P
ROGRAMA DEM
ESTRADO EMH
ISTÓRIA DASS
OCIEDADESA
GRÁRIASA
HISTÓRIA
DA
RESISTÊNCIA
DOS
POSSEIROS
DE
P
ORANGATU
-GO
(1940-1964)
J
ACINTA DEF
ÁTIMAR
OLIMS
AMPAIOA
HISTÓRIA
DA
RESISTÊNCIA
DOS
POSSEIROS
DE
P
ORANGATU
-GO
(1940-1964)
Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal de Goiás, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em História das Sociedades Agrárias.
ORIENTADOR
Prof. Dr. Barsanufo Gomides Borges
G
OIÂNIA2003
P
ROGRAMA DEM
ESTRADO EMH
ISTÓRIA DASS
OCIEDADESA
GRÁRIASSampaio, Jacinta de Fátima Rolim
S192h A história da resistência dos posseiros de Porangatu-GO: 1940-1964 / Jacinta de Fátima Rolim Sampaio. - Goiânia, 2003.
f. 128
Dissertação (Mestrado) Universidade Federal de Goiás, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, 2003.
Bibliografia Anexo
1. Migração nordestina - Goiás 2. Colonização Goiás 3. Migração interna 4. Colônias agrícolas Goiás
I. Universidade Federal de Goiás. Instituto de Ciências Biológicas II. Título.
POSSEIROS
DE
P
ORANGATU
-GO
(1940-1964)
J
ACINTA DEF
ÁTIMAR
OLIMS
AMPAIODissertação defendida e aprovada em ____________________ , pela banca
examinadora constituída pelos professores:
Prof. Dr. Barsanufo Gomides Borges
Prof. Dr. Wenceslau Gonçalves Neto
A Barsanufo Gomides Borges pela
valiosa orientação.
Aos meus pais Zulmira e Romil.
Aos meus filhos André e José Geraldo.
Aos meus irmãos Vera Lúcia e
Francisco.
Aos colegas do Mestrado Leicy, Poliene,
Patrícia, Ordália e Walney.
Aos amigos Antonio Soares, Kelper
Stanciolli, Ana Paula, Penha Célia,
Aldete, Abenisa, Beronícia, Berô,
Lurdinha, Cristina, Bianka, Lainna,
Meire, Mercinha, Dorinha e Goianinho.
Ao pessoal do Arquivo Histórico
Narra-se aqui a história de inúmeras famílias que, já em 1940, migravam
do nordeste do Brasil para o norte de Goiás, onde durante anos a fio
entregaram-se ao cultivo de terras devolutas.
A partir de 1960, no entanto, os grileiros também chegaram àquela
região, e numa sucessão de golpes astutos e sub-reptícios, e contando com a
conivência de membros do poder público, conseguiram vender a fazendeiros
as glebas ocupadas por essas famílias.
This is the history of quite a few families which migrate from the
north-east of Brazil to the north of Goias as early as 1940. They farmed unoccupied
government lands there for years on end.
From 1960 on, however, some dishonest men arrived in that region,
too. In a series of very smart, very underhand moves and with the connivance of
government officials, they can sold the pieces of land the families lived in to
some farmers.
I
NTRODUÇÃO... 9
C
APÍTULOI A
EXPANSÃODAFRONTEIRANOB
RASILNOPÓS30 ... 13
1.1 Fronteira: frente pioneira e frente de expansão ... 13
1.1.1 Proposições teóricas sobre o camponês ... 14
1.1.2 A economia brasileira no pós 30 ... 30
1.1.3 A criação da nova fronteira: A Marcha para o Oeste... 35
C
APÍTULOII O
PROCESSODEOCUPAÇÃODASTERRASDEVOLUTASEMP
ORANGATU(1940-1964) ...41
2.1 Primeiro momento da ocupação das terras devolutas no norte
de Goiás: Frente de expansão os posseiros ... 41
2.2 O governo JK Plano de Metas: construção da rodovia e de Brasília
Segundo momento da ocupação do norte de Goiás Frente Pioneira ... 49
2.3 Quem é o grileiro? ... 55
C
APÍTULOIII A
GRILAGEMDETERRAS... 57
C
APÍTULOIV A
RESISTÊNCIADOSPOSSEIROSDEP
ORANGATU, T
ROMBASEF
ORMOSO CONTRAAEXPROPRIAÇÃODESUASTERRAS... 72
4.1 O conflito ... 72
C
ONSIDERAÇÕES FINAIS... 99
R
EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 101
Analisa-se neste trabalho o processo de ocupação das terras devolutas
em Porangatu, remontando aos conflitos ocorridos na luta pela posse da terra
na região de Formoso e Trombas, no período de 1940-1964, por considerar
que todos estes eventos estão estreitamente relacionados.
Tão semelhantes foram eles, que pareceu desacertado tratá-los
separadamente, estabelecendo uma diferença postiça na luta dos posseiros contra
a grilagem de suas terras, levando em conta nada mais que a região em que ela
se deu. O fenômeno foi análogo, já tendo-se realizado em Porangatu, já em
Trombas, já em Formoso.
Indispensável também foi situar tais eventos no contexto histórico que
os envolveu e de certa forma os condicionou. Assim, investigou-se a política de
Vargas no pós 30, com sua Marcha para o Oeste, com um exame mais vagaroso
da criação da CANG - Colônia Agrícola Nacional, que foi sem dúvida a
ressonância mais notável daquela política aqui no Centro-Oeste.
Outro fator cuja importância não pode ser descurada foi a construção
de Brasília e da rodovia que a ligou a Belém. Talvez tenham sido estas duas
realizações a influência primordial na intervenção, no processo de ocupação
do norte de Goiás, de um novo agente, o grileiro.
Reconstruí-se A História da Resistência dos Posseiros de Porangatu
1940-1964, utilizando fontes orais, isto é, os relatos dos posseiros e de outras
pessoas que participaram direta ou indiretamente desses acontecimentos, fontes
acadêmicas e ainda fontes jornalísticas e processuais, sendo que estas duas
O estudo de Maria Esperança Carneiro, intitulado A Revolta
Camponesa de Formoso e Trombas, foi o ponto de partida para a reconstrução
dessas lutas. Fez essa autora uma interpretação política dos conflitos na região.
Propõe-se aqui trabalhar o tema, enfocando seus aspectos políticos e
socioeconômicos.
A metodologia utilizada foi a da História Oral. Entrevistaram-se 17
pessoas, que narraram a História desses eventos, sendo três comerciantes, oito
posseiros, um ex-prefeito, um ex-delegado, dois fazendeiros e dois integrantes
do Partido Comunista Brasileiro.
Narraram os posseiros a trajetória de suas vidas e a luta desigual pela
posse da terra. Dos comerciantes ouviram-se relatos da repercussão do conflito
em suas atividades. O ex-prefeito relatou a situação das partes conflitantes e a
sua mediação entre elas. Contou o ex-delegado a atuação da polícia, e os
fazendeiros revelaram a sua posição para com os posseiros. Já os dois membros
do Partido Comunista Brasileiro, Geraldo Tibúrcio e Dirce Machado,
referiram-se à atuação e postura do partido diante da luta.
Informações de monta colheram-se em jornais e revistas. No Arquivo
Histórico Estadual Pedro Ludovico, respigaram-se reportagens e notícias valiosas
nos jornais:
O Popular
,
Cinco de Março
,
Jornal de Notícias
,
Diário do Oeste
,
Folha de Goiaz
,
Frente Popular
e
Diário da Tarde
. No Instituto de Pesquisas e
Estudos Históricos do Brasil Central-IPEHBC, encontrou-se
O 4
oPoder,
1onde
se pesquisou o tema. Por fim, no tocante à imprensa, ainda foram de valia os
jornais
Folha de São Paulo
,
Jornal Terra Livre
e
O Estado de São Paulo
e da
revista
O Cruzeiro
.
