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Para melhor compreensão dos direitos e garantias assegurados à mulher encarcerada e a seus filhos, é importante analisar a evolução histórica da criança e do adolescente na legislação anterior à CF/88, a fim de verificar se houve modificações substanciais ou apenas mudanças supérfluas.

Raphael Fernando Pinheiro (2012), a respeito da evolução histórica, enfatiza:

Antes da implantação da doutrina da proteção integral no Brasil, a situação do jovem infrator foi regulada por dois outros sistemas jurídicos, iniciando-se com a do Direito Penal do menor, que não fazia distinção entre adultos e crianças no que se refere ao ato infracional e a aplicação das medidas punitivas. Posteriormente surge o Código de Menores, defendendo ao longo de seu texto a doutrina da proteção irregular, constituindo um sistema em que o menor de idade era objeto tutelado do Estado, sobrevelando (sic) a responsabilidade da família.

Anterior à promulgação da CF/88 não havia proteção integral da criança e do adolescente, ou seja, não se fazia distinção entre crianças e adultos, sendo-lhes aplicadas as mesmas penalidades, independentemente do ato infracional praticado.

A ausência de políticas públicas de proteção integral da criança e do adolescente no período anterior à Constituição vigente mostra que as regras existentes não atendiam aos interesses dos menores, pois eram considerados apenas meros objetos da legislação, sem direitos, a quem eram aplicadas penalidades semelhantes às de um apenado adulto, sem possibilidade de reeducação e socialização. Nesse rumo, afirma Janine Borges Soares, “o Código de Menores deveria ter um caráter social e não essencialmente jurídico, pois entendiam que o problema da criança estava no âmbito da assistência”, corroborando com a tese da doutrina da situação irregular (apud MEDEIROS, 2011).

Ademais, segundo Lucas Souza Vilela (2014), até recentemente o Brasil adotava a Teoria da Situação Irregular por meio do Código de Menores. Tal doutrina tinha como objeto legal apenas os menores de 18 anos em estado de abandono ou delinquência, os quais eram submetidos pela autoridade competente às medidas de assistência e proteção.

Nesse sentido, Soares esclarece que “o Código de Menores reflete um profundo teor protecionista e a intenção de um controle de crianças e jovens, consagrando a aliança entre a Justiça e a Assistência.” A autora afirma ainda que o Código de Menores autorizava que a autoridade judiciária autuasse com elevado grau de discricionariedade e “ausência de rigor procedimental, com desprezo da garantia do contraditório” (apud MEDEIROS, 2011), o que denota que os menores eram atendidos como se fossem portadores de patologia social.

Ainda com relação à Doutrina da Situação Irregular, afirmam Irene Rizzini e Francisco Pilotti (2009, p.23) que o objetivo do Código de Menores era de realizar uma “limpeza”, ou seja, retirar as crianças e os adolescentes da rua, encaminhando- os para instituições mantidas pelo Poder Público, especialmente à Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM).

Paralelo aos ensinamentos de Vilela (2014) encontra-se a ideia de Pinheiro (2012), em que este destaca:

No art. 2° do Código de Menores de 1979, considerava-se menor em situação irregular aquele que poderia ser encontrado em seis situações distintas, quais eram: o menor abandonado em saúde, educação e instrução; a vítima de maus tratos ou castigos imoderados; os que se encontravam em perigo moral; os privados de assistência judicial; os desviados de conduta e o autor de infração penal.

Ressalta-se que o Código de Menores de 1979 não recebeu somente a inspiração da Teoria da Situação Irregular, mas também do Regime Totalitarista e Militarista vigente no país, apesar de ter sido elaborado sob a influência da Declaração dos Direitos da Criança, de 1959. Suas medidas criadas para cuidar de "patologias jurídico-sociais", definidas na lei, amparavam-se em conceitos e princípios simplistas e falaciosos, que resultavam, na prática, em um controle social da pobreza (VILELA, 2014).

O Código de Menores perdurou por muitos anos, mas já havia no Brasil um movimento em defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, pois era sabido que as instituições públicas que os abrigavam utilizavam de muita violência, o que gerava revolta e mais problemas para a sociedade.

A esse respeito, Maria Regina Fay de Azambuja afirma que

No final do século XX, o estágio de evolução e compreensão sobre o significado da infância, tanto no âmbito familiar como no social, acabou refletindo na esfera jurídica, passando, a criança, a conquistar a condição de sujeito de direitos, possibilitando, assim, novas perspectivas de transformação social. (apud MEDEIROS, 2011).

