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“Posseiro e grileiro não se confundem, não se parecem, não se

relacionam um com o outro. Antes se negam, se excluem, se repulsam mutua-

mente”. O posseiro quer e precisa da terra para morar, trabalhar e retirar dela o

sustento de sua família. O grileiro quer a terra como reserva de valor e dela se

apropria mediante mecanismos ilegais e fraudulentos em beneficio próprio.

O grileiro chegou à região para buscar na terra nada menos que seu

rápido enriquecimento e disposto a esmagar todo aquele que se atravessasse no

seu caminho. Ora, esses oponentes existiam, não eram poucos e se tinham

firmemente enraizado nas mesmas terras cobiçadas pelos grileiros. Eram os

posseiros.

Experimentado em situações conflituosas como essa, o grileiro de pronto

esquematizou sua ação: urgia obter os títulos de propriedade das terras ocupadas

e depois exibi-los aos posseiros, exigindo que se retirassem da “terra alheia”. Em

caso de recusa, empregar a “força necessária”. Para concretizar a primeira

aspiração, muito se valeram das falcatruas usadas em todos os tempos: falsificação

de documentos, ações judiciais comandadas pela chicana, conivência e até

cooperação de tabeliães, prefeitos, promotores e juízes.

O “grileiro”, uma figura que se tornou muito comum na história rural brasileira nos últimos cem anos aproximadamente: esse é o homem que se assenhoreia de uma terra que não é sua, sabendo que não tem direito a ela, e através de meios escusos, suborno e falsificação de documentos, obtém finalmente os papéis oficiais que o habilitam a vender a terra a fazendeiros e empresários. (Martins, 1995, p. 103-104)

Adulterava-se qualquer documento que pudesse provar que as terras

ocupadas pelos posseiros não pertenciam ao Estado. Até sesmariase registros

paroquiais

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serviam a este fim. Em casos assim, de documentos muito antigos,

18. Segundo Alencar (1993 p. 58). Pelo Regulamento de 30 de janeiro de 1854, que diz respeito á aplicação da Lei de Terras de 1850, estabeleceu-se que todas as terras possuídas no território nacional, sob quaisquer títulos, seriam obrigadas a registro dentro dos prazos fixados pelos Presidentes das Províncias. Aos vigários de cada paróquia coube receber as declarações e anotá- las em livros especialmente abertos para tanto e depois remetê-los à Repartição Geral de Terras Públicas – daí o nome de “Registro Paroquial” dado a estes documentos.

era preciso dar aparência de velho aos papéis, o que se conseguia mediante

várias técnicas, uma delas era o emprego do limão. É o que relata o depoimento

seguinte do Prefeito de Porangatu, de 1961 a 1964, Moacir Ribeiro de Freitas:

[...] uma vez ele (referindo-se a um dos maiores grileiros do Brasil) foi à Porto Nacional, trouxe o livro do Cartório, passava limão e escrevia. Para parecer que o documento era de 1700, dois séculos atrás. (Depoimento, F. 01, 01/07/1998)

A origem do nome grileiro esta relacionada a outro método de

envelhecimento de documentos. Obtinha-se isso da seguinte forma: forrava-se

o fundo de uma caixa de papelão com papéis novos e sobre eles colocavam-se

alguns grilos confinados por um determinado período. O contato dos

excrementos dos grilos, com os papéis, por dias a fio, resultava na alteração da

cor deles, ou seja, esses papéis passavam a ter uma coloração amarelada. Devido

a está prática, largamente utilizada no Brasil, é que o falsificador de escrituras de

terras, passou a ser conhecido como grileiro

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em várias regiões brasileiras.

19. De acordo com os dicionários, Aurélio e Houaiss a palavra grileiro é uma composição de grilo+ eiro. Tal vocábulo é largamente utilizado nos seguintes estados: RJ, SP, GO e MT.

A grilagem de terras

Poucos sabem quem foi o personagem goiano responsável por uma

das maiores redes de grilagem de terras devolutas no Brasil. Nasceu ele em

Ipameri, foi registrado como João Inácio e lá viveu até os vinte e cinco anos. A

esta altura eram as atividades agro-pastoris seu único ganha-pão, e no tocante

aos estudos não passava ele do primário; era homem de poucas letras, já se vê.

Mas compensava esta deficiência com a sagacidade que lhe era peculiar.