Nos Livros de Ata da Câmara Municipal de Porangatu, encontraram-se
importantes fontes que expressavam as posições e atitudes tanto do poder
executivo, quanto do poder legislativo sobre esta demanda.
Já as leituras dos processos movidos contra João Inácio, um dos maiores
grileiros do Brasil, que se encontram no Arquivo da Justiça Federal de Goiás,
pois em relevo a dimensão das práticas ilícitas cometidas por esse grileiro.
Neste trabalho usou-se a interpretação das discussões sobre fronteira,
frente de expansão e frente pioneira de José de Souza Martins.
Dividi-se este trabalho em quatro capítulos. Abordam-se no primeiro
capítulo as questões teóricas sobre a fronteira e dos núcleos que a ela se referem:
frente expansão e frente pioneira. Ressaltam-se também as preposições teóricas:
clássicas e neoclássicas sobre a questão agrária, enfocando as hipóteses sobre o
destino do camponês em face da expansão do capitalismo no campo.
Buscou-se nessas leituras elementos para compreender a questão agrária brasileira, porém,
sem perder de vista as particularidades do nosso campesinato. Discutiu-se também
o uso do termo camponês, largamente utilizado no Brasil, à luz da interpretação
de Martins. Traçou-se um quadro geral da economia brasileira no pós 30.
Examinou-se as políticas públicas de Getúlio Vargas e dentre elas a Marcha
para o Oeste, versando os estudos acadêmicos que há na historiografia goiana e
nacional sobre este tema.
No segundo capítulo, expõe-se o processo da expansão da fronteira
em direção ao norte de Goiás, relacionando-o com a criação da CANG, a
construção de Brasília e da rodovia Belém-Brasília. Surgem aqui os principais
personagens dessa história, quais sejam o posseiro e o grileiro. O posseiro, que
juntamente com sua família, deixou sua terra natal na esperança de encontrar
terra livre para trabalhar. O grileiro, que percebeu nessa expansão da fronteira, a
possibilidade de enriquecer ilicitamente, isto é, apropriando-se das terras
devolutas do Estado.
No terceiro capítulo tratou-se especificamente da história da grilagem
de terras no norte de Goiás, enfocando a figura de um dos maiores grileiros do
Brasil, o goiano João Inácio. Utilizam-se então processos judiciais, tais como:
sete processos movidos pelo Ministério Público e, ainda o relatório da CPI que
investigou o envolvimento desse grileiro com a venda de terras públicas a pessoas
físicas e jurídicas brasileiras e estrangeiras.
1.1 Fronteira: frente pioneira e frente de expansão
Ao que parece, foi o historiador americano Frederick Jackson Turner
quem inaugurou o conceito de fronteira, definindo-o como a região de contornos
sinuosos, e às vezes, instáveis, que medeia entre uma área selvagem e outra que
vai sendo desbravada, organizada, em que se vai firmando o domínio do homem,
ou como a faixa de terra que separa a natureza da cultura.
Desenvolveu-se o conceito, modificou-se a nomenclatura que a ele se
refere, mas o núcleo da idéia acabou ganhando o consenso de historiadores,
geógrafos e sociólogos. Indo na esteira de José de Souza Martins, vai-se expor
sucintamente o emprego que neste trabalho faremos dos termos relacionados a
este núcleo.
Frente pioneira é o movimento social que redunda imediatamente na
incorporação de novas extensões de terras à economia de mercado. Trata-se,
pois, de uma fronteira econômica. Cumpre atentar, no entanto, em que fronteira
econômica e demográfica não coincidem; a segunda está sempre mais adiantada.
Entre as duas fronteiras, há uma faixa de terra com as seguintes características:
baixa densidade demográfica e economia primordialmente voltada para a
sobrevivência, embora não possa ela ser caracterizada como uma economia
natural. Isto porque, secundariamente, dedicam-se os seus membros à venda
dos seus excedentes de produção, isto é, estes excedentes assumem valor de
troca no mercado. É essa faixa intermediária que constitui a frente de expansão.
Explica-se a formação dessa frente de expansão pelo fato de se instalar
na fronteira econômica um estado de insuficiência econômica, o qual, por
sua vez, origina-se no fato de ocorrer um aumento populacional,
desacom-panhado do necessário acréscimo de oportunidades de ganhar a vida. É assim
que a frente de expansão vem a se integrar na fronteira econômica; ela absorve
o excesso de população que a fronteira econômica não pode conter e produz
excedentes que se tornam mercadoria na economia de mercado.
Martins, ao contrário de Turner, não concebe fronteira como o limite
entre a civilização e a barbárie. Para ele a fronteira não é apenas um alargamento
dos limites geográficos em que se separa uma área a ser desbravada de outra em
que esse processo já se concretizou. A fronteira é a fronteira da humanidade
(Martins 1997, p. 162). Entende que o conceito de fronteira deve ser mais amplo,
ou seja, ele deve abarcar não somente as questões geográficas e econômicas,
mas, sobretudo, nele deve-se ressaltar o aspecto sociológico a relação de
convivência entre as categorias sociais que vivem na fronteira. Acredita ele que
um estudo sociológico sobre as relações que se estabelecem na fronteira, o
conflito social, seja o ponto mais valioso para se descrever e se explicar a fronteira
no Brasil, já que na fronteira se dá o encontro das duas frentes de ocupação
territorial: a frente de expansão e a frente pioneira, sendo que a origem do conflito
reside no interesse antagônico dos integrantes dessas duas frentes pela posse da
terra.
1.1.1 Proposições teóricas sobre o camponês
Julga-se necessário apresentar alguns conceitos, clássicos e neoclássicos,
dos teóricos que analisaram a questão agrária, enfocando também suas hipóteses
sobre o destino do camponês em face da expansão do capitalismo no campo.
Buscam-se nessas leituras elementos que ajudem a compreender a questão
agrária brasileira, porém, sem perder de vista as peculiaridades achadiças em
nosso campesinato.
da desintegração do campesinato. Partiu ele das estatísticas elaboradas pelos
zemstvos, os quais eram formas de auto-administração local sob a égide da
nobreza, instituídos em 1864, nas províncias centrais da Rússia czarista. Estas
estatísticas recolhiam dados dos estabelecimentos agrícolas, visando cotejar os
níveis de tributação que lhes seriam impostos.
Foram esses recenseamentos elaborados por estatísticos populistas que
trabalhavam nesse órgão, marxistas com posturas fortemente nacionalistas, os
quais, acreditavam que a Rússia feudal poderia tornar-se socialista sem passar
pelo sistema capitalista. Lênin, entretanto, era contrário a esse pensamento, pois,
somente a adoção do sistema capitalista daria as condições necessárias para
que a Rússia alcançasse o desenvolvimento tecnológico.
Daí a desconfiança de Lênin a respeito de tais dados, já que
classi-ficavam os estabelecimentos camponeses de acordo com a área semeada, o
que não permitia julgar com precisão a economia de cada grupo. Entretanto,
percebeu ele, em detalhada análise, que era visível a desigualdade na distribuição
da área semeada, pois esses dados revelavam grande heterogeneidade no
campesinato russo.
[...] 2/5 da totalidade dos estabelecimentos (cerca de 3/10 da população, detém cerca de 1/8 da superfície semeada elas pertencem ao grupo pobre, que semeia pouco e é incapaz de satisfazer as suas necessidades com suas rendas agrícolas. O grupo médio envolve igualmente cerca de 2/5 dos estabele-cimentos: a renda que extrai da terra permite-lhe cobrir suas despesas médias [...]. Finalmente, vem o campesinato rico (cerca de 1/5 dos estabelecimentos e 3/10 da população), detendo mais da metade das semeaduras [...]. (Lênin, 1982, p. 36)
Como se disse acima, os estatísticos e economistas populistas avaliavam
e classificavam a produção agrícola de acordo com as dimensões dos lotes,
simplificação metodológica que escamoteava a notável desigualdade existente
no campo. Para comprovar essa diferenciação, Lênin aliou o tamanho das glebas
aos meios de produção, isto é, ao número de ferramentas e de animais de tração
de cada uma dessas categorias. Dessa forma percebeu que esses fatores
contribuíam para o processo de diferenciação das categorias, já que os meios
de produção e as terras estavam concentradas nas mãos dos
kulaks
, campesinato
rico, proporcionando-lhes um maior índice de produtividade nas áreas
incorporadas à agricultura e pecuária, em detrimento dos camponeses pobres e
médios.
