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O conflito pela posse da terra entre posseiros, fazendeiros e grileiros

ocorreu tanto em Porangatu, como em Trombas e Formoso. No entanto, no

decorrer da análise desses dois eventos percebeu-se algumas diferenças, isto é,

em Porangatu a resistência dos posseiros foi efêmera. Ao passo, que em Trombas

e Formoso a luta arrastou-se por alguns anos, contando com o apoio do Partido

Comunista Brasileiro, que enviou alguns de seus membros para a região. Além

disso, veremos que tão frontal antagonismo, envolvendo três categorias: o

posseiro, o grileiro e o fazendeiro só podia resolver-se em sujeição incondicional

do mais fraco, ou luta sangrenta que, de novo, eliminasse o mais fraco.

Ocorreram os dois desfechos, como adiante se mostrará.

Em Porangatu foi a grilagem da Fazenda Santo Antônio, mais conhecida

como Serrinha

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que desencadeou o conflito. Terras devolutas constituíam á

área e nela viviam muitas famílias de posseiros que ali foram-se estabelecendo

desde o final dos anos 40.

Segundo José Francisco da Costa, agente recenseador do IBGE nessa

época, João Inácio açambarcou grandes áreas de terra nessa região, incorporando

outras faixas de terra à área da Fazenda Santo Antônio. Concretizada a grilagem,

ele dividiu a área em lotes e os vendeu para fazendeiros de outros estados, Bahia,

Minas Gerais, São Paulo e etc.

Perguntou-me-Já ouviu falar na Fazenda Santo Antonio? Disse- lhe que sabia. Na Serrinha? Da Serrinha, justamente. Ela não ia 28. Localidade em que o conflito foi mais intenso.

na Serrinha não. Ela era, ela (faz uma pausa)...Se não me engano do Bijuí, do córrego Bijuí pra cá quando muito do Amargoso (referindo-se a outro córrego). Porque o Bijuí fica pertinho do Amargoso pra cá. Aí de forma que da Fazenda Santo Antonio (também conhecida como Serrinha) pra Fazenda Morro Alegre tinha uma outra fazenda. Então, eles (o grileiro João Inácio e seus colaboradores) saia ligando... Ligando tudo! Ligando tudo com a Fazenda Santo Antonio, viu? Construíam a documentação da Santo Antonio, aí eles aumentaram, aumentaram a área. Dizia que era fazenda hereditária. Sabe como é que é? Hum! (coçou a cabeça e sorriu). E então, os posseiros sabiam que aquilo era do Estado. Porque o terreno quando ele passa muito tempo sem ninguém, naquele tempo de antigamente, tinha a sesmaria esse negócio. Ela passa para o Estado, pois, como já era, como já era do Estado. Aí... Eles iam grilando e vendendo. Grilando e vendendo. (Depoimento, 27/12/2001)

João Inácio abriu a fictícia Empresa Imobiliária Oeste Brasileira

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(ver

anexo) para facilitar a venda dessas terras em outros estados. Agia da seguinte

forma: mandava corretores para esses estados, que propalavam as vantagens de

se adquirir esses terrenos, enfatizando a fertilidade do solo, a prosperidade da

região, devido à construção da rodovia Belém–Brasília e a proximidade deles

com a nova capital federal. E, para dar mais credibilidade ao negócio,

apresentavam mapas da região, na maioria das vezes falsos. Ao venderem esses

lotes, entregavam aos compradores escrituras públicas de compra e venda,

lavradas em alguns cartórios do país. Em Goiás esses documentos eram expedidos

com mais freqüência nos cartórios do 2

o

Ofício de Notas de Porangatu, no 4

o

Ofício de Campinas e no 5

o

Ofício de Goiânia.

Efetuada a transação imobiliária, o fazendeiro empunhando a escritura

e valendo-se das informações do grileiro, buscava localizar a propriedade.

Deparava então uma das duas: ou a terra não existia, ou estava há muitos anos

ocupada por um posseiro e sua família. No primeiro caso, consumava-se o

esbulho do comprador; no segundo caso, iniciava-se o seu desentendimento

com o ocupante da terra.

De início, tentava o fazendeiro fazer valer o seu direito de proprietário

da terra, exigindo que o posseiro dela se retirasse. Havendo recusa, dispunha-se

o fazendeiro a indenizar o posseiro pelas benfeitorias encontradas: uma casa de

adobe ou pau-a pique, currais toscos, paiol, e o desmatamento da terra. Ou

então propunha uma alternativa: o posseiro lhe pagaria o arrendamento que se

estipulasse.

