• Nenhum resultado encontrado

Mapa 6: PA Canarana Autor: Cartografia/INCRA/SR-27 Escala Aproximada 1: 70.000

3. As políticas de reforma agrária pós-ditadura civil militar no Brasil

3.2. FHC: reforma agrária por meio do mercado e para o mercado

Em meados dos anos 1990, devido à pressão social já referida e novamente para que o conflito pela terra não ficasse fora dos limites legais e fugisse da interlocução com o governo, começa de fato, por parte do Estado, uma política de criação de assentamentos no país que tentava reagir à mobilização no campo por meio de compra60 ou desapropriação de terras

particulares, combinada com políticas visando a repressão ou a desmobilização dos principais

60 Os imóveis rurais com menos de 15 módulos fiscais, pela lei da Reforma Agrária (nº 8629) de 1993 são

“insuscetíveis de desapropriação”, assim como os maiores que isso que respeitem a função social da propriedade. Nesses casos o INCRA oficialmente só compra uma fazenda quando a mesma é demandada pelos movimentos e não há alternativas de outras fazendas passíveis de desapropriação.

69.778 39.894 4.809 524.380 614.079 45.096 Sarney (1985-1990) Collor (1990-1992) Itamar Franco (1992-1994) Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) Lula (2003- 2010) Dilma (2011- 2012)

68 movimentos sociais do país. Como afirma Carvalho Filho (1997, p.106), “O objetivo é mostrar que o governo teve e tem a iniciativa da reforma, quando se sabe, pela evidência dos fatos [...] que este assunto voltou a ter relevância nacional devido à ação dos movimentos sociais”. Ainda segundo esse autor, o movimento social teria arrancado das mãos do governo a “bandeira” da reforma agrária.

A política de reforma agrária de FHC apesar de avanços institucionais que respondiam a algumas demandas do movimento social, como a criação do MDA e a regulamentação do rito sumário, foi caracterizada pela tentativa permanente de desmobilização e criminalização das ações dos movimentos sociais, sobretudo do MST, que nesse momento conseguia mobilizar dezenas de milhares de famílias em acampamentos por todo o país 61 (PETRAS;

VELTMEYER, 2008).

Entre as práticas governamentais adotadas para a desmobilização e criminalização dos movimentos sociais podemos citar:

a) A edição de Medida Provisória 2183/2001 que facultava ao proprietário da terra aceitar ou não a vistoria do INCRA caso seu imóvel tivesse sido alvo de esbulho possessório. Assim, sem a anuência do proprietário, o INCRA só poderia realizar a vistoria após dois anos da desocupação da fazenda;

b) Bloqueio do repasse de recursos públicos para entidades envolvidas em ocupações de terras;

c) A introdução do acesso à terra através de mecanismos de mercado, com a compra do imóvel sendo realizada por uma associação das quais poderiam participar trabalhadores ou pequenos produtores.

Esse último item diz respeito ao chamado “Banco da Terra”, que foi criado a partir das propostas do Banco Mundial para uma reforma agrária de mercado, propostas estas já implementadas em alguns países durante os anos 199062. No Brasil o “Banco da Terra”

ajustou-se perfeitamente às diretrizes de reforma de Estado que vinha sendo conduzida visando à diminuição do tamanho do Estado e de suas intervenções em diversas áreas sociais. Eram tempos de busca de um “Estado mínimo”, sob o argumento de tornar o aparelho estatal mais ágil e eficaz.

61 Além do rito sumário, Medeiros (2003) enumera diversas outras melhorias do ponto de vista administrativo

realizadas durante o governo FHC e que trouxeram alguma agilização nos trâmites dos processos de desapropriação.

69 Tais ações governamentais, ainda que amparadas em justificativas legalistas ou supostamente baseadas na busca de uma maior racionalidade administrativa, miravam claramente uma questão política: o crescente número de ocupações de terras e a repercussão das mesmas na mídia e entre os aliados políticos do governo. É importante ressaltar que esse período foi de intensa mobilização dos movimentos do campo. Em nível nacional indiscutivelmente houve o protagonismo do MST nessa mobilização. Mas também participaram desse ascenso do movimento de luta pela terra no país, em níveis local e regional, sindicatos, federações de trabalhadores rurais e outros movimentos, inclusive com dissidências do próprio MST63. A ocupação de fazendas consideradas improdutivas ou de

titulação duvidosa tornou-se um instrumento contumaz na luta pela conquista da terra. Apenas no período final do segundo governo FHC houve diminuição no número das ocupações e manifestações dos camponeses demandando terra pra trabalhar, por certo um efeito das medidas governamentais repressivas e desmobilizadoras acima elencadas.

Autores como Oliveira (2007) e Michelotti (2007), entre outros, são unânimes em apontar o protagonismo das ocupações de terras e de outras ações dos movimentos sociais em luta pela terra na inflexão sofrida nos anos 1990 em relação ao número de assentamentos criados no país.