Mostrava-se a agricultura russa bastante articulada com o sistema
capitalista. Fato que se evidenciava pela crescente necessidade dos camponeses
ricos de expandir seus domínios territoriais, seja por meio de compra, seja através
de arrendamento de terras, destinadas ao plantio, o que os obrigava a recorrerem
à mão-de-obra assalariada, papel para o qual estavam disponíveis os camponeses
pobres, cuja renda agrícola era insuficiente para cobrir suas despesas mínimas.
Observamos aqui o processo de formação do mercado interno tal como aparece na teoria da produção capitalista: o mercado interno cresce, de um lado, graças à transformação em mercadoria do produto da agricultura mercantil empresarial, e de outro, graças à transformação em mercadoria da força de trabalho vendida pelo camponês pobre. (Lênin, 1892, p. 36)
O sistema capitalista intensificou-se no campo e suscitou a concorrência
entre os agricultores abastados na disputa pelo mercado consumidor e
conseqüentemente a disputa pela posse da terra. Foi notório seu efeito, ou seja,
a expulsão do campesinato pobre e médio do meio rural.
[...] os camponeses ricos investem o seu capital tanto na agricultura (compra e aluguel de terras, emprego de operários, aperfei-çoamento de instrumentos etc.) quanto nas empresas industriais, no comércio e na usura o capital comercial e o capital industrial estão intimamente ligados e a predominância de um ou de outro depende unicamente das condições do ambiente. (Lênin, 1982, p. 88)
Lênin não percebeu antagonismo entre o sistema capitalista e a
sociedade camponesa. Essa ajustava-se ao sistema na medida em que
gradualmente abandonava a produção simples, de base familiar com a troca do
excedente no mercado, para uma produção especificamente capitalista, ou seja,
apoiada na compra da força de trabalho, visando extrair a mais-valia, isto é, o
lucro.
Pressupôs ele que estaria em curso o processo de desintegração do
campesinato russo e que tal processo se difundiria em outros países. O camponês
que não se adaptasse à dinâmica do capital estaria fadado ao desaparecimento,
em outras palavras, a proletarização do camponês pobre era iminente. Também
o camponês médio estava sujeito a essa condição, caso não se inserisse no bojo
dessas transformações econômicas e sociais Essa desintegração é hoje um fato
consumado e que o campesinato dividiu-se complemente em grupos opostos
(Lênin, 1982, p. 121).
Alexander Chayanov, socialista, foi o grande representante da Escola
da Organização da Produção, da qual participavam alguns economistas
agrícolas e engenheiros agrônomos movidos pelo interesse em ajudar os
camponeses a lidar com a terra e com isso melhorar a qualidade e a
produtividade agrícola.
sistemas econômicos, chegando a publicar um trabalho sobre o tema. Partiu
sua tese do pressuposto de que a economia clássica não conseguia apreender
os fenômenos econômicos em sua integridade, já que os analisava sob a ótica
capitalista, neles só enxergando as categorias daquele sistema: preço, capital,
salário, juros e renda. As formas econômicas destituídas desses traços capitalistas
não tinham interesse científico, eram julgadas pouco relevantes, de pouca
influência sobre as questões básicas da moderna economia, não apresentando,
portanto interesse teórico. Seu destino último não poderia ser outro que a extinção
pura e simples.
Aceitava a tese da presença dominante do capital financeiro e mercantil
nas transações no comércio mundial e a sua importância na organização
econômica de todos os continentes. No campo teórico, entretanto, fez restrição
ao seu emprego generalizado em outros fenômenos econômicos.
Não conseguiremos progredir no pensamento econômico unicamente com as categorias capitalistas, pois uma área muito vasta da vida econômica (a maior parte da esfera de produção agrária) baseia-se, não em uma forma capitalista, mas numa forma inteiramente diferente, de unidade econômica familiar não assalariada. (Chayanov, 1981, p. 134)
Segundo ele, a unidade econômica familiar apresenta características
singulares. Nela não existe a categoria salário, visando sua produção à
manutenção das condições básicas da sobrevivência. Para cada necessidade
familiar é necessário prover, em cada unidade econômica, o produto in natura
qualitativamente correspondente (Chayanov, 1981, p. 136).
Constatou Chayanov, em suas observações sobre a estrutura interna da
unidade de produção familiar, que ela possuía características bastante distintas
da economia capitalista, já que os membros da família executavam o trabalho
na exploração agrícola e se utilizavam dos seus próprios meios de produção, as
ferramentas e outros instrumentos necessários. E esse esforço empregado no
espaço de um ano lhes proporcionava, por ocasião da colheita, recompensa
desse empenho. Podia uma parte dessa produção ser trocada no comércio local,
se a família após um balanço interno desejasse fazê-lo.
O camponês ou artesão que dirige sua própria empresa sem trabalho pago recebe, como resultado de um ano de trabalho, uma quantidade de produtos que, depois de trocada no mercado, representa o produto bruto de sua unidade econômica. Deste produto bruto devemos deduzir uma soma correspondente ao dispêndio material necessário no transcurso do ano; resta-nos então o acréscimo em valor dos bens materiais que a família adquiriu com seu trabalho durante o ano ou, para dizê-lo de outra maneira, o produto de seu trabalho. Este produto do trabalho familiar é a única categoria de renda possível, para uma unidade de trabalho familiar camponesa ou artesanal. (Chayanov, 1981, p. 138)
Verificou ele, diante dessas comparações, que a diferença entre os dois
sistemas mostrava-se clara devido à inexistência da categoria salário na unidade
de produção familiar. Conseqüentemente o lucro também não existia. Assim é
impossível aplicar o cálculo capitalista do lucro (Chayanov, 1981, p. 138).
Porém, essas categorias, na economia capitalista, estão de tal modo interligadas
que a ausência de uma delas desmantelaria o modo de produção capitalista.
Enquanto não se atingir o equilíbrio entre os dois elementos (ou seja, enquanto a penosidade do trabalho for subjetivamente estimada inferior à importância das necessidades que o trabalho suportado satisfaz), a família que trabalha sem utilizar trabalho pago tem todo tipo de motivos para prosseguir em sua atividade econômica. (Chayanov, 1981, p. 139)
Verdade é que anualmente realiza-se no interior da unidade de produção
familiar camponesa esse balanço sobre o resultado da colheita. No caso de uma
vantajosa safra que lhes possibilite a manutenção ou uma melhora na qualidade
de vida, podem eles optar pela continuidade do trabalho exaustivo ou pelo seu
abrandamento.
Chayanov adverte que o equilíbrio econômico e social, tão almejado
nestas unidades de produção familiar não ocorre de forma homogênea. Há que
levar em conta algumas circunstâncias próprias de cada unidade, isto é, sua
proximidade aos mercados, o tamanho de cada família e a qualidade do solo.
Se a unidade estiver próxima dos mercados, será mais fácil a venda ou a troca
dos produtos com menos esforço. O tamanho da família determinará o número
de horas que se destinará à faina agrícola. Se a família for numerosa com a
maioria de seus integrantes aptos ao trabalho, certamente atingirá com sucesso
a meta de consumo e com menor emprego de trabalho. Porém, se a situação for
inversa, ou seja, se for escasso o número dos capacitados para a atividade, vê-se
claro que a produtividade decairá, o que vai exigir ampliação da jornada de
trabalho para que se atinja o equilíbrio interno da unidade.