Frustradas essas propostas pela resistência de alguns posseiros obstinados

que ainda acreditavam que, no futuro, o Estado ou o Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária (INCRA) lhes reconheceria o direito de

propriedade das terras por usucapião, só restava ao fazendeiro o uso da violência.

Passavam então os fazendeiros a contratar jagunços, incumbindo-os

de, bem armados, atacar os posseiros. ”Eles se hospedavam na cidade, na pensão

Santa Maria. E todo dia cedo eles saíam com o caminhão mostrando as carabinas,

procurando os posseiros. A ordem era para matar. Mataram 17 posseiros”

(Depoimento, 17/02/1999).

Em geral era débil a resistência dos posseiros, sendo os homens presos

e as mulheres e crianças mandadas para as vilas. Eram os próprios fazendeiros

que efetuavam as prisões, omitindo-se a polícia, que restringia sua atuação às

áreas urbanas. Nesse conflito morreram muitos posseiros, fugiram alguns, mas

houve um grupo que resistiu na terra, porque tinham certeza de que ela era

devoluta, palavra estranha a seu linguajar, mas cujo sentido eles compreendiam.

“Eles diziam: nós num sai. Porque aqui é do Estado. Nós compramos a terra,

mas é do Estado” (Depoimento, 27/12/2001). Assim, não cederam nem mesmo

diante da morte. “Foi uma coisa feia, foi feio demais. Mataram posseiros, pintaram

o sete. Queimaram casa de posseiro. Urubu voando assim [fazendo gestos com

as mãos] e comendo posseiro. Era uma coisa terrível, coisa terrível, coisa de

cortar o coração” (Depoimento, 27/12/2001).

A posseira Gregória Pereira Martins, hoje com mais de setenta anos e

vivendo na miséria, relatou assim a chacina de sua família:

[...] olha! Mataram meu marido, meus dois fios. Olha! rancaram as roupa deles tudo. Deram tiros neles. Tirou a roupa deles. Ficou tudo nuim. Cortaram a perna e os braços deles. Morreram com

fome (emocionada interrompe o relato. Começa a chorar). Aí eles mataram eles. E deixou eles lá debaixo duns pau. O facão deles tu eles roubo. Eu não vi eles não. Quem deu fim nele foi os urubu. Quem interrou um bucado dos ossos deles foi o Tó, meu filho. (Depoimento, 07/01/2002).

Daí os posseiros compreenderam que não bastava apenas resistir em

suas terras, já que as autoridades locais faziam vista grossa sobre esses fatos.

Resolveram então criar a Associação dos Lavradores de Porangatu, sendo João

Pereira de Sousa, presidente e José Gonçalves, o vice. Os dois viajavam

constantemente para Goiânia com o objetivo de buscar junto às autoridades

estaduais uma solução para a delicada situação dos posseiros.

De mãos dadas aos jagunços a soldo de latifundiários e grileiros, a polícia contribui para o clima de terror que ainda persiste em Porangatu – Isso foi o declarou ontem à noite, ao Diário do Oeste, o Sr. Nestor Vera, Secretário – Geral da União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil, (ULTAB).

Disse que, enviado pela entidade para averiguar a situação reinante naquela comunidade rural goiana, verificou desolado que, não obstante já haverem sido assassinados 12 posseiros e outros tantos como “desaparecidos”, o clima ali continua a ser de terror e perseguição contra humildes obreiros da terra prossegue criminosamente.

Denunciando a “conivência com esse estado de coisas do prefeito Moacir de Freitas, do promotor João Batista e do Juiz de Direito Cílio Rodrigues”, o Secretário da ULTAB disse que “aquelas três autoridades dão inteira cobertura à caça aos posseiros, fomentam essa perseguição e recomendam que os ranchos dos lavradores sejam queimados”. (Diário do Oeste, 04/07/1962)

Mas as autoridades estaduais davam pouca atenção às reivindicações

dos posseiros.Desiludidos, João Pereira de Sousa e José Gonçalves passaram a

informar os jornais da capital do que estava acontecendo na zona rural de

Porangatu. Encaminharam um oficio para a Câmara Municipal de Goiânia no

qual pediam a solidariedade dos vereadores.

Notícias procedentes de Porangatu dão conta de que cerca de 800 famílias da região estão ameaçadas de serem desalojadas de suas terras por grileiros.

