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Mapa 6: PA Canarana Autor: Cartografia/INCRA/SR-27 Escala Aproximada 1: 70.000

4. Mineração, pecuária e a alta no preço das terras no sul e sudeste do Pará: “E a terra virou

4.1. A nova pecuarização do sul do Pará: o caso da Agro-SB

Existem vários atrativos para se buscar o investimento no gado bovino. O principal deles, sem dúvida, sobretudo para empreendimentos com características capitalistas, é o retorno monetário rápido e generoso. De acordo com um pequeno fazendeiro de Conceição do Araguaia, ao ser perguntado sobre a rentabilidade da atividade pecuária, afirmou que, se o interessado tiver pastagens disponíveis para colocar o seu gado, “a pessoa praticamente dobra seu capital a cada dois anos”. (Sr. Abílio)91

Bezerros machos com oito meses de idade são comprados no mercado local por R$ 600,00. Quando completam a idade de três anos ou pouco mais, dependendo da qualidade do pasto e de cuidados como ração, sal mineral e hormônios, podem atingir um peso próximo a 18 arrobas, e assim serem vendidos por algo em torno de R$ 1530,00 ou R$ 85,00 a arroba92.

Uma valorização superior a 150%.

Também para aquele que investe em vacas de leite o ganho é semelhante, pois as mesmas são compradas por valores próximos a R$1.600,00. Parindo uma vez por ano, rendem por volta de R$ 450,00 com a venda da cria se for fêmea e R$ 600,00 se for macho. Ainda rendem de R$ 3,00 a R$ 4,00 por dia, cada uma, com a venda do leite a R$0,45 o litro. Enfim, quando mais velhas, ainda podem ser vendidas aos matadouros e açougues locais onde atingem a cotação de R$ 75,00 a arroba. Um dos comerciantes de gado bovino de Conceição do Araguaia que forneceu essas informações reiterou as informações do fazendeiro acima citado. Em suas palavras, “Não há melhor poupança do que o gado”. (Sr. Gustavo)93.

Não foram obtidos dados suficientes para que fosse possível compor uma série histórica do aumento do preço da carne no sul e sudeste do Pará. Se tomarmos como referência o preço da arroba da boi gordo em São Paulo, que atualmente é algo em torno de 10% mais caro que no sul e sudeste do Pará, constatamos, conforme o Gráfico 6, uma elevação de 255% nos últimos 15 anos, ainda que oscilando em alguns anos desse intervalo:

91 Informação verbal dada ao autor em 15/10/2012.

92 Todos os preços locais para o gado e a carne foram obtidos em conversas com fazendeiros e assentados da

região e se referem aos últimos meses de 2012.

100

Gráfico 6: Variação do preço da arroba do boi gordo, em reais, tendo como referência o preço de São Paulo entre os anos 1997 e 2012. Fonte: Cepea/Esalq/USP94. Org. Marcelo Terence.

Com os altos preços atingidos pela carne de boi é fácil encontrar em Conceição do Araguaia diversas categorias sociais que investem no gado, seja em suas terras ou alugadas, ou ainda colocando o gado “à meia”. São médicos, políticos, comerciantes, funcionários públicos – inclusive do INCRA – que, mesmo não possuindo a pecuária como sua atividade profissional, aplicam seus recursos na expectativa de um ganho rápido, seguro e de grande liquidez. Segundo o mesmo comerciante local de gado já citado acima “as pessoas ligam para comprar gado, a procura é grande o tempo todo” (Sr. Gustavo, 25/10/12).

Essa grande procura pelo gado têm proporcionado, nos últimos anos, um aumento significativo no rebanho bovino do sul e do sudeste paraense. Na microrregião de Conceição do Araguaia o total de cabeças de gado bovino teve um aumento substancial, passando de 815.345 em 1990 para 1.053.052 em 2000 e 1.432.299 em 2010 Na mesorregião do sudeste paraense, o rebanho bovino cresceu de 3.802.907 cabeças em 1990 para 6.991.753 cabeças no ano 2000 e 11.701.754 em 2010. (IBGE, 2006).