[...] A exploração familiar tem que utilizar a situação de mercado e as condições naturais, de maneira tal que lhe permitam proporcionar um equilíbrio interno para a família, juntamente com o mais elevado nível de bem-estar possível. Isto se consegue introduzindo na estrutura orgânica da granja uma aplicação de trabalho que prometa o mais elevado rendimento possível por unidade de trabalho. (Chayanov, 1981, p. 139-140)
capacidade de criar estratégias e mecanismos de autodefesa, com o objetivo
último de evitar a proletarização, mesmo que para isso precisasse se valer do
mecanismo da auto-exploração e do racionamento de alimentos dos membros.
Ricardo Abramovay (1998) realizou importante estudo acerca da
Questão Agrária. Penetrou a fundo nas concepções teóricas dos clássicos
marxistas, dos populistas e dos neoclássicos e firmou a tese de que as unidades
de produção de base familiar com produção e produtividade elevadas, hoje
achadiças nos países capitalistas, são de fato descendentes diretas do campesinato
tradicional, mas acabaram por dele se desligar inteiramente.
Predomina nessas unidades de produção de base familiar um dinâmico
aparato tecnológico, disso resultando significativos índices de produtividade.
Revelam elas uma estrutura bastante diferente das unidades de produção familiar
camponesa tradicionais. A produção tradicional organizava-se com uma certa
independência, ou seja, sua produção não estava em última instância
subordinada ao mercado, mas sim, voltada para as necessidades internas do
grupo familiar. Já a unidade de produção de base familiar está complemente
articulada com o mercado. Rege-se segundo as políticas públicas dos Estados
Capitalistas, que as subsidia com o intuito de baratear os preços dos alimentos
para que os assalariados urbanos tenham condições de comprar mais produtos
industrializados.
Afirmou ele que os teóricos marxistas não perceberam a lógica própria
da economia camponesa. É impossível encontrar uma questão agrária
formulada explicitamente nos escritos de Marx (Abramovay, 1998, p. 31). O
pensamento de Marx está marcado pela concepção acerca da vida social, que
resultaria na formação e na coexistência de duas classes antagônicas, a burguesia
e o proletariado urbano.
A partir de tal concepção os teóricos clássicos marxistas ortodoxos
sentenciaram que a categoria camponesa passaria por um processo de
diferenciação e depois estaria destinada à eliminação pura e simples. Afirmou
ele que tanto a obra clássica de Lênin O Desenvolvimento do Capitalismo na
Rússia, quanto à obra de Karl Kaustsky A Questão Agrária, apresentavam
notadamente traços mais políticos do que científicos.
Abramovay faz uma ressalva bastante cuidadosa a respeito dessas teses
sobre o desaparecimento do campesinato. Levou em consideração o contexto
político e ideológico no qual esses teóricos estavam socialmente envolvidos.
Afirma que tais proposições são irrelevantes para se compreender a singular
sociedade camponesa. Esclarece que os marxistas ortodoxos, críticos do sistema
capitalista, não conseguiram enxergar outras categorias econômicas que não
estivessem estreitamente vinculadas ao sistema capitalista.
Refere-se ele à obra de Chayanov com particular singularidade, já que
o estudo foi fundamentalmente importante para a compreensão da estrutura
econômica interna e do comportamento do campesinato. Chayanov norteou
suas observações sobre as unidades de produção familiar valendo-se de
categorias econômicas impróprias ao capitalismo; procurou apreendê-las sob
uma ótica interna, captando sua essência, isto é, o conjunto de relações sociais
que regiam tais unidades de produção familiar camponesa: o modo de vida
singular do camponês, os aspectos culturais e o significativo relacionamento
familiar.
O problema que preocupava Chayanov é hoje de grande atualidade nas ciências sociais como um todo: não se pode compreender o campesinato imputando-lhe categorias que não correspondem as suas formas de vida. Embora a unidade de produção camponesa lide com trabalho, bens de produção e terra, disso não decorre a presunção de que ela gera salário, lucro e renda da terra. (Abramovay, 1998, p. 58)
consumo. Entretanto, acrescenta que esta análise não explicou as relações
econômicas externas destas unidades de produção familiar com o comércio.
Em outras palavras, tratou tais unidades de produção familiar como se fossem
entidades autônomas e isoladas. Não percebeu ele, que a crescente penetração
do capitalismo no campo, geraria uma maior integração dos camponeses com
os mercados, e isso inevitavelmente provocaria uma sensível mudança no interior
destas unidades, tanto na forma de vida dos camponeses quanto no modo de
produzirem.
Segundo Abramovay, no século XX, mais precisamente na década de
60, os teóricos neoclássicos: Theodore Schultz, Lipton, Mellor, Sen e Nakagima
retomaram os conceitos de Chayanov, buscando neles elementos que lhes
indicassem os principais fatores determinantes das escolhas econômicas dos
agricultores.
A obra de Theodore Schultz (1964), teve grande influência na formação
acadêmica dos economistas dos países do Terceiro Mundo. Entendia ele que a
busca da maximização dos lucros, estava presente tanto na empresa agrícola
capitalista, quanto na agricultura tradicional. Afirmou que o baixo índice de
produtividade na agricultura tradicional não era resultado da mera inércia dos
agricultores. O verdadeiro motivo desta baixa produtividade encontrava-se nos
recursos disponíveis para o agricultor. Ora, somente com a terra, trabalho, adubo
orgânico e instrumentos rudimentares, não se poderia atingir um alto grau de
rendimento. Esses agricultores tradicionais não tinham aversão ao uso das práticas
e métodos modernos. Só não os utilizavam por absoluta falta de condições.
Julgava ele que a atuação do Estado era de fundamental importância
para o desenvolvimento do setor agrário, cabendo-lhe estimular a aquisição de
implementos agrícolas, com o objetivo de modernizar o setor, ora através de
uma política de créditos, ora pela implantação de centros de pesquisas, que
aperfeiçoassem as técnicas de plantio.
cria um outro problema, pois a grande maioria dos agricultores não teria acesso
a tais técnicas e implementos modernos. É bem possível, nesse sentido, que o
preço da transformação da agricultura tradicional seja o sacrifício social de
uma grande quantidade de agricultores tradicionais (Abramovay, 1998, p. 84).
Michael Lipton percebeu no comportamento econômico do agricultor
tradicional, uma forte aversão aos riscos. Em outras palavras, a sua principal
meta é a sobrevivência da família. Diante disso, sua postura econômica não
pode assemelhar-se a de uma empresa agrícola moderna, já que não dispõe dos
mesmos recursos técnicos e financeiros. Esclarece ele que o agricultor tradicional
trabalha mediante uma estimativa prévia, isto é, suas despesas com o plantio
não podem ultrapassar a receita obtida com o resultado da colheita. Além disso,
alerta que os rigores das variações climáticas, muita ou pouca chuva,
drasticamente comprometeriam a colheita do agricultor tradicional que
geralmente não possui outra fonte de renda. Porém se tal desfecho acontecesse
numa empresa agrícola moderna não acarretaria tamanho infortúnio, deixaria
apenas de obter uma grande margem de lucro.
Lipton ressaltou também que a dificuldade na obtenção de informações
sobre a cotação de preços no mercado impossibilitaria o agricultor tradicional
de alcançar a maximização de lucros prevista na tese de Schultz.
Já os teóricos Mellor, Sen e Nakagima buscaram, na essência do
pensamento de Chayanov, o equilíbrio entre o trabalho e as necessidades de
consumo no interior da unidade de produção familiar como base para
apreenderem a estrutura econômica dos agricultores tradicionais no século XX.
Observaram esses economistas, no interior da unidade agrícola
tradicional, outro elemento importante, a aversão a penosidade do trabalho.