A propósito, na sessão de sábado último da Câmara Municipal foi lido da tribuna da Casa, pelo vereador Tabajara Póvoa, o seguinte ofício remetido pelo Sr. João Pereira de Sousa, Presidente da Associação dos Lavradores de Porangatu;

Nós, posseiros de Porangatu, apelamos para a vossa solidariedade nesta luta pela a terra. Somos cerca de 800 famílias que moram, de 10 a 60 anos, nesta terra que com muito sacrifício domesti- camos. Nossas posses requeridas, concedidas e demarcadas pelo Estado, despertaram, agora, a cobiça de grileiros que tendo à frente o Juiz de Direito Sr. Dr. Silio Rodrigues, baseados em documentos falsos, ou só na violência, querem nos expulsar de nossas terras.

Com isso não concordamos e estamos dispostos a lutar até o fim ou até a vitória de nossos direitos. Habitamos a Fazenda Canabrava (11.000 alqueires) a região compreendida pela Canabrava e a Serra Azul e a Fazenda Santo Antônio de 3 mil alqueires. As duas primeiras, já demarcadas pelo Estado, e a última de terras devolutas.

Esperamos contar com a solidariedade e o apoio do governo, pois ele deu ganho de causa aos nossos irmãos de Formoso.

Esperamos, também contar com a solidariedade dessa Câmara sem a qual não poderemos contar com a vitória. Assinado João Pereira de Sousa, presidente da Associação dos Lavradores de Porangatu. (Diário da Tarde, 15/05/1961)

A Associação dos Lavradores de Porangatu era combativa e conhecida

de todos os posseiros, mas alguns temiam associar-se a ela, recusando o convite

que o próprio presidente levava a sua porta, fato que fácil se percebe em

entrevistas com posseiros remanescentes da luta. Segundo João Rodrigues

Chaves: “então, naquele tempo ele me chamou pra eu associa. Eu num sabia o

que vinha a ser. Até que um dia ele chegou lá e eu assinei”. (Depoimento,

25/11/1999).

João Rodrigues Chaves disse que, dias após esse episódio, um grupo de

fazendeiros acompanhado de seus jagunços chegou a sua posse. Então, os

jagunços de carabinas em punho começaram a revistá-los para ver se tinha

alguma arma. “Aí deram busca em nós. Mas nós num tinha arma ninhuma. Só

meu irmão é que tinha um canivetinho. E eles tomaram tudo” (Depoimento,

25/11/1999). Contou ainda que eles queriam saber quem estava filiado a

Associação dos Lavradores.

[...] Enfiou a carabina em mim, eles disse: ocê vai contar o que é essa Associação agora. João seja positivo, conta o que ocê sabe. Eles manobrou a carabina assim (fez gestos com as mãos). Aí eu falei assim: eu não sei o que é Associação não. Pro que eu não entendo dessas coisas, de nada de Associação. Ocês vai me perdoar que eu num sei não. Aí ele me empurrou assim (fazendo gestos) e disseram vamos embora deixe ele (Depoimento, 25/11/1999).

O certo é que, o posseiro João Rodrigues Chaves, temendo que O fato

se repetisse, resolveu procurar o presidente da Associação dos Lavradores de

Porangatu, para retirar o seu nome da lista dos associados. Segundo ele “daí

vortei lá pra riscar meu nome do caderno. Aí risquei meu nome fora, porque

fiquei com medo de acontecer alguma coisa com a gente”. (Depoimento,

25/11/1999).

Mas, os dirigentes da Associação continuaram a denunciar as mortes

no campo. Procuravam resolver a questão, que se agravava a cada dia, com o

apoio do governo, mas, enquanto isso não acontecia iam até a redação dos

principais jornais da capital e expunham a real situação dos posseiros.

Falando a reportagem de O Popular, o lavrador Otacílio Frade, membro da Diretoria da Associação de Lavradores de Porangatu, declarou que, após ter mantido conversação com o Governador do Estado e seus assessores voltaria àquele município, muito embora, contrariando a amigos seus, que acreditavam não ter ele [Otacílio] nenhuma segurança para regressar a Porangatu, chegando mesmo a temer por um atentado contra a sua vida.

Afirmou o camponês que diante da palavra do chefe do executivo estadual e dos assessores nada poderia temer por parte dos fazendeiros, grileiros, ou seja, lá quem for, razão porque se decidiu a voltar a Porangatu, o que realmente fez na manhã de ontem. Adiantou, porém, que se algo lhe acontecer os responsáveis serão os assessores governamentais, que lhe garantiram nada suceder e que poderia retornar tranqüilo para o seio de seus familiares. (Jornal O Popular, 10/08/1962)

As mortes em conseqüência do conflito levaram os moradores da cidade

a encarar os posseiros com desconfiança. Parecia claro que eles eram uma

ameaça à propriedade, ao passo que os fazendeiros mereciam o respeito que se

deve dispensar aos que lutam “em legítima defesa” de sua propriedade adquirida

“à sombra da lei”.

