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Mapa 6: PA Canarana Autor: Cartografia/INCRA/SR-27 Escala Aproximada 1: 70.000

3. As políticas de reforma agrária pós-ditadura civil militar no Brasil

3.3. A reforma agrária no governo Lula: o medo venceu a esperança

A eleição de Lula trouxe novas esperanças de que a reforma agrária avançasse mais rapidamente e em maior consonância com os anseios dos movimentos de luta pela terra. Não só esperava-se um maior número de projetos de assentamentos como uma atenção mais cuidadosa com aqueles já criados, não os deixando à mercê dos ditames do mercado.

Não foi o que se viu. O modelo de reforma agrária permaneceu exatamente o mesmo. Desapropriações continuaram acontecendo majoritariamente à reboque dos conflitos e da facilidade da obtenção de terras, repetindo o governo FHC ao priorizar a criação de projetos de assentamentos na Amazônia legal. Nem ao menos a reivindicação dos movimentos pela revogação da medida provisória anti-ocupações foi atendida.

A favor do governo Lula ressalte-se o maior volume de recursos aplicados na política de reforma agrária, com o orçamento anual do INCRA passando de R$ 1,5 bilhão em 2003, primeiro ano de seu governo, para R$ 4,6 bilhões em 2009. Ainda que uma parte importante desse aumento de recursos tenha sido gasta em compra de terras para a criação de assentamentos. Nessa modalidade de obtenção de terras por parte do INCRA, o pagamento é feito em dinheiro e à vista, tornando-se muitas vezes um ótimo negócio para o fazendeiro65.

65 E até para certos coordenadores de acampamentos corruptos. Há muitos boatos sobre negociações entre certas

“lideranças” de ocupações e acampamentos negociarem com os proprietários a ocupação de fazendas para que o INCRA venha compra-las posteriormente. Ou, inversamente, negociarem a desocupação quando o fazendeiro não tem interesse em vender ou ver suas terras desapropriadas. Em conversa informal, um ex-presidente do STR de Conceição do Araguaia relatou ter sido convidado a participar de uma “maracutaia” dessas para a ocupação de uma fazenda em Conceição do Araguaia. Nas negociações, segundo ele, estariam envolvidos chefias do INCRA de Marabá e até uma deputada estadual do Pará que pressionaria o órgão fundiário para agilizar os trabalhos de vistorias. A ideia era realizar a ocupação e, em 15 dias, o INCRA realizar seus trabalhos para aprovar a compra da propriedade que não atingia o limite de 15 módulos fiscais para ser passível de desapropriação. Segundo o mesmo informante, ele recusou participar para não manchar seu nome junto aos

73 As ações do governo Lula quanto à política de reforma agrária se nortearam pelas diretrizes contidas no II PNRA, previsto para ser implantado nos quatro anos de mandato, ou seja, entre os anos 2003 e 2006. Entre as metas estipuladas, constava o assentamento de 400.000 famílias, a regularização de 500.000 posses, o reconhecimento e a demarcação de áreas de comunidades quilombolas e ainda “garantir a assistência técnica e extensão rural, capacitação, crédito e políticas de comercialização a todas as famílias reformadas”. (II PNRA apud OLIVEIRA, 2007). Tais cifras nunca foram atingidas.

Segundo salienta Oliveira (2007, p.165), o MDA e o INCRA mantiveram, no governo Lula, a mesma prática da equipe do governo FHC de misturar os números obtidos em relação a cada uma das metas estabelecidas, apresentando todas as ações previstas no II PNRA como sendo criação de assentamentos, o que pressupõe a compra ou a desapropriação de terras particulares ou, ainda, a destinação de terras públicas para a criação dos mesmos. Por exemplo, em 2003, foi divulgado um número de 36.301 famílias assentadas, mas foram assentadas efetivamente apenas 14.327 famílias. Em 2004, a mesma atitude. Anunciou-se o assentamento de 81.254 famílias em todo o Brasil, mas foram efetivamente assentadas apenas 26.130 famílias. A diferença para o número anunciado, ainda segundo Oliveira (2007. p. 176), refere-se, entre outras, a ações de reconhecimento de posseiros há muito ocupando as terras que são transformadas em assentamentos, ou mesmo a incorporação de antigos projetos de colonização às políticas da reforma agrária. Ações que não influenciaram em nada a concentração fundiária existente no país e nem levaram ao enfrentamento com a grande propriedade. Tampouco atenderam as necessidades daquelas famílias que se encontravam acampadas, descumprindo assim acordos históricos firmados entre o PT e os diversos movimentos sociais de luta pela terra que sempre compuseram sua base. Esse procedimento ocorreu nos demais anos do governo também. Em 2005 divulgou-se 127.511 famílias assentadas e de fato foram criados assentamentos para 47.561. Em 2006 foram anunciados 136.358 e assentadas apenas 45.779 famílias (OLIVEIRA, 2007 p.176).