Em outras palavras, no conceito de Chayanov: o camponês era movido pela
necessidade de assegurar ou manter sua sobrevivência. Então, lançava-se
desmedidamente ao trabalho, visando alcançar e garantir suas necessidades
básicas. Porém, atingida tal meta de consumo, podiam eles optar pela
continuidade do trabalho árduo, ou pelo seu abrandamento.
alimentam grandes sonhos de consumo, contentando-se assim com esta renda
mínima. Para ele, a única maneira de reverter esse quadro estático, no interior
da unidade agrícola tradicional, seria a adoção de técnicas e de meios de
produção de elevada tecnologia. No dizer de Abramovay: Suas conclusões
práticas, portanto, aproximam-no assim das teses schultzianas (Abramovay,
1998, p. 94).
Já o economista Sen lança um olhar um tanto receoso para as propostas
de modernização nas atividades agrícolas tradicionais, visto que essas medidas,
no seu entendimento, podem não assegurar a esses agricultores nem ganhos
sociais, nem tão pouco econômicos. Para ele, talvez o agricultor tradicional
obtenha melhores resultados mantendo a sua singular maneira de produzir.
É de notar em Nakagima uma severa crítica a solução de Mellor. Entende
ele que a introdução brusca de alta tecnologia nas práticas habituais dos
agricultores tradicionais teria efeito contraproducente, provocando no agricultor
um agudo sentimento de pobreza. Assim, o que Nakagima preconiza é uma
modernização gradual que o camponês possa facilmente assimilar.
pedaço de terra o sustento de sua família. Por essa razão, o nosso camponês
não é enraizado. Ao contrário, o camponês brasileiro é desenraizado é migrante,
é itinerante. A história dos camponeses-posseiros é uma história de
perambulação (Martins, 1995, p. 17)
Outra importante contribuição de Martins é a discussão sobre o emprego
dos termos: campesinato, camponês, latifúndio e latifundiário. Explica que a
adjunção desses termos ao nosso vocabulário ocorreu por volta de 1960, por
intelectuais da esquerda. Apoiaram-se nessas designações para exprimir um
fenômeno corriqueiro em nosso país, sobretudo, na década de 50 do século
passado, a luta dos trabalhadores no campo. Antes da introdução destes termos
o camponês era conhecido por outras denominações, conforme a região onde
se encontrava: caipira, caiçara, tabaréu e caboclo, sendo corrente em Porangatu
o nome beroso,
2conforme constatei em minha pesquisa. Isto também é válido
para o latifundiário que em algumas localidades era chamado de: estancieiro,
fazendeiro, senhor de engenho e seringalista.
Essas novas palavras camponês e latifundiários são palavras políticas, que procuram expressar a unidade das respectivas situações de classe e, sobretudo, que procuram dar unidade às lutas dos camponeses. Não são, portanto meras palavras. Estão enraizadas numa concepção da História, das lutas políticas e dos confrontos entre as classes sociais. (Martins, 1995, p. 22)
Acrescenta ainda Martins que o termo camponês, de visível cunho
político, apresenta algumas nuanças em sua conotação, ou seja, sugere também
local de moradia, ocupação profissional e a oposição entre a cidade e o campo.
E, além disso, pretende indicar o destino histórico do nosso camponês. Nesse
particular, Martins estende sua crítica, fazendo ver à impropriedade do transplante
da concepção de camponês de uma realidade vivida na Rússia no crepúsculo
do século XIX e começo do século XX para enquadrar a situação e as lutas no
meio rural brasileiro, já em meados do século XX.
Na verdade, foi Caio Prado Júnior quem primeiro levantou esta discussão
sobre a inadequação dessa concepção política de camponês, extraída da
realidade russa, para explicar a situação agrária brasileira. Não percebeu ele
nenhuma semelhança ente elas, argumentando que no caso agrário brasileiro
existia no campo, a figura dominante do fazendeiro que era um capitalista. Já na
Rússia prevalecia a figura do senhor feudal e as conhecidas relações feudais ou
semifeudais, ou seja, relações de parceria e de arrendamento, que para ele
assemelhavam-se ao trabalho assalariado.
Martins contesta essa formulação, alegando que ela expressa mais uma
questão de cunho político do que propriamente uma questão teórica. E diz ainda,
que é fundamental perceber as condições sociais características das diferentes
classes, assim como não se pode desprezar suas determinações singulares.
Embora o fazendeiro fosse, e é ainda, um negociante, um produtor de mercadorias, embora não seja um rentista, é também um proprietário de terra. Ou seja, o seu lucro inclui a renda da terra. Nessa condição, ele se distingue do burguês clássico, do mesmo modo que se distingue do senhor feudal. (Martins, 1995, p. 23-24)
Martins considera anacronismo histórico estabelecer semelhanças entre
a agricultura capitalista e a agricultura capitalista. Já que na agricultura
pré-capitalista a propriedade da terra garantia ao senhor feudal o direito de extrair a
renda da terra,
3e tal renda era paga pelo camponês, não havia intermediários,
em outras palavras, o camponês para cultivar a terra pagava uma renda, seja
através da entrega de parte de sua safra, seja através de trabalho gratuito nas
terras do seu senhor, ou ainda, em dinheiro. Esse pagamento tem o caráter de
um tributo pessoal de cada trabalhador ao senhor das terras; ele é claramente
deduzido da produção do trabalhador. É o trabalhador quem paga a renda
(Martins, 1995, p. 163). Ao passo que na agricultura capitalista, sobretudo, com
o avanço do capitalismo no campo, a terra adquiriu valor, isto é, passou a ser
uma mercadoria com preços fixados pelo mercado imobiliário, tornando-se,
assim, um objeto de compra, de venda e de aluguel. Por isso, o proprietário
somente poderá extrair a renda de suas terras quando o capital lhe pagar pela
sua utilização. A renda da terra na agricultura capitalista apresenta sua
especificidade, o tributo é cotizado entre a sociedade, ou seja, toda a sociedade
paga para que uma só classe mantenha o direito sobre a propriedade da terra.
Entretanto, na realidade agrária brasileira existe a figura do posseiro que
inviabiliza a extração da renda da terra, ou melhor, sua presença fere um dos
princípios fundamentais do sistema capitalista que é a propriedade privada da
terra. O posseiro não compra a terra, ele a ocupa, por isso, não existe a extração
da renda da terra, já que essa extração se confirma com a compra da terra ou
com o seu arrendamento. Dessa forma, o posseiro ao ocupar a terra não
reconhece a propriedade privada da terra.
Como já se disse linhas atrás, Martins reclama, com vigor, da falta de
clareza de um conceito teórico que estabeleça o lugar político e social do
camponês
4em nosso processo histórico. Ele de fato atua nesse processo e se
esforça para que sua luta pelo direito à terra seja reconhecida pela nossa
sociedade, porém, essa luta é vista como desnecessária, ou seja, ele é visto como
um sujeito que viola as leis estabelecidas pela sociedade, ou melhor, ele quer
apoderar-se de uma terra que não comprou. Em suma, ele esta à margem da
sociedade e, é por isso, que é excluído.
O escamoteamento conceitual é produto necessário, a forma necessária e eloqüente da definição do modo como o camponês tem tomado parte no processo histórico brasileiro como um excluído, um inferior, um ausente que ele realmente é: ausente na apropriação dos resultados objetivos do seu trabalho, que aparece como se fosse desnecessário, de um lado, e alheio, de outro lado. (Martins, 1995, p. 25)
Na verdade, essa exclusão revela-se ideológica, na medida em que se
ocultam as lutas dos camponeses pela posse da terra, ou seja, a maior parte da
sociedade desconhece a existência desses conflitos sociais no campo, fato, que
também, se evidencia no meio acadêmico, onde somente uma pequena parcela
mostra conhecimento desses eventos. Portanto, esses conflitos sociais marcaram,
e ainda marcam, nosso processo histórico. Haja vista os conflitos sociais: Guerra
do Constestado,
5A Guerra de Canudos,
6a Revolta de Formoso
7e Trombas, e
também o movimento ocorrido em Porangatu.
