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2.3 Mães presidiárias e seus bebês

2.3.1 Direitos da criança e prisão da mãe a partir do documentário “Leite

prisão”

Este documentário retrata o dia a dia do Centro de Atendimento Hospitalar à Mulher Presa (CAHMP), localizado na cidade de São Paulo. A direção do documentário é de Cláudia Priscilla, ganhadora de inúmeros prêmios nos anos de 2010 e 2011, dentre os quais se destacam o Grande Prêmio na Mostra Competitiva Internacional e Destaque Feminino Internacional no Festival Internacional de Cinema Feminino. Além disso, o material foi selecionado para diversas Mostras e Festivais, como: o 5º Festival de Cinema Latino-Americano, de São Paulo, Indie – Mostra de Cinema Mundial (2010), 5ª Mostra do Cinema e Direitos Humanos da América do Sul (2010), 32º Festival Internacional Del Nuevo Cine Latinoamericano, em Havana, Cuba (2010), Visions Du Rèel, Nyon, Suíça (2011) e Panorama Coisa de Cinema (2011).

A história relatada no filme não é desconhecida, já que casos semelhantes são divulgados rotineiramente pelos meios de comunicação, os quais trazem relatos de mulheres encarceradas que sofreram e que estão longe de seus filhos, e também de presas grávidas que não conseguem manter seus filhos junto de si porque o Estado não oferece as condições necessárias para tal. O filme é muito bem feito, é

inteligente, cheio de emoções e tem uma originalidade incrível, merecendo por isso os prêmios recebidos. O documentário é muito comovente, visto que também discute a contradição das emoções.

Essas contradições são registradas e demonstradas a partir do momento em que Daluana – a personagem principal – e suas colegas no cárcere, excluídas da sociedade, tiram da maternidade a esperança de que poderão viver em um mundo melhor. Assim, se "Por um lado a maternidade é vista como um momento de plenitude na vida das mulheres, por outro mostra a situação-limite do encarceramento e da exclusão." (PRISCILLA, 2014).

O registro que segue é muito importante para que, posteriormente, se possa entender os direitos da criança e da mãe na unidade prisional, já que ambas têm a garantia constitucional da proteção integral e o direito à amamentação.

Não se pode esquecer que o Brasil, no final de 2010, participou da elaboração das Regras Mínimas da ONU para Tratamento da Mulher Presa, e que, portanto, há necessidade de atenção diferenciada às presidiárias nessa condição.

A narrativa do documentário é feita Cláudia Priscilla, com comentários de Miguel Barbieri Jr. O filme foi produzido em 2011, encontra-se disponível para visualização no site da Unicamp, e é esclarecedor para o presente estudo, segundo palavras de Barbieri Júnior (2014):

Nesta narrativa uma personagem se destaca e conduz a história. Trata-se de Daluana, apelido que recebeu após se envolver e ter um filho com o “famoso” traficante Da Lua.

Traficante desde os 10 anos, Daluana, hoje na casa dos 40 anos, cresceu na rua e passou por diversas instituições carcerárias. Aos 14 anos teve sua primeira filha, e esta é a segunda vez que está no CAHMP para amamentação, a primeira foi em 2000.

Daluana e suas colegas são registradas de forma diferente pela diretora, com intimidade de roda de comadre. Assim surgem relatos e discussões, muitas vezes ditas com bom humor, sobre o prazer de amamentar, sexo, fidelidade, violência policial, amor, tráfico, drogas e religião.

As filmagens do documentário aconteceram durante um mês em 2007, no Centro onde se encontravam 70 mães e 70 crianças. Mas, o CAHMP foi fechado há quase dois anos e as presas, realocadas em centros hospitalares.

O comentarista Barbieri Júnior (2014) segue afirmando que:

[...] Sensata em sua abordagem, a realizadora passeia dos dramas pessoais à felicidade da maternidade por meio de depoimentos cheios de sinceridade e emoção. Contribui muito para o sucesso da arriscada empreitada a personagem Daluana, que se torna uma incentivadora das entrevistas abordando suas colegas de cela com uma desenvoltura ímpar.

Na verdade, o documentário/filme apresenta muito claramente a relação das mulheres presas com as drogas, sexo, companheirismo e filhos. E, não é nenhuma novidade para a sociedade que a grande maioria das mulheres que vai para a prisão é devido ao tráfico de drogas. Prova disso são

os dados do Conselho Nacional de Justiça, que revelam que mais de dois terços das presidiárias se relacionaram com o sistema-penal pelo envolvimento pelas drogas, geralmente ao desempenhar papeis secundários no tráfico, muitas vezes apoiando seus companheiros, ou mesmo levando drogas aos que estão presos.

