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2.1 A CULTURA NO CONTEXTO DO ESTADO BRASILEIRO

2.1.5 A criação do Ministério da Cultura na volta da democracia

Quando o Ministério da Cultura (MinC) foi criado pelo Presidente José Sarney havia uma grande expectativa no meio cultural que, finalmente, o tratamento dado às artes e a cultura no Brasil alcançassem outro patamar. Inicialmente, o Presidente Sarney nomeou seu amigo José Aparecido de Oliveira, mas o primeiro titular da pasta deixou o cargo poucos meses depois de empossado para assumir o governo do Distrito Federal. Para substituí-lo foi convidada a atriz Fernanda Montenegro, num ato de grande reverberação midiática. Ocorre que Montenegro não aceitou e respondeu a sondagem através de uma carta tornada pública que, se transformaria um documento emblemático das expectativas e, em certa medida, dos temores que pautavam o contexto em que se deu a criação do MinC.

Comovida, feliz e honrada, veja a lembrança do nome de uma atriz para o Ministério da Cultura como uma conquista histórica, culturalmente falando. Recentemente, artistas deste país foram convocados para um grande futuro e uma grande mudança. As oposições políticas armaram palanques, esses mesmos artistas, preparando o espetáculo, ―esquentaram‖ as multidões nas praças, fortalecendo lideranças ainda não confiantes em si mesmas como comunicadores. Os artistas, cumprida sua missão, recuaram. [...] Cogitar um artista para um ministério é prova de amadurecimento

84 político deste país no seu todo. É um arejamento depois de tantos anos de asfixia. Pobre do país cujo governo despreza, hostiliza e fere seus artistas. Esse Brasil acabou. [...] Vejo o Ministério da Cultura como o cerne do atual governo. No meu entender, nenhum outro lhe é superior. Ele dará o tom da Nova República e, para não ser assim, melhor seria não tê-lo criado, permita-lhe dizer com todo o respeito e confiança. A participação nessa esfera não pode ser exercida num quadro de nostalgia, de perda ou de degredo [...].Diante da sondagem que me foi feita, repasso minha vida e, felizmente ou infelizmente, compreendo que o meu amor profundo para com o exercício do teatro ainda não foi esgotado. Ao contrário: está mais vivo do que nunca. Deixando agora o teatro, a sensação que eu teria seria a de uma vida inacabada. Creio firmemente que cada cidadão deva exercer sua arte ou seu trabalho em conformidade com a sua vocação. Estaria sendo leviana se, pensando desse modo, agisse de outro. Não é fácil dizer não. Não vejo que seja mais fácil decidir pelo teatro. Ou mais seguro. O teatro nunca foi fácil ou seguro. Mas é esse o meu lugar. [...] (MONTENEGRO in RITO, 1990, p. 213-215)

A campanha das Diretas Já13, que antecedeu a instauração da Nova República14, foi marcada fortemente pela presença dos artistas nos palcos-palanques, como citado no trecho da carta acima. Esse ambiente de proximidade entre os artistas e a aliança política que substituiu os generais, somado à pressão exercida pelo Fórum Nacional de Secretários de Cultura, demarcou o clima favorável à criação do MinC. Apesar dessa conjugação de forças favoráveis, o Ministério da Cultura não teve o respaldo correspondente para que se tornasse, minimamente, a entidade atuante e presente que as expectativas imaginavam. A fragilidade institucional que demarcou a primeira década de existência desse pode ser exemplificada na alta rotatividade de ocupantes do cargo de ministro. Somados os governos de José Sarney, Fernando Collor e Itamar Franco, foram nove ministros em dez anos, sendo que José Aparecido de Oliveira foi ministro duas vezes (RUBIM, 2007b, p.23).

Apesar das aspirações artísticas do Presidente Sarney, escritor e pintor bissexto conforme ele mesmo se referiu no artigo Incentivo à Cultura e sociedade industrial: ―Como todos aqui no Brasil sabem, a minha vida tem duas vertentes: a política e a literatura. A política foi, para mim, um destino, mas a literatura é, sem dúvida, a minha vocação‖ (SARNEY, 2000, p.29), tamanho engajamento declarado não se refletiu em

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Movimento político de grande mobilização popular que promoveu passeatas e comícios pedindo eleição direta para Presidente da República, tendo enfrentado grande resistência dos líderes do governo militar que preferia a manutenção por mais um período da eleição indireta (via colégio eleitoral). O projeto da eleição direta apresentado pelo Deputado Dante de Oliveira, eleito pelo MDB de Mato Grosso, foi derrotado no Congresso Nacional.

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Denominação dada à época para designar o novo momento político que emergia após a Ditadura Militar.

85 tratamento privilegiado e diferenciado para a pasta da Cultura. Como afirma Lia Calabre em Políticas Culturais no Brasil: Balanço & Perspectivas, a criação do MinC ―acabou por significar um menor aporte de recursos financeiros para a área. Diferente da educação, a cultura não conseguiu criar um fundo que não sofresse cortes orçamentários‖ (CALABRE, 2007, p.94).

Equipar a cultura com um perfil institucional destacado (criação do Ministério da Cultura) e criar mecanismos de fomento (Lei de Incentivo15) parecia ser suficiente para atender as demandas do segmento. Contudo, o orçamento precário de apenas 0,3%, além de ser irrisório, mal cobrindo as despesas de custeio e manutenção das instituições federais da área da cultura, era frequentemente contingenciado. Concentrados basicamente nos recursos obtidos a partir da aplicação da legislação de incentivo fiscal, os indicadores quantitativos tinham certa substância: durante o Governo Sarney, verificou-se um padrão estável de gastos com cultura entre 1985 e 1990, quando as taxas de gastos oscilaram de 197 a 208 milhões de reais.

Ainda que o processo de democratização, ocorrido a partir de 1985, tenha propiciado novas formas de participação social e de exercício da cidadania, com novos atores formulando novas demandas e estabelecendo paulatinamente novos espaços de interlocução, o acesso aos bens culturais e aos mecanismos de fomento permaneceu concentrado e restrito a setores historicamente mais articulados com o poder dominante, em parte pela ausência de um projeto estratégico por parte do MinC, em parte pela inexistência de mecanismos reguladores e de formas diferenciadas de financiamento.