Também a imprensa, que antes mostrara simpatia para com os posseiros,

passou a reprová-los francamente, tachando-os de guerrilheiros e invasores de

terra. Os jornais não enviavam repórteres às áreas de conflitos, limitando-se a

transmitir as informações dadas pelos fazendeiros que vinham às suas sedes.

Uma comissão composta de 14 proprietários de terras em Porangatu chefiada pelo advogado Aluísio Aguiar de Freitas esteve ontem em O Popular para formular um protesto contra ação de invasores que desrespeitando os seus títulos de propriedade, apossaram-se, naquele município das suas glebas.

O advogado dos proprietários exibiu à reportagem os títulos de propriedade dos seus constituintes e afirmou que todas as autoridades de Porangatu, inclusive o Juiz de Direito da Comarca, já proclamaram a legitimidade daquelas terras, mas os invasores continuam de posse daquelas terras, dizendo-se emissárias do governo.

Ultimamente diz o advogado: os invasores estão enviando cartas aos meus constituintes convidando-os para assistir a derrubada da mata em suas terras.

O juiz da Comarca de Porangatu, embora tenha declarado a legitimidade da propriedade, não pode ainda fazer cumprir o

mandato, pois, se acha sem recurso policial e os invasores só sairão de lá á força.

A mesma comissão que visitou ontem O Popular esteve com o Secretário do Interior e Justiça Sr. Walteno Cunha Barbosa, solicitando-lhe proteção para que o direito de propriedade declarado pelos títulos que exibiram lhes seja garantido.

São os seguintes proprietários de terras de Porangatu que se encontram em Goiânia: tratando do litígio: Maurílio Inácio,30 José Joaquim Tiago, José Lopes da Silva, Antônio Alves de Moura, Pedro Teodoro dos Reis, Antonio José Rodrigues Filho, Domingos José dos Santos, Antônio Beltrão Sobrinho, Arlindo Teixeira, Manoel Alonso, Alberto Figueiredo, Manoel Rodrigues Rosa, Américo Alves de Freitas e Bernardo Pereira Cunha (O Popular, 24/11/1961).

Nota-se nessa reportagem que este grupo de fazendeiros, certamente

orientado pelo advogado, foi apresentar aos leitores do jornal, outra versão dos

fatos, valendo-se dos títulos de propriedade para justificar suas atitudes de

violência contra os posseiros, provando assim, que estavam apenas defendendo

seus “direitos” de proprietários.

31

Reforçando essa idéia, o jornal O Popular publicou uma matéria,

apresentando os posseiros como baderneiros e invasores. Em outras palavras,

eles representavam uma ameaça à ordem preestabelecida, eram agitadores,

porque defendiam o direito de posse, contrariando o direito de propriedade

privada da terra que é garantido pela lei. Além disso, afirmou-se nessa

reportagem, que os posseiros se achavam fortemente armados, e, que estavam

prontos para atacar a qualquer momento os fazendeiros da região.

Notícias procedentes de Porangatu dão conta de que a situação naquela cidade ainda está envolta em intensa expectativa. Posseiros, ainda levados pela ignorância e insuflados por agitadores profissionais, procuraram a todo o custo, invadir as 30. Irmão do grileiro João Inácio.

31. Vale registrar que durante nossa pesquisa fomos até o Cartório do 2o Oficío de Notas de Porangatu

para verificar o registro dessas terras em nome dos fazendeiros que aparecem na reportagem do Jornal O Popular. Mas a responsável pelo cartório não permitiu que fizéssemos esse levantamento.

terras de vários fazendeiros. Sabe-se também, que dado ao grande número de invasores e colonos a polícia que ora se encontra em Porangatu, não oferece o mínimo de segurança naquela localidade. Disseram os nossos informantes que Porangatu passa, talvez, nesses últimos dias, por um dos seus piores momentos, dada a incerteza e a expectativa de choque armado de maiores conseqüências. A cidade está em pé de guerra. Posseiros, fortemente armados, querem a todo o custo invadir as terras pertencentes a vários proprietários, estando segundo nós informaram, ultimando os preparativos para uma invasão em massa, em dia a ser previamente marcado. (O Popular, 21/06/62)

Entrementes, os dirigentes da Associação de Lavradores de Porangatu,

denunciavam constantemente nos principais jornais da capital os atos de

violência dos fazendeiros praticados contra os posseiros, já que não conseguiam

obter o apoio da população local, e menos ainda, dos poderes: executivo,

legislativo e judiciário do município.

