros alimentícios, serrarias, olarias, usinas de açúcar e álcool, e fontes de abastecimento energético. A organização do auto-abastecimento era pensada estrategi- camente como uma etapa inicial a ser superada quando a colônia se firmasse e tendesse a irradiar-se pelas áreas próximas. (Lenharo, 1986, p. 48)

13. Lenharo utiliza o artigo de Júlio de Abreu Filho, intitulado “ As Construções Rurais”, em que este autor critica a forma de planejamento urbano dessas colônias. Para Abreu quem as planejou não considerou as necessidades reais do homem do campo, bem como o seu singular modo de vida. “Para ele é notória esta preocupação com o traçado urbano quando se funda uma colônia. Tais idéias” predominam no traçado de seu plano: ao centro o núcleo colonial riscado com preocupações de urbanismo, na previsão de uma bela cidade, ao cabo de 10 ou 15 anos; em volta das glebas maiores, para manter o mesmo isolamento do povo rural e as mesmas dificuldades que fazem das cogitações de instrução e saneamento da terra e do homem um problema insolúvel ou de solução remotíssima” (Abreu, Júlio, 1942, p. 298- Construções Rurais, Boletim do Ministério do Trabalho).

Entende Lenharo que o Estado Novo não alcançou o retorno que

esperava do investimento político na colonização da Amazônia e do Centro-

Oeste. Mas, atenuou a crítica ao dizer que não se pode subestimar o mérito

desse projeto político, já que ele serviu de apoio para a ocupação e à expansão

da fronteira econômica.

Acrescentou ainda que a falta de estradas de rodagem, aliada às parcas

verbas do governo federal comprometeu o bom desempenho do projeto.

Somente a Colônia do Pará contava com vias de acesso, pois dispunha de via

fluvial. Já as outras, incluindo a de Goiás eram desprovidas desses recursos,

indispensáveis para alcançar os resultados alardeados pela propaganda política

do Estado Novo. No caso específico da CANG-Colônia Agrícola Nacional de

Goiás, ressaltou que “desde o início houve venda indireta, transferência,

alienação e permuta de lotes” (Lenharo, 1986, p. 56). Implicaram tais

circunstâncias num aumento substancial das grandes propriedades em detrimento

das pequenas unidades de produção familiar, já que a implantação da colônia

estimulou uma acentuada valorização das terras, atraindo para o local investidores

que compravam ou se apropriavam das pequenas glebas dos colonos. A

passagem do modo de ocupação dirigida para a forma de ocupação econômica

transformou as relações sociais desta área. O colono, que antes detinha a posse

da terra, em alguns casos, passou a ser assalariado. Dessa forma, “o jeito de

gerar e acumular capital manteve-se, portanto, vitorioso” (Lenharo, 1986, p. 57).

Duarte (1999) também abordou esse tema, focalizando algumas

interpretações concernentes à questão agrária brasileira no período pós 30 e as

comparou com os resultados das políticas públicas estabelecidas em Goiás.Essas

interpretações alegam que não ocorreram transformações relevantes do regime

de propriedade da terra no país. Isto porque o pacto político firmado entre a

burguesia industrial e o setor agrário tradicional no pós 30 teria minimizado as

possibilidades do projeto desenvolvimentista de Vargas, ou seja, obstruiu o plano

institucional de reforma agrária no Brasil.

Apresenta Duarte a questão de outro ângulo: “Dentro dessa temática,

uma questão recorrente é a suposta ausência do trabalhador rural na legislação

estabelecida por Getúlio Vargas” (Duarte, 1999, p. 38). Analisando os projetos

políticos de Vargas e os seus discursos, ela julga que os programas de

colonização varguista ganharam realidade na medida em que encaminharam e

acomodaram os fluxos migratórios. E ressalta que: “O trabalhador rural foi não

apenas temática nos discursos de Vargas, mas sujeito nos projetos concretizados

através da ação da Marcha para Oeste” (Duarte, 1999, p. 38,39).

Verdade é que, em estudo recente, os historiadores Francisco Carlos

Teixeira da Silva e Maria Yedda Linhares abriram a discussão sobre a propalada

exclusão do trabalhador do campo dos projetos de Vargas. Alegaram que o

acordo político firmado entre as oligarquias agrárias e a burguesia industrial

deixou Vargas numa situação política muito instável, já que a base de sustentação

do seu governo alicerçava-se nesse acordo. Por isso, Vargas não pôde estender

os benefícios da legislação trabalhista para o campo. Preferiu primeiro fortalecer

esta política trabalhista nos centros urbanos, para depois aplicá-la ao campo.

