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Mapa 6: PA Canarana Autor: Cartografia/INCRA/SR-27 Escala Aproximada 1: 70.000

2. A longa construção de uma “cultura de ocupação”: a “tradição rebelde” da classe

2.5. A luta e os conflitos continuam no sul do Pará

Se o “movimento social de construção do campesinato paraense” começou há décadas e causando temor nos dirigentes militares nos anos 1970 e 1980, ainda hoje ele perturba a “Paz no Campo” do sul e sudeste do Pará com ações como ocupações de fazendas, ocupações de prédios públicos, retomadas de lotes concentrados em assentamentos feitas na marra, etc.45

As ocupações na região não arrefeceram tanto quanto em movimentos mais institucionalizados46. Houve recuos pontuais como no ano de 2009, com nenhuma ocupação

no município de Conceição do Araguaia, mas este pode ser considerado um ano atípico devido a um fator importante: houve desmobilização temporária da Liga dos Camponeses Pobres do Araguaia Tocantins (LCP), um dos movimentos que mais atuou nos últimos anos. No final de 2009, o Sr. Luís Lopes, principal liderança da LCP na região, foi assassinado, e outro líder importante, o Sr. Genival, foi ameaçado seriamente de morte, o que o fez deixar de participar mais diretamente da organização. O mesmo ocorreu com outras lideranças, desorganizando bastante o movimento. No entanto, em Santa Maria das Barreiras, um município vizinho à Conceição do Araguaia, houve duas ocupações importantes integrando 550 famílias, nesse mesmo ano de 200947.

45 “Paz no Campo” – foi o nome de uma operação militaresca realizada no ano de 2007 em várias fazendas do

sul do Pará na qual foram envolvidas a polícia militar do Pará, a polícia federal e a Delegacia de Conflitos Agrários (DECA) de Redenção. Realizada para atender ao clamor dos latifundiários e da bancada ruralista que pressionavam inclusive para que houvesse uma intervenção federal no Pará devido ao fato do governo Ana Júlia não cumprir mandados de reintegração de posse. Cedendo à pressão, o governo estadual coordenou tal operação. Houve muitos protestos por parte dos camponeses e seus movimentos, acusando as forças policiais de truculência e desrespeito aos direitos humanos.

46 Ariovaldo Umbelino OLIVEIRA (2007, p. 174) faz referência à diminuição da combatividade dos movimentos sociais no Brasil, sobretudo no que diz respeito ao MST: “Como conseqüência, ocorreu o refluxo das ações políticas da ocupação de terra e acampamentos pelos movimentos sociais. Aceitou-se a análise conjuntural de que ‘vivia-se um período de descenso das lutas de massa’. Por isso, em 2005 caiu o número de famílias nas ocupações de terra e na formação de novos acampamentos. É estranho observar a passividade da aceitação dessa realidade em um período de plena crise do agronegócio, e com ela, a nova tese de que ‘a luta contra o capital é mais importante que a luta pela terra’. A mudança do eixo gerou a derrota da reforma agrária no governo Lula sem que nada fosse feito, e, a vitória do agronegócio [...]”.

47 É importante uma observação esclarecedora em relação a esses dados da CPT: quando os dados se referem ao

número de famílias não significa que todas elas participaram da ocupação ou permaneceram na área. Sobretudo naquelas situações de conflito mais intenso, no qual os posseiros são impedidos de demarcar seu lote e começar

55 Dados oficiais da Ouvidoria Agrária Regional de Marabá que presta assistência aos acampados demonstram a continuidade da luta. Os números da Tabela 3, referente às fazendas que estavam ocupadas e ao número de famílias integrantes dos acampamentos em setembro de 2012 demonstram um contingente significativo em busca de terra para o trabalho.