A fim de exigir providências das autoridades estaduais, encontra- se nesta capital o presidente da Associação dos Lavradores de Porangatu, Sr. José Gonçalves. Ouvido pela reportagem, o líder camponês asseverou: “nós exigimos uma providência das autoridades porque o assassino do posseiro Miguel Dias, baleado covardemente, pelo fazendeiro Joaquim Teodoro da Silva, encontra-se solto. Se não forem tomadas as providências que exigimos, faremos justiça com as próprias mãos. Mas confiamos que exista justiça nesta terra.” O presidente da Associação nos contou que o camponês Miguel Dias se achava em sua propriedade, quando apareceu Joaquim Teodoro exigindo sua assinatura a uma licença de posse, como ele se negou, foi fuzilado com dois tiros. O assassino fugiu e a polícia de Porangatu não esboçou a menor providência para capturá-lo. (Jornal Diário do Oeste, 12/10/1961)

De fato, o poder legislativo de Porangatu demonstrava muito pouco

interesse em resolver a situação. Enquanto, o conflito se intensificava no campo,

eles nada faziam para amenizá-lo, e apoiavam abertamente as atitudes dos

fazendeiros. É o que se revela no discurso do vereador Pedro Cunha, também

fazendeiro, na Câmara, no qual, afirma desconhecer a existência de luta pela

posse da terra na localidade. E ainda, acusou os líderes dos posseiros de atos de

calunia e difamação contra o juiz daquela comarca Sílio Rodrigues.

32

[...] Tomei conhecimento, através da leitura dos jornais “Folha de Goiás” e “Diário do Oeste”, de Goiânia, de entrevistas concedidas aqueles órgãos da imprensa pelos cidadãos João Pereira de Souza e José Gonçalves, os quais, dizendo-se “chefes dos posseiros”, fizeram uma série de falsas acusações, declararam difamações e calunias visando a pessoa do nosso mui digno Juiz de Direito da Comarca, Dr. Sílio Rodrigues. Estas entrevistas foram bem plane- jadas, calculadas e medidas com o objetivo de criar em torno de nossa região e de nossas autoridades, um clima de desprestígio e de intranqüilidade, fazendo alarde de coisas e fatos que jamais aconteceram em nosso município. (Livro de Ata, 1961, p. 2)

Verdade é que o conflito na zona rural de Porangatu reacendeu antigas

animosidades políticas no Estado de Goiás, abalando francamente as bases

políticas que deram apoio ao governo de Mauro Borges. Ele passou a ser

pressionado por fazendeiros, posseiros e pelos líderes dos partidos políticos de

oposição, principalmente pela União Democrática Nacional (UDN), e ainda,

pela sociedade goiana. Daí ter o governador enviado para a região Érides

Guimarães, chefe da Secretária do Trabalho e Assistência Social, para se inteirar

dos acontecimentos. Chegando ao local ele se reuniu com os posseiros, e, depois

disse que: “a verdade é que a Discriminatória prova que ali não existe dono

verdadeiro da terra, motivo pelo qual está em litígio a posse e os grileiros é que

são os culpados por todos aqueles acontecimentos naquelas localidades” (Diário

do Oeste, 15/06/1962). Ele estava-se referindo a Ação Discriminatória que o

governo do Estado

33

instaurou em 1957, com a intenção de fazer um

levantamento geral das áreas pertencentes ao domínio público. Mas essa

declaração agravou ainda mais o problema. Por isso, os secretários do governo

32. Este juiz foi afastado de suas funções na época, mas hoje trabalha no Estado do Tocantins. 33. Nessa época o governador era José Ludovico de Almeida 1954-1959.

Ary Demóstenes de Almeida, Wison da Paixão, secretário do Interior e Justiça e

Rivadávia Xavier Nunes, secretário da Segurança Pública se pronunciaram

publicamente, prestando esclarecimentos á sociedade goiana.

Existe, realmente uma disputa entre determinados ocupantes de terra no município de Porangatu;

A origem dessa contenda não é recente e se prende a questões dominiais e de posse da terra, cuja solução está entregue ao Poder Judiciário, eis que já se encontra ajuizada há mais de dois anos, a competente ação discriminatória;

Por questões várias, entre as partes, resultando daí atos de violência e hostilidade entre os ocupantes da terra;

Em virtudes dos atritos surgidos e da possibilidade de novos choques, que seriam de conseqüências imprevisíveis, o governo resolveu tomar medidas preventivas, de caráter urgente, para