Evidentemente, travar dois combates simultâneos (a organização do trabalho fabril e a libertação do trabalhador rural das peias do plantacionismo) não era um projeto político desejado. Mesmo dotado de ampla autonomia, o novo Estado deveria evitar contrariar tantos interesses ao mesmo tempo. A opção lógica era construir uma base urbana e fabril, vivenciar os estrangulamentos da nova regulação e, a partir das cidades, conquistar o campo. (Linhares e Silva, 1999, p. 111)

Acrescenta Duarte que a CANG foi relevante para o Estado de Goiás,

ao promover a ruptura dos entraves que impediam o desenvolvimento

econômico regional.

A abertura de estradas e a atração de mão-de-obra viabilizaram a implantação de empresas portadoras de capital. De certa forma, essa movimentação da Marcha para o Oeste respondeu aos anseios de políticos e intelectuais, que faziam uma leitura da história de Goiás como sendo marcada pelo atraso. (Duarte, 1999, p. 66)

Não pode, pois, ser a CANG concebida como um fracasso. Os colonos

não incorporados a ela estabeleceram-se nas adjacências, em áreas do município

de Jaraguá, dando origem à cidade de Rialma, à margem esquerda do Rio das

Almas.”Lotes e casas foram distribuídos de graça, inicialmente a título precário”

(Duarte, 1999, p. 62). Assim, as propostas da Marcha para o Oeste não se

restringiram apenas à edificação da CANG, mas promoveram também o

desenvolvimento e a integração regional. “A CANG foi, em Goiás, um ponto

avançado nesse processo de articulação de regiões mais despovoadas”. (Duarte,

1999, p. 66).

Borges (2000) analisou a economia goiana e sua inserção no mercado

nacional no período de 1930-1960. Para ele a propaganda oficial sobre a

implantação da Colônia alcançou todo o país e seduziu um considerável número

de famílias pobres de lavradores rumo a fronteira em Goiás. Além disso, a

ideologia do governo Vargas, visando a movimentação demográfica em direção

ao Oeste, intensificou o mito da conquista da fronteira: “criando a imagem de

unificação nacional e de criação do Novo Brasil” (Borges, 2000, p. 77).

Considerou ele que as metas estabelecidas para o funcionamento da

CANG não foram realizadas. Propunha-se o programa a conceder auxílio

financeiro e suporte técnico para a modernização da produção agrícola regional,

mas a falta de verbas do governo federal o inviabilizou. Além disso, já no início

dos anos 50, “a Colônia foi” engolida “pelo latifúndio”. Porque a partir deste

período, tanto o assentado como o pequeno produtor passaram a se defrontar

com uma sucessão de mudanças, isto é, uma crise econômica e financeira que

os conduziu à completa ruína.

Por um lado, ele era pressionado pela especulação comercial e financeira que se apropriava do excedente econômico que ele produzia. Por outro, era acossado pela especulação imobiliária que, com a valorização das terras, atraía para a região grileiros e grandes fazendeiros. (Borges, 2000, p. 78).

Pereira (2002)ressaltou a consonância entre as propostas do Estado

Novo, as idéias dos intelectuais, nacionais e goianos e os propósitos do

governador Pedro Ludovico Teixeira. Para ela a proposta política do Estado Novo

assentava sobretudo no discurso sobre a autonomia e a unificação da economia

nacional, o que influenciou decisivamente a sociedade goiana e alguns políticos

que durante muitos anos acalentaram o sonho de ver o Estado de Goiás integrado

à cena política e econômica nacional.

O estabelecimento da ditadura de Vargas fortaleceu o governo estadual e o interventor Pedro Ludovico pôde, então, implementar uma nova política, com ênfase na racionalização administrativa do Estado e na construção do progresso para Goiás. Essa política resultou na concretização das propostas de colonização, segundo a orientação nacional, e no incremento às obras de construção da nova capital para o Estado, condição fundamental para a integração de Goiás à Nação brasileira. (Pereira, 2002, p. 48)

Acresce ainda que a construção de Goiânia já estava prevista no projeto

político da Marcha para o Oeste. A mais nova Capital, cravada no cerrado

Goiano, representava a efetivação do discurso nacionalista, ou seja, uma nova

era.”O Brasil civilizado, a partir da integração de suas regiões, pretendia marchar,

a passos largos, rumo ao progresso e à civilização, rompendo definitivamente,

com o passado de inferioridade diante do mundo civilizado” (Pereira, 2002, p.

52).

Em síntese, a política do Estado Novo, mais precisamente a Marcha

para o Oeste promoveu a aproximação do Estado de Goiás com o Brasil, deixando

claro ser latente o desejo dos goianos de se enquadrarem na nação brasileira.

Segundo Pereira tal enquadramento deu-se de forma ambígua. Em outras palavras,

existia também na sociedade goiana, um sentimento muito forte de decadência

e inferioridade.

2.1 Primeiro momento da ocupação das terras devolutas no norte de