94 Disponível em http://cepea.esalq.usp.br/boi/, acesso em setembro de 2012.

R$ 0,00 R$ 20,00 R$ 40,00 R$ 60,00 R$ 80,00 R$ 100,00 R$ 120,00

Variação do preço da arroba do boi gordo, tendo

como referência o preço de São Paulo

101 Mesmo entre os pequenos produtores e entre os camponeses a pecuária tem importância de primeira ordem em relação à renda pelos mesmos, conforme demonstra a Tabela 7 que se refere aos principais produtos comercializados por pequenos produtores e camponeses do município de Conceição do Araguaia:

Tabela 7 - Valor total da produção (em mil reais), por tipo de produção, grupos de área até 200 ha, no município de Conceição do Araguaia, 2006.

Grupos de área (ha) Gado (venda de cabeças) Leite Horticultura Lavoura

temporária 0-20 336 65 29 223 20-50 2177 783 98 4065 50-100 2971 1068 25 2300 100-200 1754 346 9 1188 Total 7238 2262 162 7763

Fonte IBGE, Censo Agropecuário 2006. Org. Marcelo Terence.

Não são só os números que demonstram a importância econômica do gado bovino para o sudeste paraense. Em alguns municípios considerados centros de criação de gado, isso fica ainda mais evidente. Em viagem pela rodovia BR-155, no trecho que faz a ligação entre os municípios de Redenção e Xinguara, por exemplo, e principalmente na chegada a este último município, abundam os outdoors anunciando a realização de inúmeros leilões de gado bovino. Existem na região empresas especializadas em organizar esse tipo de eventos, nos quais reina soberana a estética country. Em um desses eventos mais famosos nos últimos anos, a Agropecuária Santa Bárbara (a Agro-SB), de propriedade do grupo Opportunity - do banqueiro Daniel Dantas - leiloou nada menos do que 10.000 (dez mil) bezerros machos em um só dia. Aliás, esse empreendimento agropecuário merece algumas palavras a mais, dada a sua atual importância na região e a algumas outras peculiaridades.

102

103 Depois da falência ou abandono dos grandes e “modernos” projetos financiados pela SUDAM, muitos dos empreendimentos agropecuários da região passaram a ser “tocados” em unidades de produção de médio porte, ou mesmo de grande porte, mas tendo a frente grupos familiares tradicionais ou já instalados há algumas décadas na região. Exemplos mais marcantes desse último tipo são as fazendas da família Mutran e da família Quagliatro.

Esses pecuaristas de médio e grande portes foram e ainda são responsáveis por um sem número de denúncias envolvendo todo tipo de irregularidades. Tais irregularidades envolvem igualmente fazendeiros de maior poder aquisitivo, absenteístas que apenas auferem os lucros e terceirizam a gestão das fazendas para os gerentes, como também aqueles pequenos fazendeiros mais ligados à terra, que pessoalmente conduzem os trabalhos de desmatamento e plantio do pasto e que normalmente investem todos os seus recursos com a formação da fazenda e com o gado95. Em ambos os casos são inúmeras as denúncias sobre o

desrespeito total pelas leis trabalhistas e ambientais. As denúncias e os flagrantes de “condições de trabalho análogas à escravidão”, como eufemisticamente trata a lei, foram frequentes nas últimas décadas. O desmatamento foi praticamente total, não se respeitando nem mesmo as de preservação permanente como matas ciliares e topos de morros, prova disso é a dificuldade do INCRA regularizar junto aos órgãos de fiscalização ambiental seus assentamentos criados nessas fazendas. Poderia ser argumentado que o caráter tradicionalista na maneira desses fazendeiros conduzirem seus negócios é que levaria às inúmeras irregularidades praticadas pelos mesmos e, na mesma linha das intenções declaradas da SUDAM e do Estatuto da Terra, que a entrada de empresas modernas, de grande porte, com estrutura e gestão mais profissional, poderiam atualizar as relações com o meio ambiente e a sociedade, trazendo finalmente benefícios para a região a partir da exploração capitalista da pecuária.

Novamente, como nos casos dos grandes projetos da SUDAM, coube à experiência concreta demonstrar o contrário, ou seja, que o grau de capitalização dos empreendimentos não possui nenhuma relação com o grau de respeito às noções de desenvolvimento sustentável ou com o cumprimento de normas legais ambientais e trabalhistas básicas do país.