Em 1948, mudou-se para Porangatu, casando-se com Aidée Arruda. Já

em 1949, era a localidade elevada a município. João Inácio tratou de filiar-se ao

diretório

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da UDN – União Democrática Nacional, recém-criado, imiscuiu-se

no meio político e conseguiu ser nomeado tabelião do Cartório do Primeiro

Ofício. Lá ficou durante todo este ano, saindo por questões políticas. Mas, logo

em seguida, passou a exercer o cargo de tabelião no Cartório do Segundo

Ofício,

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onde permaneceu até o ano de 1963.

João Inácio utilizou-se da função de serventuário desse cartório para

exercer outra atividade, paralela a essa e muito mais lucrativa, a de grileiro.

Começou, grilando terras em Porangatu, Trombas e Formoso. Depois aumentou

seu raio de ação, atuando em todo o país. “De grileiro provinciano, João Inácio

deu um enorme salto, passando a ocupar as paginas dos jornais, mesmo de

outros países (Jornal Folha de São Paulo, 28/01/1968)”.

20. Eram membros deste diretório: Francisco Borges, Tomé Rodrigues de Araújo, Ângelo Rosa de Moura, João Monteiro, Domingos Cardoso, Antonio Navarro de Abreu e Euzébio Martins da Cunha. 21. Conseguiu ser designado para o cartório do 2o Ofício no Governo de Pedro Ludovico.

Assim é que, com o húngaro, naturalizado brasileiro, Arpad Szuecs, o

americano, Stanley Amos Selig (ver anexo) e Sebastião Peixoto da Silveira formou

uma sociedade para grilagem de terras, especialmente no norte de Goiás.

O negócio prosperava rapidamente, e passou a contar com a

colaboração de profissionais: agrimensores, para alterar limites de terras; o

engenheiro Getúlio de Siqueira, que fabricava mapas (ver anexos), e advogados,

para orientação nas falcatruas. Griladas as terras, eram divididas em lotes de

500 a 200 acres, que eram então vendidos até nos Estados Unidos.

A atuação, sempre crescente, do bando acabou por repercutir na

Câmara dos Deputados, onde se instaurou uma CPI

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para apurá-la.

[...] a própria comissão de Investigação, criada anteriormente no Ministério da Justiça, e com essa única finalidade, ainda se julga longe do término dos seus trabalhos, sendo que os relatórios e informações que apresenta por ela mesma são classificados parciais.

Apesar disto, os dados obtidos pela CPI da Venda de Terras e os dados parciais enviados pelos diversos órgãos que acompanham o assunto permitiram formar um quadro que, apesar de incompleto, já indica a gravidade do problema e a seriedade com que o mesmo deve ser tratado.

Com os dados obtidos até o presente, pode ser apresentado: Pessoas ou grupos ligados à venda de terras a estrangeiros. Até o presente, foram levantados as seguintes pessoas, firmas ou grupos ligados à venda de terras a estrangeiros:

a) João Inácio-brasileiro, atualmente foragido. Criou pessoas fictícias com os nomes de Demétrio Bueno de Almeida, White Martins Ferreira Bueno e Samuel Utinga e usando estes nomes apropriou-se de vastas áreas nos Estados de Goiás, Mato Grosso, Bahia, Maranhão, Pará e Amazonas e nos territórios de Amapá e Roraima.

Associados a João Inácio são conhecidos no momento: Arpad Szuecs, húngaro naturalizado brasileiro; Osvaldo Barroso, 22. República Federativa do Brasil – Diário do Congresso Nacional. Seção I. CPI criada pela Resolução

solicitador, que teve sua carteira cassada; Sebastião Peixoto da Silveira, ex-prefeito de Itapaci; Advogado Alfredo Melo Rosa, comissário da polícia do Distrito Federal; Salomão Sermewinsk; advogado; Maria Tereza Barreira, escrivã de Ponte Alta do Norte e outros:

b) Stanley Amos Selig, The Investment American Co., The United American Co., Woruede Ivestment Inc., Peter Brown, Jack Munnaty e outros.

Neste grupo, cumpre ressaltar que Stanley Amos Selig, proprietário e chefe da d firma norte americana “Stanley Bros Real State Co”, desobedecendo a disposições legais brasileiras relativas à venda e divisão de loteamentos rurais, lesou mais de 3.000 compatriotas seus, vendendo-lhes ilegalmente terras, sendo que muitas delas inexistentes.