8No entender de Martins estes
conflitos têm a sua importância minimizada, pelo fato de nossos intelectuais
privilegiarem a história das lutas urbanas.
O protagonista da história que se vai narrar, isto é, o posseiro, encontra
a melhor explicação de seu comportamento econômico em Chayanov, tanto é
verdade que à unidade de produção do posseiro,
9ou seja, à sua posse, não se
pode aplicar as categorias econômicas do sistema capitalista: capital, salário,
lucro, renda da terra, etc. Já a situação social desse posseiro e a sua luta para
permanecer na terra está melhor explicada nas observações de José de Souza
Martins.
Esta é a tese que, neste trabalho, pretende-se sustentar mediante o
desenvolvimento de pesquisa específica, cotejando informações colhidas nos
trabalhos de campo e gabinete com este referencial teórico que se julga
apropriado para explicar esses eventos.
5. A Guerra do Contestado foi travada por camponeses que resistiram à usurpação de suas terras. Ocorreu no sul do país no período de 1912/1916.
6. A Guerra de Canudos também foi empreendida por camponeses no interior do sertão baiano entre 1896/1897.
7. A Revolta de Formoso e Trombas ocorreu no Norte de Goiás no período de 1953/1960. Os posseiros resistiam ao esbulho de suas terras.
8. Ocorreu também no norte de Goiás entre 1958 e 1963.
1.1.2 A economia brasileira no pós 30
A economia brasileira pós 30 caminhava para a diversificação, procurava
novas alternativas capazes de desenvolver um sistema interno auto-suficiente,
que fugisse da monocultura exportadora e da vulnerabilidade às oscilações do
mercado internacional. É então que surge o Estado Novo como instrumento
condutor desse processo, instituindo a política da Marcha para o Oeste,
propondo o desenvolvimento da nação, entendido como a ocupação dos
vazios demográficos, a defesa do território nacional e o crescimento e
diversificação da agricultura.
Após o movimento de 30, o poder público passou a intervir sistematicamente nas diferentes esferas que compunham a vida social. No âmbito econômico e institucional, criou mecanismos que proporcionaram o ajustamento da economia goiana ao novo padrão de acumulação que estava sendo implantado no país. (Borges, 1996, p. 40)
No final deste período histórico, o setor industrial, em fase dinâmica,
concentrava-se no sudeste do país, comandando a economia nacional; ao passo
que, o setor agrário continuava com seu modo tradicional de produzir, revelando
suas limitações diante da crescente demanda de produtos alimentícios para o
abastecimento do mercado interno.
E aqui importa ressaltar que até então todo o processo de acumulação
de capital tinha fulcro nas exportações, principalmente do café. Era a exportação
desse produto que gerava a acumulação do capital nacional, isto é, a geração
de divisas se realizava no exterior, com o processo ligado quase que somente ao
número de sacas de café vendidas no mercado internacional.
Com o desenvolvimento industrial da região
10Centro-Sul, centralizado
em São Paulo, buscou-se corrigir tal situação, buscou-se alcançar que a produção
do valor se concretizasse internamente, o que seria impossível sem a criação de
mecanismos institucionais e financeiros conducentes à expansão da industria
nacional.
Entre esses mecanismos, Francisco de Oliveira destaca a nascente
legislação trabalhista,
11que regulamentou as relações entre o capital e o trabalho.
Passou então a força de trabalho a ser uma mercadoria de preços nivelados,
tendo estes preços como referência essencial o custo de vida básico para a
reprodução da força de trabalho do operário, já que os trabalhadores passaram
a receber o mínimo necessário à sua sobrevivência, sem ônus para os custos da
acumulação do capital.
Com preços uniformizados, guardando diferenças regionais, dissolvendo o dualismo que tendia a formar-se entre os distintos mercados de trabalho; persistiam diferenças regionais, diferenças entre a cidade e campo, mas isso está muito longe do dualismo; a referência básica passou a ser o custo de reprodução da força de trabalho, e as gradações no mercado urbano da força de trabalho partiam do mínimo de subsistência necessário à reprodução. (Oliveira, 1993, p. 74)
Outra medida significativa para a criação de uma economia nacional
foi a extinção das barreiras alfandegárias que vigiam entre os Estados. Criou-se
também o Imposto de Consumo que, taxando todos os bens produzidos em
território nacional, retirou dos Estados o poder de estabelecer leis sobre o comércio
exterior.
Estava-se, em verdade, em presença da implantação de um projeto de estado nacional unificado, em sua forma política, que recobria a realidade de uma expansão capitalista que tendia a ser hegemônica; voltada agora para uma produção de valor cuja realização era, sobretudo de caráter interno, podia a mesma impor
ao conjunto do território nacional o seu eqüivalente geral: essa imposição do eqüivalente geral criava o espaço econômico capitalista nacional unificado. (Oliveira, 1993, p. 75)
Cumpre também lembrar que a aliança entre o Estado e a burguesia
industrial foi importante fator nesse processo de industrialização nacional. Coube
ao Estado adotar medidas institucionais e aplicar recursos financeiros capazes
de incrementar o processo. Em suma, o Estado financiou a industrialização no
Centro-Sul não só criando mecanismos políticos institucionais, mas também
mediante a ação suplementar que, como Estado em sentido restrito imprimia a
seus gastos: estradas de rodagem que tornavam fisicamente possível a circulação
nacional das mercadorias produzidas no Centro-Sul (Oliveira, 1993, p. 75).
Assinala Oliveira que este notório apoio do Estado à burguesia industrial fazia
parte de uma política econômica mais ampla, ou seja, para se criar uma economia
nacional, tendo como base a indústria nacional, era preciso a conjugação de
interesses políticos e econômicos tanto do setor industrial quanto das oligarquias
agrárias. Ora, o setor industrial em fase de implantação necessitava da economia
agroexportadora para reprodução do seu capital, isto é, as divisas necessárias
para a importação dos bens para a indústria continuavam a ser, sobretudo,
advindas da realização externa do produto da economia agroexportadora
(Oliveira, 1993, p. 84).
Entretanto, essa conjugação entre os dois setores não eliminava a posição
de subordinação do setor agrário em relação ao setor industrial. Na fase de
consolidação industrial o setor agrário, mesmo em face de sua tradicional forma
de produzir, possibilitou o avanço industrial. Porém, quando o setor industrial
se impôs ao conjunto da economia nacional, exigiu que o setor agrário redefinisse
a forma de reprodução do seu capital.
Verdade é que esse conjunto de medidas implementadas para alavancar
o setor industrial não pode ser atribuído a um planejamento próprio do Estado.
Em outras palavras, o Estado somente o realizou porque foi cooptado pelas formas
capitalistas de produção. A região do café passa a ser a região da indústria:
São Paulo é o centro, o Rio de Janeiro seu subcentro, Minas Gerais e o Paraná
seus limites e a expansão da fronteira dessa região começa a capturar os espaços
vazios do Centro-Oeste (Oliveira, 1993, p. 37).
Foi neste contexto histórico, político e econômico que Vargas propôs
uma nova articulação, ou melhor, uma maior integração entre o setor industrial
e o setor agrário, abrindo novas fronteiras econômicas. Portanto, a industrialização
do Sudeste suscitou a expansão da fronteira agrícola no país.
Este alargamento das fronteiras estimulou a integração entre as diferentes
regiões e, aqui em Goiás, recebeu apoio de Pedro Ludovico. A expansão da
fronteira agrícola em Goiás ocorreu em consonância com as transformações
estruturais na economia do Sudeste do país (Borges, 2000, p. 71).
Segundo Amado, a região do norte do Estado de Goiás até a década de
40, era considerada uma área distante e de difícil acesso. Entretanto, nesse mesmo
período passou para a condição de nova fronteira do Brasil (Amado, s/d, p. 9).