95 Minha experiência de um ano e meio à frente da Ouvidoria Agrária Regional do INCRA Superintendência

Regional de Marabá me permite afirmar que são esses pequenos fazendeiros que mais frequentemente tem resistido com violência nas investidas do movimento de luta pela terra. Até por sua condição “aventureira” de arriscar toda sua poupança ao investir em gado e também pela sua presença física e de sua família nas fazendas, são esses pequenos fazendeiros, normalmente mineiros ou goianos, que mais violenta e diretamente reagem às ocupações ou às notícias de que a ocupação vai ocorrer, causando sérios conflitos, chegando a haver choques armados.

104 E aqui voltamos a tratar da Agropecuária Santa Bárbara que, no ano de 2005, começou suas operações no sul do Pará. Com estrutura empresarial na gestão dos negócios - suas fazendas, por exemplo, possuem três gerentes, um para o gado, um de pessoal e outro que gerencia as máquinas da propriedade – o discurso da empresa é de modernidade, “com gestão moderna e participativa”96. Atualmente a Agropecuária declara possuir 500 mil hectares de

terras e 500 mil cabeças de gado. O foco de sua produção também é propagandeado como estando baseado no melhoramento genético, criando assim, a partir do desenvolvimento técnico em unidade em Amparo (SP) e Uberlândia (MG), a raça Nelore Agro-SB. A mercadoria de venda da Agro-SB são os bezerros machos, sendo as fêmeas incorporadas ao rebanho para reprodução. As falas sobre a questão ambiental também exalam modernidade e respeito às leis ambientais: “O desafio de produzir alimentos no bioma da Amazônia é encarado pela Agro-SB com muita responsabilidade, respeitando a floresta, as áreas de preservação e as reservas legais.” Mas não é só isso: “O compromisso da Agro-SB não se resume ao meio ambiente. A empresa desenvolve programas de valorização dos colaboradores e suas famílias, além de oferecer educação com princípios de respeito às pessoas, às comunidades e à natureza”.

Quem sabe não são realmente essas as intenções do grupo agropecuário-financeiro? Se for assim, nem tudo está saindo como planejado. Desrespeito ao meio-ambiente, conflitos com sem-terra, denúncia de ilegalidade na apropriação das terras que ocupam, destruição de casas de assentados e ocupação irregular de terras de assentamentos estão entre as denúncias e fatos que vem manchando a aura de modernidade desse empreendimento.

O detalhamento de tais denúncias pode ajudar a visualizar como, mais uma vez, o moderno e o atraso andam juntos na sociedade brasileira, repetindo, para não irmos longe do nosso caso, alguns dos fatos ocorridos nos projetos da SUDAM, com algumas variantes. No ano de 2008, por exemplo, a Ouvidoria Agrária da Unidade Avançada de Conceição do Araguaia, recebeu a denúncia feita por dois assentados do PA Airton Senna, localizado no município de Santana do Araguaia, sobre a ocupação de seus lotes e a derrubada de suas casas por funcionários da Agro-SB que argumentavam ser a terra na qual moravam os assentados pertencente aos limites da fazenda. A ida do INCRA ao local constatou que as casas dos assentados estavam legalmente ocupando a terra do assentamento. Notificada pelo órgão fundiário, a diretoria da empresa em Redenção negou a ação ilegal e só meses depois houve o reconhecimento do “erro” por parte do grupo agropecuário. Nessa mesma visita, técnicos do

105 INCRA constataram a derrubada da vegetação em topos de morro, ação ilegal do ponto de vista ambiental por tratar-se de Área de Preservação Permanente. As Fotos 17 e 18, 19 e 20 demonstram bem o grau de modernidade do grupo capitalista97. Segundo informações

colhidas no local junto a moradores e representantes do STR de Santana do Araguaia, o desmatamento havia sido realizado com desfolhantes químicos, para agravar ainda mais a agressão ao meio-ambiente.

Foto 17: O desmatamento químico em áreas de preservação permanente na fazenda São Roberto, no município de Santana do Araguaia. Autor: Marcelo Terence, 2008.

Foto 18: A derrubada da casa de um assentado do PA Airton Senna no município de Santana do Araguaia(PA): modernidade por parte da Agro-SB?