A má fé com que agia Stanley Amos Selig ficou perfeitamente constatada no seu depoimento perante esta Comissão Parlamentar de Inquérito, no depoimento do Senhor Ministro da Justiça e também no depoimento de diversos cidadãos norte-americanos por ele lesado, entre os quais os dos senhores George J. Pfeizer e Bois Melvin Smith. (Diário do Congresso, 12/06/1970, suplemento ao no 47, fl. 6-8)

É a grilagem de terras um trabalho que requer do grileiro muita paciência

e astúcia, vasculhando livros de cartórios e registros paroquiais, buscando

registros de terras e sesmarias, datados de cem, duzentos, trezentos ou mais anos

passados, cujos proprietários tivessem falecido sem deixar herdeiro.

Sabiam os grileiros que os antigos donos de sesmarias, para diminuir o

valor do imposto incidente sobre a área total de suas terras, as registravam com

extensão menor, não coincidindo, portanto, a área real com a constante nas

escrituras. Disso se aproveitava o grileiro, falsificando escrituras em que

especificava em alqueires a área real, diversa, portanto da que constava na

escritura original. Depois bastava, com a conivência do tabelião, registrar as

terras como propriedade de um membro da quadrilha ou de um “laranja”, e

estava consumada a fraude.

Havia outros expedientes também eficazes. O grileiro podia, por

exemplo, forjar uma certidão de nascimento de um herdeiro fictício de um antigo

proprietário ou sesmeiro já falecido, fazendo coincidirem, ou serem muito

parecidos, os sobrenomes dos dois implicados. Às vezes o grileiro identificava,

em suas buscas nos registros públicos, um proprietário que, falecido há algumas

décadas sem descendentes, deixara em suas terras alguns posseiros que vinham

há tempos trabalhando lá, os quais no entanto, por ignorância, não se valiam da

usucapião. Ao grileiro então, “bastava descobrir as terras a serem griladas e

confeccionar uma escritura falsa, que era diretamente registrada como legítima”

(Jornal Folha de São Paulo, 28/01/1969).

[...] quando não tinha os falsários a conivência de serventuários, arranjavam um papel velho, ou envelhecido artificialmente, no qual passavam a escritura, e em seguida, a registravam, iludindo os funcionários do cartório. Este caso é dos mais freqüentes na grilagem do grupo de João Inácio. (Jornal Folha de São Paulo, 29/ 01/68)

Contava João Inácio com o auxílio de informantes e agentes que

esquadrinhavam cartórios em todos os estados brasileiros. Um desses

colaboradores era Sebastião Peixoto da Silveira que era corretor de imóveis. Ele,

a mando de João Inácio, foi ao Estado do Pará procurar documentos de sesmarias

na Biblioteca do Arquivo Público de Belém.

[...] o inquirido declarou que: que veio a conhecer João Inácio, que no momento não se recorda se esse conhecimento se deu através de apresentação ou mesmo em negócios de terras devido o ramo de negócio do declarante naquela época ser corretagem de imóveis; que nesta época João Inácio exercia a função de Escrivão no Cartório de Imóveis de Porangatu, norte do Estado e sua residência era digo, constava como sendo em Goiânia, situada à rua cinco (5) cujo número o declarante não se recorda;que nunca manteve transações de imóveis com João Inácio; que por duas vezes o declarante atendendo ordens de João Inácio, dirigiu- se à Belém, a fim de conseguir certidões de várias Sesmarias cujo nome delas não se recorda, junto à Biblioteca do Arquivo

Público de Belém; que essas viagens se deram a dois anos e meio aproximadamente, sendo que a segunda se deu após dois meses após a primeira viagem; que o declarante obteve êxito nessas duas viagens, conseguindo trinta e poucas certidões, as quais foram entregues na mesma época, após regresso de sua viajem diretamente a João Inácio; com exceção apenas de duas outras certidões que foram apreendidas nesta data e cujas características encontram-se no laudo de apreensão; que não fez nenhuma viagem ao Estado do Amazonas a pedido de João Inácio, e sim apenas a referida capital do Estado do Pará, tendo demorado em sua primeira viagem mais ou menos quinze dias e na segunda mais ou menos oito dias aproximadamente, o motivo é o já explicado; que dessa viagem feita em Belém, para atender João Inácio apenas ganhou o valor de sua corretagem, sendo que para a primeira viagem ganhou quinhentos cruzeiros novos e na segunda, trezentos cruzeiros novos, não mantendo com João Inácio qualquer negócio sobre as áreas de terras referidas nas certidões de sesmarias, entregues a tal indivíduo; Que no Estado do Pará o declarante percorreu apenas Belém para conseguir as referidas certidões e que em outras cidades do mesmo Estado o declarante não compareceu a pedido de João Inácio. Que o gratificou com dois cruzeiros novos a mais por cada certidão a arquivista Odésia Pinagé da Rocha, da Biblioteca do Arquivo Público de Belém, com a finalidade exclusiva de andar mais depressa a expedição das certidões solicitadas; que o contato do declarante com essa funcionária se deu somente dentro da repartição; que o declarante não teve acompanhante nessas duas viagens que realizou à cidade de Belém. (Ministério da Justiça, 21/11/1969, fls 237/238)