Porém, é necessário ponderar que esta nova fronteira dispunha de grandes áreas
de terras pertencentes ao Estado, ou seja, terras devolutas.
Foi nesse cenário político, social e econômico que se promoveu
campanha de divulgação nacional através do rádio, oferecendo terras aos
trabalhadores rurais: Lavrador sem terra, venha para Goiás, trabalhar na sua
terra doada pelo governo. Lavrador que não tem terra deve vir para Goiás, só
não vem quem não quer trabalhar e ter o que é seu. (Carneiro, 1988, p. 80).
Mas, a campanha não esclarecia que a prometida doação de terras, restringia-se
apenas a uma área de colonização, a Colônia Agrícola Nacional de Goiás
CANG.
1212. Previu-se a instalação da CANG à margem esquerda do Rio das Almas. A doação das terras efetuada pelo decreto estadual no 3.704 de 4/11/1940, sendo retificada e ratificada pelo decreto n. 403 de
Não obstante, essa campanha publicitária atraiu enorme contingente
migratório, que logo esgotou a capacidade de assentamento da CANG. Basta
citar que em 1953 a população da colônia alcançou cerca de 36 mil habitantes.
Na década de 50, a economia goiana era essencialmente agrária. As
regiões sul e sudeste, densamente povoadas, já estavam integradas à economia
nacional, escoando-se sua produção por estradas de ferro. O sudoeste goiano
mantinha estreitos laços comerciais com o Triângulo Mineiro, através das estradas
de rodagem que ligavam os dois estados. Já na região norte, a população escassa
se espalhava por imensas áreas de terras devolutas.
Neste mesmo período, o preço da terra em Goiás apresentava sensíveis
variações, resultado da diversa fertilidade do solo e da maior ou menor
facilidade de escoamento da produção.
No final dos anos 50 os terrenos mais valorizados encontravam-se no sudoeste e no Mato Grosso Goiano, encontravam-seja pelo valor dos rebanhos, seja pelo maior aporte de capital com o início da mecanização das lavouras ou mesmo pelo fechamento da fronteira agrícola nessas regiões. As terras menos valorizadas encontravam-se no Norte do Estado, onde a fronteira agrícola permanecia aberta e as terras devolutas eram abundantes e de fácil acesso. (Borges, 2000, p. 136)
1.1.3 A criação da nova fronteira: A Marcha para o Oeste
Amado entende que a política da Marcha para o Oeste, defendida por
Vargas, tinha dois objetivos bem definidos, colonizar e incorporar a região norte
do Estado, com suas imensas áreas de terras devolutas, à economia nacional. A
colonização serviria para absorver o excedente populacional dos grandes centros
industriais; e a incorporação dessas novas áreas agrícolas reforçaria a produção
de alimentos para a região industrializada do sudeste do país, ajudando a
sustentar a política de industrialização promovida na mesma época pelo governo
federal (Amado, s/d, p. 8).
Para Dayrell, a Colônia não cumpriu o seu principal objetivo que era
fixar o trabalhador rural na terra e proporcionar-lhe as condições necessárias
para o desenvolvimento da pequena propriedade familiar. No seu entender,
entretanto, a colônia, do ponto de vista capitalista, serviu como base para o
avanço da fronteira em direção ao norte do estado.
Ceres foi uma conquista desta marcha, um ponto a mais na expansão do sistema econômico brasileiro, criando um centro produtor significativo e abrindo uma nova região para o domínio econômico dos grandes proprietários e comerciantes. Transfor-mou-se num suporte físico e demográfico do avanço para o norte. (Dayrell, 1974, p. 143)
também que a política trabalhista desse governo pouco fez de concreto pela
massa de trabalhadores rurais, afirmando que toda a exploração sofrida pelo
trabalhador rural foi camuflada na mesma proporção em que a propaganda
política de Vargas ressaltava as conquistas trabalhistas do proletariado urbano.
Diz ainda, que a orientação das correntes migratórias em direção a ocupação
de novas fronteiras territoriais tinha objetivos políticos, isto é, tal orientação
ajudaria a amenizar as tensões sociais nos grandes centros urbanos, como
também dificultaria a ocupação das terras devolutas pelos posseiros, já que a
intenção era criar o novo trabalhador rural brasileiro, ordeiro, produtivo,
voltado para o lucro, distante do seu meio natural, da sua tradição e do seu
passado (Lenharo, 1986, p. 14).
Quanto ao estabelecimento das Colônias Agrícolas Nacionais, julga
ele que foram idealizadas como entidades autônomas, visando o abastecimento
do mercado nacional de produtos agropecuários e hortigranjeiros. Edificadas
no ermo, representavam elas um conjunto de peças importantes que serviria de
suporte para a conquista do Oeste e da Amazônia e funcionariam como
cidades-industriais:
13Essa ênfase no auto-abastecimento pode ser detectada também nas indústrias que se planejava instalar, paulatinamente: beneficiamento de gêneros alimentícios, serrarias, olarias, usinas de açúcar e álcool, e fontes de abastecimento energético. A organização do auto-abastecimento era pensada estrategi-camente como uma etapa inicial a ser superada quando a colônia se firmasse e tendesse a irradiar-se pelas áreas próximas. (Lenharo, 1986, p. 48)
Entende Lenharo que o Estado Novo não alcançou o retorno que
esperava do investimento político na colonização da Amazônia e do
Centro-Oeste. Mas, atenuou a crítica ao dizer que não se pode subestimar o mérito
desse projeto político, já que ele serviu de apoio para a ocupação e à expansão
da fronteira econômica.
Acrescentou ainda que a falta de estradas de rodagem, aliada às parcas
verbas do governo federal comprometeu o bom desempenho do projeto.
Somente a Colônia do Pará contava com vias de acesso, pois dispunha de via
fluvial. Já as outras, incluindo a de Goiás eram desprovidas desses recursos,
indispensáveis para alcançar os resultados alardeados pela propaganda política
do Estado Novo. No caso específico da CANG-Colônia Agrícola Nacional de
Goiás, ressaltou que desde o início houve venda indireta, transferência,
alienação e permuta de lotes (Lenharo, 1986, p. 56). Implicaram tais
circunstâncias num aumento substancial das grandes propriedades em detrimento
das pequenas unidades de produção familiar, já que a implantação da colônia
estimulou uma acentuada valorização das terras, atraindo para o local investidores
que compravam ou se apropriavam das pequenas glebas dos colonos. A
passagem do modo de ocupação dirigida para a forma de ocupação econômica
transformou as relações sociais desta área. O colono, que antes detinha a posse
da terra, em alguns casos, passou a ser assalariado. Dessa forma, o jeito de
gerar e acumular capital manteve-se, portanto, vitorioso (Lenharo, 1986, p. 57).
Duarte (1999) também abordou esse tema, focalizando algumas
interpretações concernentes à questão agrária brasileira no período pós 30 e as
comparou com os resultados das políticas públicas estabelecidas em Goiás.Essas
interpretações alegam que não ocorreram transformações relevantes do regime
de propriedade da terra no país. Isto porque o pacto político firmado entre a
burguesia industrial e o setor agrário tradicional no pós 30 teria minimizado as
possibilidades do projeto desenvolvimentista de Vargas, ou seja, obstruiu o plano
institucional de reforma agrária no Brasil.
políticos de Vargas e os seus discursos, ela julga que os programas de
colonização varguista ganharam realidade na medida em que encaminharam e
acomodaram os fluxos migratórios. E ressalta que: O trabalhador rural foi não
apenas temática nos discursos de Vargas, mas sujeito nos projetos concretizados
através da ação da Marcha para Oeste (Duarte, 1999, p. 38,39).