97 Essas mesmas fotos foram remetidas ao IBAMA que retornou ao local e autuou com multa o grupo

106 Mas há outras contradições na atuação da empresa Agro-SB na busca por lucros advindos da produção pecuária. O próprio domínio das terras sobre as quais produz seu gado é de origem duvidosa. Compradas de famílias tradicionais da região, algumas das fazendas do grupo tiveram origem, segundo o MST e o MPF, em aforamentos antigos realizados pelo estado do Pará para a exploração da castanha-do-Pará. No entanto, com o passar dos anos e o aumento do ganho com o gado bovino em relação à exploração castanheira, as árvores da castanha foram sendo derrubadas para dar lugar às pastagens. Tal feito já seria suficiente para romper as cláusulas do aforamento. São essas terras que foram vendidas ilegalmente pela família Mutran e compradas pela Agro-SB. Sabendo da inconsistência legal das fazendas, o MST, a FETRAF e a FETAGRI realizaram ocupações em oito propriedades ligadas ao grupo agropecuário. 98

Não bastasse isso, em pelo menos duas das ocupações de fazendas do grupo Santa Bárbara realizadas pelo MST houve reação armada por parte de vigilantes privados: em 2009, na fazenda Espírito Santo, localizada no município de Xinguara e durante a ocupação da fazenda Cedro, no município de Eldorado dos Carajás, no ano de 2012. Nesse último episódio, 16 integrantes do MST foram feridos à bala, incluindo uma criança de 2 anos de idade ferida com um tiro na cabeça. Novamente uma empresa capitalista, ligada ao setor financeiro de ponta da economia nacional, reproduz velhas táticas violentas para defender sua propriedade, desrespeitando inclusive um acordo que havia sido intermediado pelo INCRA, no qual se comprometia a liberar três fazendas ocupadas para a criação de assentamentos em contrapartida à desocupação de outras três fazendas por parte do movimento social. Esse acordo foi firmado no ano de 2010 e a reocupação da fazenda Cedro foi uma reação ao não cumprimento do mesmo.99

98 Enquanto servidor lotado na Ouvidoria Agrária do INCRA em Marabá, tive a oportunidade de atender um

telefonema de um integrante da família Mutran, o qual não recordo o primeiro nome. Telefonando dos EUA, o mesmo dizia ter sido informado pelo gerente da fazenda Peruano, de propriedade da família e ocupada pelo MST, que os sem-terra estavam retirando as últimas castanheiras presentes na propriedade e que as mesmas, segundo o cínico reclamante, haviam sido preservadas para “adornar os pastos”. Ou seja, a família Mutran havia derrubado praticamente todas as castanheiras existentes na propriedade e agora reclamava que os últimos exemplares preservados para “adornar o pasto” estavam sendo derrubados pelo MST. O pior é que ao irmos ao local constatamos que era o próprio gerente da fazenda que estava cometendo crime ambiental, o que gerou uma multa por parte do IBAMA à família Mutran.

99 Aqui cabe uma nota sobre o comportamento conservador de boa parte do judiciário quando se trata de

questões ligadas à propriedade privada: uma juíza da Vara Agrária de Marabá negou o pedido de reintegração de posse das fazendas ocupadas feito pelo grupo Santa Bárbara, alegando as dúvidas quanto à legalidade da transferência das mesmas da família Mutran ao grupo agropecuário. Mas passando por cima da Vara especializada no assunto, o Tribunal de Justiça do Pará revogou a decisão de 1ª instância, permitindo o despejo das famílias. Foi na reocupação da fazenda que aconteceu o conflito e o revide armado por parte dos funcionários da fazenda.