Em Porangatu João Inácio grilou várias áreas de terras devolutas. Mas,

não atuava sozinho, contava com apoio das autoridades locais: o juiz, Dr. Silio

Rodrigues, Moacir Ribeiro de Freitas e Adelino Américo de Azevedo.

O município de Porangatu, em Goiás, transformou-se num dos maiores centros de grilagem de terras com a participação direta do próprio Juiz de Direito, Dr. Silio Rodrigues, que está à frente de um bando formado por autoridades, como Moacir Ribeiro de Freitas, Prefeito; Adelino Américo de Azevedo, presidente do PSD

local e juiz Municipal; João Inácio, titular do 2o ofício daquela cidade, além de outros, todos chefes de jagunços e capangas, que fazem imperar ali a lei da carabina. (Jornal Terra Livre, setembro de 1961)

De fato, achavam-se essas autoridades bastante comprometidas com a

grilagem. Porém, João Inácio era quem comandava a rede de fraudes. Grilou ele

as seguintes fazendas deste município: Bonsssucesso de Cima, Bonssucesso de

Baixo, Funil, Mutum, Pau-a-Pique, Serra de Campo, Picos de Cima, Picos de

Baixo e Lage (Processo n. 3010, fls. 27/28). E, acrescente-se ainda, a fazenda

Santo Antonio, mais conhecida na região como Serrinha, com cerca de 12 mil

alqueires goianos ou 60 mil hectares.

Moacir Ribeiro de Freitas, disse que conhecia João Inácio há muito

tempo. Acrescentou que ele era um grileiro superinteligente e que fazia tudo de

acordo com a “justiça”. “Ele me pelejou para colocar rico. Eu não fiquei rico

porque não quis. Ele falou pra mim, Moacir grilar terra é a coisa mais fácil que

existe; é um trem besta, não tem lógica para a gente pensar”. (Depoimento, F.

01, 07/07/1998).

João Inácio em depoimento ao Ministério da Justiça, em 14 de Novembro

de 1969, disse que:

[..]que não se recorda da data em que saiu do 2o Ofício, porém, tem uma idéia aproximada de que esse fato verificou-se em 1962 ou 1963; o declarante saiu desse cargo, cargo, porquanto vendeu o cartório para Luiz Alves Pereira, o qual faleceu num desastre em 1967; que Luiz Alves Pereira pagou ao declarante, pelo cartório, a quantia de três milhões de cruzeiros antigos, quantia essa que foi paga em prestações, sempre em dinheiro e em espécie; que não se recorda do montante das prestações, mas lembra-se de que a entrada foi de quinhentos cruzeiros novos; que, quando o declarante estava no 2o Ofício de Porangatu, tinha um rendimento, mensal, mínimo de cem mil cruzeiros antigos; que não tinha limite máximo, tendo havido meses em que o declarante tirava até seis milhões de cruzeiros antigos; que Luiz Alves Pereira não forneceu ao declarante nenhum recibo nem

qualquer documento comprobatório da compra do cartório; que o declarante permaneceu em Porangatu de julho de 1948 até 1962 ou 1963; que durante todo esse tempo, serviu nos cartórios de 1o e do 2o ofício, esclarecendo, que ao lado das suas atividades como serventuário do cartório, dedicou-se também, ao comércio de venda de terras, no período de 1950 a 1957; que, em 1958 comprou uma fazenda em Piracanjuba e, também, uma chácara perto de Goiânia, no atual município de Hidrolândia; que, enquanto, esteve em Porangatu, o declarante comprou partes ideais de diversas fazendas situadas em Porangatu; Fazenda Bonssucesso de Cima e fazenda Bonssucesso de Baixo, Funil, Mutum, Pau-a-Pique, Serra de Campo, Picos de Cima, Picos de Baixo e Lage; não se recorda de quanto custaram ao declarante essas partes ideais; que arenda obtida no cartório de Porangatu dava para as aquisições, sendo certo que todas as escrituras de compra e venda das mesmas foram lavradas no cartório de José Marques de Souza,23 em Porangatu; que mais tarde, o declarante vendeu essas fazendas. (Termo de depoimento, Ministério da Justiça, Processo no 3010, fls. 27/28)