Verdade é que, em estudo recente, os historiadores Francisco Carlos
Teixeira da Silva e Maria Yedda Linhares abriram a discussão sobre a propalada
exclusão do trabalhador do campo dos projetos de Vargas. Alegaram que o
acordo político firmado entre as oligarquias agrárias e a burguesia industrial
deixou Vargas numa situação política muito instável, já que a base de sustentação
do seu governo alicerçava-se nesse acordo. Por isso, Vargas não pôde estender
os benefícios da legislação trabalhista para o campo. Preferiu primeiro fortalecer
esta política trabalhista nos centros urbanos, para depois aplicá-la ao campo.
Evidentemente, travar dois combates simultâneos (a organização do trabalho fabril e a libertação do trabalhador rural das peias do plantacionismo) não era um projeto político desejado. Mesmo dotado de ampla autonomia, o novo Estado deveria evitar contrariar tantos interesses ao mesmo tempo. A opção lógica era construir uma base urbana e fabril, vivenciar os estrangulamentos da nova regulação e, a partir das cidades, conquistar o campo. (Linhares e Silva, 1999, p. 111)
Acrescenta Duarte que a CANG foi relevante para o Estado de Goiás,
ao promover a ruptura dos entraves que impediam o desenvolvimento
econômico regional.
A abertura de estradas e a atração de mão-de-obra viabilizaram a implantação de empresas portadoras de capital. De certa forma, essa movimentação da Marcha para o Oeste respondeu aos anseios de políticos e intelectuais, que faziam uma leitura da história de Goiás como sendo marcada pelo atraso. (Duarte, 1999, p. 66)
de Jaraguá, dando origem à cidade de Rialma, à margem esquerda do Rio das
Almas.Lotes e casas foram distribuídos de graça, inicialmente a título precário
(Duarte, 1999, p. 62). Assim, as propostas da Marcha para o Oeste não se
restringiram apenas à edificação da CANG, mas promoveram também o
desenvolvimento e a integração regional. A CANG foi, em Goiás, um ponto
avançado nesse processo de articulação de regiões mais despovoadas. (Duarte,
1999, p. 66).
Borges (2000) analisou a economia goiana e sua inserção no mercado
nacional no período de 1930-1960. Para ele a propaganda oficial sobre a
implantação da Colônia alcançou todo o país e seduziu um considerável número
de famílias pobres de lavradores rumo a fronteira em Goiás. Além disso, a
ideologia do governo Vargas, visando a movimentação demográfica em direção
ao Oeste, intensificou o mito da conquista da fronteira: criando a imagem de
unificação nacional e de criação do Novo Brasil (Borges, 2000, p. 77).
Considerou ele que as metas estabelecidas para o funcionamento da
CANG não foram realizadas. Propunha-se o programa a conceder auxílio
financeiro e suporte técnico para a modernização da produção agrícola regional,
mas a falta de verbas do governo federal o inviabilizou. Além disso, já no início
dos anos 50, a Colônia foi engolida pelo latifúndio. Porque a partir deste
período, tanto o assentado como o pequeno produtor passaram a se defrontar
com uma sucessão de mudanças, isto é, uma crise econômica e financeira que
os conduziu à completa ruína.
Por um lado, ele era pressionado pela especulação comercial e financeira que se apropriava do excedente econômico que ele produzia. Por outro, era acossado pela especulação imobiliária que, com a valorização das terras, atraía para a região grileiros e grandes fazendeiros. (Borges, 2000, p. 78).
nacional, o que influenciou decisivamente a sociedade goiana e alguns políticos
que durante muitos anos acalentaram o sonho de ver o Estado de Goiás integrado
à cena política e econômica nacional.
O estabelecimento da ditadura de Vargas fortaleceu o governo estadual e o interventor Pedro Ludovico pôde, então, implementar uma nova política, com ênfase na racionalização administrativa do Estado e na construção do progresso para Goiás. Essa política resultou na concretização das propostas de colonização, segundo a orientação nacional, e no incremento às obras de construção da nova capital para o Estado, condição fundamental para a integração de Goiás à Nação brasileira. (Pereira, 2002, p. 48)
Acresce ainda que a construção de Goiânia já estava prevista no projeto
político da Marcha para o Oeste. A mais nova Capital, cravada no cerrado
Goiano, representava a efetivação do discurso nacionalista, ou seja, uma nova
era.O Brasil civilizado, a partir da integração de suas regiões, pretendia marchar,
a passos largos, rumo ao progresso e à civilização, rompendo definitivamente,
com o passado de inferioridade diante do mundo civilizado (Pereira, 2002, p.
52).
2.1 Primeiro momento da ocupação das terras devolutas no norte de
Goiás: Frente de expansão: os posseiros
A expansão da fronteira em direção ao norte de Goiás originou-se da
instituição da Colônia Agrícola Nacional de Goiás-CANG, da construção da
rodovia Belém-Brasília e da nova capital federal.
De forma que teremos dois momentos distintos, nesse processo de
ocupação das terras devolutas no norte de Goiás. Efetivou-se o primeiro momento
com a criação da CANG, ou seja, com os lavradores pobres oriundos de várias
partes do país que não conseguiram estabelecer-se nas glebas da colônia nem
tampouco em suas adjacências. Esta primeira fase de ocupação definiremos como
frente de expansão. Concretizou-se o segundo momento dessa ocupação com
a construção da rodovia Belém-Brasília e de Brasília. De sorte que
conceituaremos a chegada dos novos migrantes, os grileiros e fazendeiros como
frente pioneira. Portanto, trabalharemos com esses dois conceitos teóricos
metodológicos que foram tão bem delineados por José de Souza Martins e que
melhor representam esses dois momentos da ocupação. Assim, o encontro dessas
duas frentes: à frente de expansão e a frente pioneira desencadeou o conflito
pela posse da terra no norte goiano.
Porangatu, Formoso e Trombas, que compunham o antigo município
de Uruaçu, já possuíam na segunda metade do século XVIII uma escassa
população, que gravitava em torno de uma pequena e efêmera mineração de
ouro, a qual logo se esgotou e, ainda no fim do mesmo século, cedeu lugar à
agricultura de subsistência e à pecuária extensiva.
A região central de Goiás foi aberta pela primeira vez à colonização no século XVIII, quando se tornou um centro mineiro menor, organizado em torno de alguns povoados. Vários minera-dores que para lá então se dirigiam requereram títulos de sesma-rias à Coroa portuguesa, mas muito poucos obtiveram os registros definitivos: a corrida do ouro foi tão breve nessa parte de Goiás que a maioria dos mineiros abandonou o local antes mesmo de obter os títulos ou a confirmação deles. As terras não ocupadas ou confirmadas voltaram à propriedade do Estado, na qualidade de terras devolutas, e nessa mesma situação permaneciam ao final da década de 40: nesses duzentos anos a região havia sido tão isolada que ninguém realmente se interessou em adquirir lotes ali. (Amado, s/d, p. 9)
Foi ali, em Trombas, Formoso e Porangatu, nessas imensas extensões
de terras devolutas situadas à margem esquerda do rio Santa Tereza, afluente do
Tocantins, que, já no século XX, mais precisamente no final da década de 40,
chegaram as grandes levas de migrantes, provenientes da CANG, Bahia, Piauí,
Maranhão, Paraíba, etc. Eram os posseiros que ali se iam estabelecendo.
Lavradores
14não incorporados à CANG e que não conseguiram
fixar-se nas áreas limítrofes, isto é, em Rialma, começaram a deixar esfixar-se local em
busca de terras devolutas no norte goiano, ou em busca de trabalho em centros
urbanos. Dessa mudança de rumo das correntes migratórias dá testemunho o
depoimento seguinte:
[...] eu vim de Minas. Nós somos de uma família grande, 12 filhos. Fomos para Ceres procurar um lote, o lote não saiu e subimos a Estrada Federal e fomos pra Formoso. Lá sim tinha muita terra devoluta, era só chegar, cercar e trabalhar. (Carneiro, 1988, p. 96)