Desta forma, como reação à pressão social, o número de assentamentos realmente teve um acréscimo importante nesse período, pelo menos até o início do segundo mandato de FHC, como mostra o Gráfico 264. Se levarmos em consideração que até 1994 todos os

governos anteriores tinham criado apenas 931 projetos de assentamento, temos a dimensão do aumento do número de assentamentos criados a partir do governo FHC.

63 Já referi no capítulo 2 sobre a atuação importante dos STRs e das Federações de sindicato (FETAGRI e

FETRAF) nos municípios do sul e sudeste do Pará.

64 Mesmo consideradas as críticas feitas a esse governo e aos órgãos agrários quanto à manipulação dos dados

relativos ao número de assentamentos criados e ao número de famílias incluídas nas Relações de Beneficiários do INCRA. OLIVEIRA demonstra a fraude da inclusão de dados sobre regularizações fundiárias e a inclusão de outras iniciativas como o reconhecimento de territórios quilombolas como sendo números relativos à Reforma Agrária. TEIXEIRA e HACKBART (apud Almeida, 135), ratificam tais críticas ao analisarem a inclusão de assentamentos antigos como sendo criados no governo FHC.

70

Gráfico 2: Número de Projetos de Assentamento Federal criados por ano, no Brasil, entre os anos 1995 e 2012. Fonte: INCRA/SIPRA, acesso em 24/07/2012.

Se levarmos em consideração os dados referentes a criação de Projetos de Assentamento apenas na jurisdição da Superintendência Regional de Marabá, que interessa mais de perto a essa pesquisa, temos uma imagem ainda mais clara do quanto a ação do governo FHC de criar assentamentos era realmente uma reação às questões políticas que iam surgindo no cenário de conflitos da luta pela terra. No caso dessa região, a mudança importante ocorreu a partir do ano de 1996, conforme demonstra o Gráfico 3.

Foi no mês de abril desse ano que a Polícia Militar do Pará, sob o comando do governador Almir Gabriel, matou 19 integrantes do MST, no acontecimento que ficou internacionalmente conhecido como o “Massacre de Eldorado dos Carajás”. Meses depois dos assassinatos na rodovia PA-150 o escritório do INCRA de Marabá, então ligado à Superintendência Regional de Belém, sob forte pressão social, é elevado à condição de Superintendência Regional, possibilitando uma maior atuação do órgão fundiário na região, concretizada no acentuado crescimento do número de assentamentos federais criados nos anos subsequentes. 392 465 714756 670 423 475 385 321 458 874 678 389 331 299 210 109 117

71

Gráfico 3: Número de Projetos de Assentamento criados por ano na área sob jurisdição da Superintendência Regional de Marabá. Fonte: INCRA/SIPRA, acesso em 24/07/2012. Org. Marcelo Terence.

Como no passado, o Estado se viu forçado a reagir a atuação destemida dos movimentos sociais. Na década de 1990, com apoios importantes em outros setores da sociedade, podemos dizer que o movimento social de luta pela terra levou o Estado brasileiro a colocar em prática uma política de desapropriações e criações de assentamentos. Nas palavras de Medeiros (2003, p.80),

De uma forma geral, os estudos realizados sobre assentamentos mostram que essas unidades têm sido criadas a partir de uma lógica cujo eixo é a gravidade e/ou visibilidade dos conflitos. Desde o fracasso do PNRA em termos de implementar a demarcação de áreas prioritárias de reforma agrária, tal como previsto no Estatuto da Terra, as intervenções que ocorreram mantiveram a mesma lógica da ação anterior: desapropriações não planejadas ocorrendo impulsionadas por conflitos e mobilizações que, num contexto de maior liberdade, se desenvolveram mais rapidamente.

Sobre o modelo desses assentamentos criados no período FHC, no geral, pode-se dizer que seguia a tendência de minimizar as ações do Estado. Segundo Medeiros (2003, p. 57), estavam previstas a rápida titulação dos lotes e a emancipação dos assentamentos, apenas dois ou três anos após a demarcação oficial das terras. Assim, o assentado poderia se transformar rapidamente em agricultor familiar e ser tratado como um “empreendedor”, como um pequeno proprietário qualquer. Expresso no próprio título de um programa do governo FHC

12 23 31 56 93 17 41 17 35 20 53 23 8 1 10 3 0 0

72 para a reforma agrária, o objetivo dessa política de assentamentos era o “desenvolvimento rural com base na expansão da agricultura familiar e sua inserção no mercado”. Não se cogitou, portanto, em nenhum momento em se valorizar e respeitar a herança camponesa presente entre a população assentada de muitas regiões do país, inclusive, entre os assentados do sul e do sudeste do Pará. Seu modo de vida, sua organização, seu sistema produtivo foram ignorados pelos agentes do Estado em nome do objetivo principal de inserção da produção familiar nos mercados.