Mas essa não é a única prática costumeira realizada para mascarar os dados da reforma agrária, mesmo no governo Lula. Uma prática ainda mais sub-reptícia, mas não menos comum, é o envio, a mando das chefias do INCRA - como ocorre no sul e sudeste do Pará - das equipes de campo, ao fim de cada ano, para a realização de cadastros para cumprimento de metas de famílias assentadas.

trabalhadores rurais da região, mesmo tendo sido prometida a quantia de R$20.000,00 para que participasse do esquema fraudulento.

74 E o que seriam esses cadastros novos, responsáveis por boa parte do número de inserções de famílias na Relação de Beneficiários do INCRA todos os anos? Simplesmente o reconhecimento por parte do INCRA de famílias que compraram lotes em assentamentos já criados sem a anuência do órgão fundiário. É assim que uma administração cumpre fantasiosamente metas que ela própria estabeleceu em duras negociações com o movimento social: a partir das dificuldades encontradas pelas famílias em permanecerem em seus lotes, quase sempre pelo não oferecimento, por parte dessa mesma administração, de condições mínimas para a territorialização desses camponeses. Práticas mais grosseiras de adulteração dos dados, implicando em outras fraudes, também foram identificadas, por exemplo, pela justiça Federal de Santarém que mandou cancelar mais de 100 assentamentos ligados à Superintendência Regional de Santarém do INCRA e criados entre os anos de 2005 e 2006. As famílias simplesmente eram cadastradas e não recebiam terras, muitas nem ao menos sabiam que tinham sido incluídas na Relação de Beneficiários do INCRA. Ao que tudo indica, a criação dos “assentamentos fantasmas”, pelo julgamento do magistrado, teria servido sobretudo para a obtenção de licenças para o manejo e exploração de madeiras de lei existentes nos mesmos66. Não obstante, serviu também para que se inchassem ainda mais a

quantidade de relacionados como beneficiários do INCRA e isso pode ter levado ao acesso, pelos fraudadores, aos créditos a que teriam direito as famílias cujos nomes foram indevidamente utilizados.

No segundo mandato do governo Lula a política de criação de assentamentos federais iniciou um processo de encolhimento em todo o país.

Gráfico 4: Número de famílias assentadas, por ano, durante os dois governos Lula. Fonte: INCRA/SIPRA. Acesso em 31/01/2013. Org. Marcelo Terence. 66 Disponível em http://candidoneto.blogspot.com.br/2011/04/wikilingua-decisao-em-primeira-estancia.html, acesso em 16/08/2012. 36.301 81.254 127.506 136.358 67.535 70.157 55.498 39.479 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

75 Também para a Superintendência de Marabá, em consonância com as diretrizes do governo e do INCRA nacional, a ação prioritária deixou de ser desapropriar terras na região para a criação de assentamentos. Problemas como licenças ambientais dos assentamentos atrasadas, por exemplo, não foram enfrentados e fizeram com que o Ministério Público Federal e a Justiça Federal barrassem novas criações de projetos de assentamentos pela autarquia fundiária.

Mas houve ações por parte da própria administração executiva que inviabilizaram a criação de assentamentos nos níveis atingidos anteriormente. Entre as mais indicativas de uma importante mudança de rumo por parte do governo federal está o deslocamento de servidores do INCRA para o programa de regularização fundiária denominado “Terra Legal”. Dezenas de servidores do INCRA foram cedidos para tal programa, criado a partir da MP 458 e da lei 11.763. Ou seja, resumindo a essência dos propósitos do segundo mandato do governo Lula: servidores – que já são em número insuficiente para as necessidades existentes - foram retirados de tarefas voltadas para a desconcentração fundiária e a assistência aos assentamentos e destinados à realização de serviços que visam, sobretudo, nas palavras de Oliveira (2009, p. 20) sobre a MP que deu origem ao “Terra Legal”: “[...] transformar a ilegalidade criminosa da apropriação privada das terras públicas federais na Amazônia Legal, ou seja, a grilagem, em irregularidade passível de regularização”.