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Mapa 6: PA Canarana Autor: Cartografia/INCRA/SR-27 Escala Aproximada 1: 70.000

1. Da conquista do território Kaiapó à privatização das terras realizada pela SUDAM no sul

1.5. A criação da SUDAM e os planos do Estado brasileiro para a Amazônia

A criação da SUDAM em 1966 surge do interesse do Estado brasileiro em relação ao desenvolvimento econômico – leia-se expansão das relações capitalistas de produção - na Amazônia. Já no ano de 1953, a partir da lei 1.806, foi criada a Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia (SPVEA) com objetivo expresso de “melhorar a produtividade do trabalho e melhor rendimento líquido” dos empreendimentos econômicos locais. Mas a principal tarefa desse órgão foi supervisionar a construção da Belém-Brasília. (SANTANA, 1995, p.64)

Com a ditadura militar iniciada em 1964, intensificaram-se o planejamento e as ações para impulsionar e expandir, por todas as regiões do país, as condições favoráveis para a expansão capitalista. Sob o signo da integração nacional e da diminuição das desigualdades econômicas regionais, diversos planos e órgãos executores foram criados no sentido de aparelhar o Estado, sempre com o intuito de “assegurar a viabilidade e a prosperidade do sistema econômico vigente na forma concebida pelos governantes” (IANNI, 1979, apud SANTANA, 1995, p. 256). Era a chamada “Operação Amazônia”, anunciada sempre sob o manto da retórica da manutenção da unidade nacional ao apontar os riscos que os desequilíbrios regionais poderiam trazer e os perigos de interesses estrangeiros ali se instalarem.

Tal política econômica visava, também, diminuir as tensões sociais provocadas em regiões como o Nordeste, sobretudo devido à manutenção da secular concentração de terras. A ascensão da organização dos trabalhadores nos anos 1950 – da qual as Ligas Camponesas e o movimento de Trombas e Formoso foram os exemplos mais simbólicos - que não cessou mesmo após a forte repressão às lideranças pela ditadura militar nos anos 1960, impôs, do ponto de vista do Estado autoritário que se estabelecia, determinada ação no sentido de impedir que conflitos sociais emergissem e pusessem em risco a concentração fundiária e o princípio da propriedade privada da terra. Nos cálculos dos governantes militares e seus asseclas civis havia, inclusive, o medo que tais conflitos superassem os limites da região nordeste (SADER, 1986, p. 32).

Subsídios creditícios, isenções fiscais, indução de investimentos e construção da infraestrutura necessária passaram a fazer parte da política econômica do governo federal para a Amazônia, que agiu no sentido de fornecer condições para que se fizessem os investimentos privados. É nesse contexto que surge a SUDAM. Criado pela lei nº 5.173, tal órgão foi de

33 fundamental importância para a tentativa de incorporação da região sul do Pará e, de maneira destacada, do município de Conceição do Araguaia, ao território capitalista brasileiro.

O que se tem visto sob o discurso do desenvolvimento regional é, na verdade, a utilização da Região como “válvula de escape”, como foco de atração para toda uma massa de trabalhadores rurais sem terras, que é estimulada a se deslocar rumo ao norte, na tentativa de minimizar a pressão social em áreas nas quais se consolidou um estrutura agrária que urge ser alterada. Finalmente, sob o discurso do desenvolvimento regional, o que se tem visto é toda uma parafernália de políticas de incentivo que acabam simplesmente se transformando em instrumentos de valorização do capital de alguns poucos grupos econômicos (SANTANA, 1995, p. 68).

No mesmo ano da criação da SUDAM, para viabilizar sua atuação, foi promulgada a Lei nº 5174, uma verdadeira dádiva do governo federal para as empresas capitalistas. O instrumento legal previa para as empresas que se instalassem na região “deduzirem até 50% do imposto devido ‘para inversões em projetos agrícolas, pecuários, industriais e de serviços [...] desde que localizados na Amazônia Legal e aprovados pela SUDAM’” 24 (SANTANA,

1995, p. 87).

A ideia básica de tal estratégia era a eliminação das chamadas “ilhas de civilização e progresso” existentes no país ou, em outros termos, a homogeneização da economia e sociedade do país, tendo como molde as formas sociais tipicamente capitalistas predominantes nos polos mais dinâmicos da economia do país, sobretudo no Centro-Sul, desconsiderando claramente as peculiaridades da economia e da organização social dos locais onde seriam realizados os investimentos e também não levando em conta as necessidades regionais.

Tais incentivos visavam facilitar a acumulação capitalista visto que “o Estado militar subsidiou o capital para recompensá-lo pelos prejuízos e irracionalidades decorrentes de sua imobilização improdutiva na aquisição de terras” (MARTINS, 1980, p. 83).