É importante realçar três pontos nesse depoimento. Primeiro, João Inácio

nem sequer lembrou-se de quanto pagou pelas terras que ele próprio afirmou

ter comprado.Segundo, trata-se do período da aquisição dessas fazendas, 1950-

1957; vale lembrar que nessa época ocorreu uma grande valorização econômica

das terras situadas nesta região. Terceiro, refere-se a sua renda, ou seja, como

serventuário desse cartório conseguiu adquirir vários imóveis, evidenciando que

usou de meios ilícitos para obter esse patrimônio.

João Inácio voltou ao Ministério da Justiça, em Brasília, no dia 17/ 11/

1969 para retificar o depoimento do dia 14/11/1969, no qual afirmou que não

sabia valor recebido nas vendas de suas fazendas.

Aos dezessete dias do mês de novembro de mil novecentos e sessenta e nove (1969), neste Distrito Federal, no 4o andar do Bloco 10, Ministério da Justiça, onde reunida se encontrava a 23. Com a saída de João Inácio do cartório de 1o Ofício ele assumiu o cargo como titular. Foi vereador

Comissão de Terras, presente o Dr. Newton de Oliveira Quirino, Presidente da Comissão, comigo Secretário, adiante declarado, compareceu o Sr. João Inácio, já qualificado anteriormente, o qual declarou que desejava retificar dois tópicos do seu termo de declaração prestado a esta comissão, no dia 14 do corrente. Pelo Presidente da Comissão foi dito que fossem reduzidas a termo as retificações aludidas, o que foi feito, da seguinte maneira: que, com referência ao que o declarante, João Inácio, ganhava em Ipameri, junto com seus irmãos, em atividades agro-pastoris, tem a retificar o que ficou dito anteriormente para esclarecer que ganhava, na realidade, vinte mil cruzeiros antigos no mínimo, e poderia ganhar no máximo, cem mil cruzeiros antigos; que deseja retificar também o tópico em que se refere à venda de suas terras, Istoé, fazendas Bonssucesso décima, Bonssucesso de Baixo, Mutum, Pau-a-Pique, Serrade Campo, Picos de Cima Picos de Baixo, Lages e Funil; que o total auferido pela venda de todas essas terras deve ter atingido,aproximadamente vinte milhões de cruzeiros antigos e não o que ficou mencionado anteriormente. Nada mais havendo a tratar, mandou o Presidente da Comissão de Terras encerrar o presente termo que depois de ouvido e achado conforme, vai devidamente assinado pelo Presidente da Comissão, pelo declarante, pelas testemunhas Divaldo Uma da Rocha, patrulheiro 13-B e Joaquim da Silva, guarda de vigilância e por mim, secretário Wilson Rodrigues de Sousa. (Termo de retificações, Ministério da Justiça, 1969 fl. 47)

É de notar que ele, mais uma vez, utilizou-se de termos vagos para

explicar quanto apurou com a venda de suas fazendas. Referiu-se a uma quantia

aproximada, “deve ter atingido aproximadamente vinte milhões de cruzeiros”.

Vale lembrar que, na primeira declaração ele afirmou que não sabia quanto

havia recebido pela venda dessas fazendas “.

O certo é que em Porangatu a chicana revelou-se um instrumento eficaz

no esbulho das terras dos posseiros. É o que se vê nas linhas a seguir.

João Inácio grilou as fazendas: Funil e Santo Antonio (Serrinha),

utilizando-se de documentos de sesmarias, registrados em 1857 em nome do

português Joaquim Bernardo da Silva que morreu sem deixar herdeiros.

Descobriu ele que na fazenda Água Quente, município de Amaro Leite, morava

um certo Basílio Bernardo Fagundes. Forjou então, o parentesco entre Basílio

Bernardo e o sesmeiro português Joaquim Bernardo da Silva, passando assim, a

documentação dessas terras em nome desse morador. Entretanto, Basílio