107 É importante notar que em 2005, no mesmo ano que a Agro-SB iniciou suas operações no sul do Pará, também começou um movimento por parte de grandes “global players” do ramo de exportação de carnes para atuarem na região. Para ficarmos em apenas alguns exemplos: a Bertin S/A comprou nesse mesmo ano o frigorífico Marabá, localizado no município de mesmo nome, com capacidade de abate de 800 bois por dia e, no ano de 2009, tal estabelecimento recebia o fornecimento de gado de 180 fazendas, apenas levando-se em conta as situadas em Marabá100. Em 2007 a Bertin/AS arrendou com opção de compra três

unidades do frigorífico Redenção, com plantas instaladas nos municípios de Redenção (PA), Santana do Araguaia (PA) e Tucumã (PA). As três plantas industriais somadas possuíam então capacidade para o abate de 2.000 cabeças/dia. Também instalou curtumes em Redenção e Conceição do Araguaia (PA). Outro grupo com atuação internacional, o Minerva Foods, fez um investimento, no ano de 2007, de R$ 40 milhões de reais no município de Redenção, com capacidade de abate de 800 cabeças/dia. O grupo gaúcho Mercosul também investiu na região com a construção, no município de Tucumã (PA), de uma unidade frigorífica com capacidade de abate de 1.500 cabeças/dia101. Também aqui, conforme investigação realizada

pelo Greenpeace, se misturaram empresas gigantes - as maiores de seus setores -, com negócios absolutamente ilegais, envolvendo desmatamento e acusações de emprego de trabalhadores em condição análogas à da escravidão.102

A instalação dessas empresas gigantes do ramo de exportação e processamento de carnes só faz aumentar a demanda para que cada vez mais se ampliem as pastagens e os investimentos na produção pecuária. Há mesmo uma preocupação no setor em relação ao suprimento desses frigoríficos com gado local, principalmente depois que alguns países, como Líbano e Venezuela, optaram por importar o gado vivo dos pastos paraenses.

100 No ano de 2009, a JBS/Friboi incorpora a Bertin S/A e as unidades frigoríficas acima citadas passam a ser

operadas por essa marca, desde então a maior empresa exportadora de carne do mundo.

101 Disponível em: portaldoagronegócio.com.br, acesso em 21/09/2012.

102 Disponível em greenpeace.org/brasil/pt/Documentos/Farra-do-Boi-na-Amazônia. Acesso em 21/09/2012. O

estudo é interessante porque demonstra, com imagens de satélite, como fazendas em municípios nos quais o desmatamento é proibido desde 2006, aumentaram suas pastagens às custas de derrubadas de vastas extensões de floresta e fornecem gado para abate para boa parte desses frigoríficos, inclusive os maiores deles, pertencentes ao grupo JBS/Friboi. Em seguida, a carne e o couro obtidos nos frigoríficos são processados e vendidos para diversos países do mundo e para multinacionais como Adidas, Wal-Mart, Nike, Ford, Macys, etc. Alimentos, bancos para carros, sapatos de couro das marcas mais prestigiosas do mundo são produzidos a partir de matérias primas obtidas a partir de processos produtivos permeados de irregularidades. No caso, alguns nacionalistas mais exaltados podem até acusar o Greenpeace de fazer o jogo de pecuaristas de outros países, fazendo propaganda negativa da “farra do boi” brasileira. Mas quem já visitou fazendas no sul do Pará e conhece as histórias sobre a “peonagem” seria incapaz de desdizer a ONG ambientalista no que tange às acusações de desmatamento abusivo e destrato com os trabalhadores rurais.

108 Tal pressão da produção pecuária por cada vez mais terras, levada a diante por pequenos, médios e grandes fazendeiros ou grupos capitalistas, acaba por influenciar a vida nos projetos de assentamentos de pelo menos quatro formas:

a) Profissionais liberais, pequenos proprietários rurais, comerciantes, pequenos e médios empresários “arriscam” comprar ilegalmente terras dentro dos assentamentos buscando investir na produção pecuária;

b) Assentados seduzidos pelos ganhos promissores e pelas facilidades na comercialização – posto que o mercado “criou” mecanismos de comercialização envolvendo atravessadores, caminhoneiros e compradores103 -

se especializam na criação de gado;

c) O preço das terras dos assentamentos acabam se valorizando, influenciados pelos preços das terras tituladas, aumentando a possibilidade de venda por parte dos assentados;

d) Como a pecuária, para sua expansão, demanda muitos lotes, assentados ou outros sujeitos sociais que concentram terras em assentamentos acabam contribuindo para a desertificação dos mesmos, criando clarões desabitados formados por lotes nos quais só há pasto. Essa diminuição do número de assentados, como ficará mais claro quando discutirmos o caso das mineradoras, acarreta uma série de problemas como a perda de escolas e postos de saúde para a comunidade104.