Tabela 3 - Número de Fazendas ocupadas e de famílias ocupantes, na área de jurisdição da SR (27), da Unidade Avançada de Conceição do Araguaia e no município de Conceição do Araguaia, em setembro de 2012. Jurisdição da Superintendência Regional de Marabá Jurisdição Unidade Avançada de Conceição do Araguaia Município de Conceição do Araguaia

Fazendas Famílias Fazendas Famílias Fazendas Famílias

111 8.356 33 2.021 12 507

Fonte: Sistema de Famílias Acampadas (SIFA)/OAR/MDA. Org. Marcelo Terence

Mas não são apenas as ocupações que continuam. A violência dos proprietários e seus aliados também. Para se ter uma ideia, no ano de 2010, só na fazenda Vale do Rio Cristalino (fazenda que pertenceu à empresa Volkswagen nos anos 1970 e 1980), situada nos municípios de Santa Maria das Barreiras e Santana do Araguaia, a CPT denuncia que

De maio a outubro de 2010, 04 trabalhadores rurais, cujos nomes constariam numa “lista” de marcados para morrer, foram assassinados na área ainda não desapropriada da Fazenda Cristalino, ocupada por cerca de 600 famílias desde 200848.

As vítimas foram: o lavrador Paulo Roberto Paim, morador do Retiro 5 da fazenda Cristalino, assassinado em 28 de maio de 2010, na estrada do Retiro 5; José Jacinto Gomes, conhecido como Zé Pretinho, posseiro do Retiro 7, encontrado morto na sua própria roça, com diversos hematomas no corpo em junho de 2010; em 22 de outubro de 2010 foi a vez de

Givaldo Vieira Lopes, morto por dois tiros quando estava andando sozinho, de motocicleta;

por fim, Lourival Coimbra Gomes, também conhecido por “Baiano”, cujo corpo foi encontrado no dia 24 de outubro de 2010 na sua própria casa, com a cabeça decepada49.

sua produção, ficando agrupados em acampamentos, normalmente não ficam todas famílias acampadas. Os integrantes das famílias se revezam, até porque têm que continuar trabalhando, posto que a assistência do governo é apenas composta por cestas básicas e sem nenhuma regularidade no seu fornecimento, como pude acompanhar quando trabalhei na Ouvidoria Agrária Regional na Superintendência Regional de Marabá do INCRA. Esse número de famílias, portanto, refere-se ao número fornecido pelas associações de pretendentes daquela terra, e dos que necessitam do fornecimento de cestas básicas.

48 Nota emitida pela CPT de Xinguara, 2010. 49 Idem.

56 Outro caso, também denunciado pela CPT de Xinguara, ao mesmo tempo que é exemplar e corriqueiro desse tipo de ação da polícia, choca por tratar-se de fato acontecido há poucos dias do final do ano 2011, ainda sob o governo estadual do Partido dos Trabalhadores, quando a impressão é estarmos lendo sobre um acontecimento dos anos 1970 ou 1980, em plena vigência dos desmandos ditatoriais no Brasil:

No dia 25 de dezembro, por volta do meio-dia, 7 (sete) homens encapuzados e fortemente armados despejaram 45 famílias do Acampamento São José, localizado na fazenda Cruzeiro Novo, distante 20 Km da Vila Alacilândia, no município de Conceição do Araguaia. A fazenda tem como suposto proprietário Milton Gomes de Oliveira, deputado estadual do Estado da Bahia. Embora o Juiz da Vara Agrária de Redenção, tenha concedido uma liminar, em 25 de novembro, em favor do fazendeiro, o grupo armado sequer esperou que o juiz determinasse a ida de um oficial de justiça ao acampamento, acompanhado de policiais militares para o devido cumprimento da ordem judicial, conforme determina a lei. De acordo com informações dos acampados, quem comandava ação ilegal eram: um capitão da Polícia Militar de nome “Seade” e um policial civil de nome “César”, ambos lotados em Conceição do Araguaia. As famílias foram expulsas para fora da fazenda e homens armados passaram a fazer vigilância na propriedade para impedir a volta dos trabalhadores.50

Feitas as observações acima sobre o fato descrito na nota da CPT, o que mais interessa com a narração destes acontecimentos é ressaltar a continuidade dessa luta feita por ocupações de terras em Conceição do Araguaia e em toda a região sul do Pará.