A propaganda para que empresários investissem na região amazônica era agressiva e prometia enormes facilidades. Com o título “Toque sua Boiada para o maior pasto do mundo” o governo civil-militar alardeava as vantagens dos investimentos na Amazônia em publicidade veiculada na Revista Realidade:

Na Amazônia a terra é barata, e sua fazenda pode ter todo o pasto que os bois precisam. Sem frio ou estiagem queimando o capim, o gado fica bonito

24 Os impostos devidos eram depositados no recém-criado Banco da Amazônia (BASA) e só liberados para

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de janeiro a dezembro. E, para ir para a Amazônia, você escolhe a ajuda que quiser. Com um projeto aprovado pela SUDAM, sua empresa recebe os incentivos fiscais de milhares de empresas de todo o país. E, com o financiamento agropecuário do Banco da Amazônia, você tem todo o apoio que precisa. (Revista Realidade apud SADER, 1986, p.38)

E foi justamente o município de Conceição do Araguaia o escolhido como foco principal para o início da atuação da SUDAM e da concessão de isenções fiscais e subsídios creditícios. Entre o ano de 1966 até a década de 1980 foram aprovados 34 projetos agropecuários a ser implantados no município do sul do Pará, abarcando uma área de 423.701 ha., com projetos variando entre 2.586 ha a 69.748 ha (SANTANA, 1995, p. 116), ou seja, todos destinados a grandes propriedades.

Dos projetos aprovados e com recursos liberados, apenas 24 foram considerados implantados pela SUDAM e estudos posteriores revelaram que apenas 16% da produção esperada foi realmente realizada (ONDETTI; WAMBERGUE; AFONSO, 2010, p. 260). Informação importante trazida por Santana (1995, p. 106) é que as sedes das empresas dos proponentes dos projetos eram todas de fora da região sul do Pará, tendo oito sede em Belém, duas sede em Goiânia e vinte e uma empresas sede em São Paulo, ratificando o discurso dos governantes de estender o “progresso” do Centro-Sul para outras regiões do país. Os discursos governamentais da época não se esforçavam para esconder o afã homogeneizador da proposta, a partir da expansão do modelo “paulista” de desenvolvimento:

São Paulo, que no início de nossa história contribuiu decisivamente para fixar os contornos de nossas fronteiras, está chamado agora a dar – com as máquinas de sua indústria, com a experiência de seus técnicos e com as pesquisas de seus cientistas – o grande impulso à Amazônia brasileira e ligá- la definitivamente ao sul e ao leste do país. (Magalhães Pinto, ministro das relações exteriores, apud SADER, 1986, p.33).

Dentre os projetos aprovados pela SUDAM estava fazenda Santa Maria da Canarana, pertencente ao grupo da família Gomes dos Reis e que, posteriormente, deu origem ao Projeto de Assentamento Canarana, objeto principal desse estudo. Essa família obteve ainda aprovação de projetos para nada menos do que seis de suas fazendas: Curral de Pedras, Maria Luíza, Bela Vista, Apertar da Hora e Fazenda Araguaia, todas convertidas posteriormente em assentamentos no município de Conceição do Araguaia. Quanto ao projeto da fazenda Canarana, que será analisado com mais detalhes no capítulo 5, vale aqui destacar que se destinava à plantação de cana-de-açúcar e de produção de etanol e, além da dedução de impostos de renda devidos, obteve ainda financiamento do Banco do Brasil para a sua

35 implantação. Houve declaração de falência poucos anos depois da obtenção dos créditos, tendo havido muito pouca produção efetiva, aliás, como a maioria dos projetos aprovados pela SUDAM e não apenas os pertencentes a esse grupo.

Mas quais seriam, de maneira geral, as consequências dos incentivos fornecidos pela SUDAM? Podemos destacar três: 1) um elevado crescimento demográfico produzido por uma forte migração vinda do Nordeste e do Centro-Oeste, provocando um aumento populacional espantoso no município de Conceição do Araguaia, com o número de habitantes saltando de 11.283 habitantes nos anos 1960 para 111.551 no início dos anos 1980. Em contrapartida foram criados apenas 1.056 empregos diretos nos projetos agropecuários, todos eles caracterizados pela produção extensiva de gado de corte ou por nem terem saído do papel, servindo como meio de especulação; 2) uma profunda reorganização das relações de produção, ao menos enquanto tais fazendas não foram reconquistadas pelo movimento de luta pela terra. As formas sociais de apropriação da terra foram radicalmente alteradas em poucos anos e toda a sociedade de Conceição do Araguaia e, de maneira geral, do sul do Pará, passaram por profundas transformações25; e 3) o crescimento vertiginoso dos conflitos pela

terra entre posseiros antigos e recentes, recém-migrados, contra os novos “proprietários” de terras recém-chegados que passaram a expulsá-los, assunto que trataremos com destaque no capítulo seguinte.

25 “Assim, em 1960-77 ocorre um amplo rearranjo das forças produtivas e das relações de produção. Em poucos

anos, o poder público e a grande empresa (apoiada pelo poder público) tornam-se os novos agentes da organização e do dinamismo da vida econômica, política e social do lugar. Em poucos anos conforma-se uma sociedade nova ali, sociedade essa na qual se articulam ou reintegram os componentes preexistentes, forças produtivas e relações de produção” (IANNI, 1978, p. 113).

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2. A longa construção de uma “cultura de ocupação”: a “tradição rebelde”