Pode-se afirmar que o Brasil, com a promulgação da CF/88, previamente introduziu regras de proteção da criança e do adolescente, indo ao encontro da Convenção sobre Direitos da Criança das Nações Unidas, que foi promulgada somente um ano após, em 20 de novembro de 1989.

Desta forma, ainda segundo Azambuja (apud MEDEIROS, 2011), há uma projeção impar do Estado brasileiro no cenário internacional, incorporando princípios que muitos países ainda não haviam introjetado em suas legislações.

A CF/88 trouxe consigo inovações quanto à proteção da criança e do adolescente, uma vez que adotou a Doutrina da Proteção Integral, tornando crianças e adolescentes sujeitos de direitos. Com sua promulgação, crianças e adolescentes passaram a ser tratadas como pessoas em condições de desenvolvimento especial, uma vez que necessitam de proteção integral do Estado, da família e da sociedade do ponto de vista geral (VILELA, 2014).

Assim, o Estado, a família e a sociedade têm o dever de assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes, constitucionalmente previstos pelo art. 227 da CF/88. Por oportuno, surge um novo conceito de proteção, que define a tutela da infância e da juventude como um dever não apenas do Estado, mas de todos os cidadãos.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Essa mudança na concepção da criança e do adolescente como menor em situação irregular merece muita atenção, uma vez que doravante serão penalizados por seus atos, crianças de até 12 anos e adolescentes de até 18 anos, os quais passam a ser definidos como cidadãos, possuidores de direitos, na condição peculiar de pessoas em fase de desenvolvimento. Elimina-se, assim, a rotulação de menor, infrator, carente, abandonado, etc., classificando todos como crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social.

Por outro lado, a CF/88 passou a lhes garantir os direitos pessoais e sociais, por intermédio da criação de oportunidades e facilidades que possibilitem o desenvolvimento físico, mental, psíquico, moral, espiritual, afetivo e social, em condições de liberdade e dignidade (VILELA, 2014).

Nesse contexto, Vilela (2014) ainda enfatiza que:

Anteriormente à promulgação da atual Carta Magna, os menores, como assim eram tratados, viviam à margem da sociedade em estado de abandono legal, e o Código de Menores vigente à época se propunha somente a reprimir crianças e adolescentes em situações patológicas, e, apenas nestas situações, o Poder Judiciário poderia ser acionado. O acesso à Justiça era limitado aos menores nas situações previamente taxadas no Código de Menores, e os demais que não fossem inseridos em tais situações eram excluídos da proteção jurídica. A lei não assegurava especificamente às crianças e aos adolescentes direitos fundamentais, mas sim à família, à qual cabia a obrigação de tutela dos menores. Segundo esta concepção, a responsabilidade sobre o menor era exclusiva da família, abstendo-se o Estado e a sociedade de qualquer dever.

Diante do exposto, pode-se afirmar que na atual sociedade contemporânea, crianças e adolescentes não são eximidos dos seus deveres e direitos, devendo responder por todos os seus atos e, ainda, se necessário, sofrer punições pelo Estado.

Ressalte-se que a complexidade da sociedade atual e as mudanças que vêm ocorrendo, em função da evolução das condições socioculturais, históricas e

econômicas, promovem certa desorganização nas relações das crianças e adolescentes com o adulto, sejam pais, professores ou autoridades, o que exige uma atenção redobrada para melhor compreender a trajetória do desenvolvimento infantil e suas implicações.

Nessa perspectiva, Leila Maria Ferreira Salles (2005, p. 3) sublinha queessas implicações passam necessariamente pela compreensão de que

[...] a criança e o adolescente, com seus modos específicos de se comportar, agir e sentir, só podem ser compreendidos a partir da relação que se estabelece entre eles e os adultos. Essa interação se institui de acordo com as condições objetivas da cultura na qual se inserem. Condições históricas, políticas e culturais diferentes produzem transformações não só na representação social da criança e do adolescente, mas também na sua interioridade. Há uma correspondência entre a concepção de infância presente em uma sociedade, as trajetórias de desenvolvimento infantil, as estratégias dos pais para cuidar de seus filhos e a organização do ambiente familiar e escolar.

Isso significa que as crianças e adolescentes, ao serem inseridas na sociedade atual e reconhecidas não como simples objeto, mas como sujeitos de direitos e deveres, necessitam da proteção integral do Estado, contemplada pela CF/88 e ECA.