Conforme se verifica no relatório elaborado pelo DEPEN (Anexo 2), mais de 60% das mulheres presas em todo o país estão nessa condição em virtude do tráfico de drogas. Ao analisar os dados constantes dos gráficos percebe-se que tanto na Região Norte, Sul, Centro-Oeste e Sudeste há uma incidência muito grande de mulheres segregadas pelo tráfico ilícito de entorpecentes. Chama a atenção, entretanto, os dados relativos à Região Nordeste, aonde o índice de prisões por tráfico é menor do que nos demais Estados brasileiros (BRASIL/DEPEN, 2011).

Pode-se afirmar sem medo de errar que a relação com as drogas é uma das principais causas do encarceramento de mulheres, pois muitas delas são "usadas" pelos maridos, companheiros ou namorados para auxiliar na distribuição e tráfico de entorpecentes. Elas são, muitas vezes, as que levam as drogas para dentro das penitenciárias, onde se destinam para o consumo do usuário.

As drogas, portanto, são a principal motivação que insere a população feminina no crime, previsto na Lei n. 11.343/06, art. 33, consoante se observa:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer

drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem:

I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas;

II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria prima para a preparação de drogas;

III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.

§ 2º. Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa.

§ 3º. Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.

§ 4º. Nos delitos definidos no caput e no § 1º. deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

Luiz Flávio Gomes e Mariana Cury Burduki (2014) asseguram que o número de mulheres encarceradas aumentou consideravelmente em razão, não apenas do consumo, mas do tráfico de drogas. Em boa parte dos casos concretos essas mulheres apenas perpetuam a traficância já exercida por seus maridos, companheiros ou filhos, inclusive assumindo o comércio onde moram, e assumindo toda responsabilidade pela prática do ilícito.

Nesse sentido, sustentam os supracitados autores que:

Em 2006, o número total de presas no Brasil era de 23.065 detentas, dentre as quais 5.433 (ou 23,5%) por drogas. Já em 2010, houve um crescimento de 51% no número de mulheres presas, chegando-se a um total de 34.807 detentas, entre as quais 14.057 (ou 40%) por drogas. Nota-se, portanto, que a taxa de crescimento do número de presas por tráfico de drogas foi de 159%, no período de quatro anos de vigência da nova lei, ou seja, três vezes maior a taxa de crescimento do que o número total de presas no país (51%). (GOMES; BURDUKI, 2014).

Essa situação reproduz a condição de vulnerabilidade em que as mulheres se encontram e quase sempre “entram” no mundo do crime para garantir o sustento da família, na falta do marido, companheiro ou filho, que já se encontra preso.

Evidencia-se, portanto, que na maioria dos casos a participação das mulheres se dá muito mais de maneira subalterna e acessória “do que como traficante propriamente dita, circunscrevendo-se sua conduta basicamente a agir como ‘vigia’, ‘vapor’, ‘avião’, ‘fogueteira’ ou ‘mula’ dos efetivos responsáveis pela empreitada ilícita” (BARCELLOS, 2014, p. 45). Isso geralmente ocorre porque as mulheres estão fora do mercado de trabalho e o tráfico auxilia na complementação de sua renda familiar.

À luz dos dados analisados, é importante referir que o documentário “Leite e

Ferro: Maternidade e Cárcere – Um olhar sobre o drama de se tornar mãe na prisão”

retrata com muita fidedignidade a realidade das mulheres detentas em unidades prisionais.

As histórias que essas mulheres relatam no documentário refletem a verdadeira face do mundo da exclusão, da precariedade das condições nas quais vive grande parcela da população e, principalmente, porque são abandonadas pelos companheiros ou maridos quando levadas à prisão.

O depoimento de Daluana e outras detentas corroboram o exposto:

A protagonista Daluana relata que chegou a comandar o tráfico, mas iniciou sua relação com as drogas desde criança, quando morava nas ruas, como usuária. Tornou-se traficante rapidamente e, com o passar do tempo, foi adquirindo experiência.

As outras detentas também contam suas histórias, algumas delas de forma cômica, sobre o consumo de drogas e casos de overdose. Há uma certa naturalidade ao falar da morte, da perda de colegas por causa das drogas, especialmente por conta de overdoses. (PFMP, 2014).

De fato, o documentário não evita as situações ocorridas com as detentas em relação ao consumo e tráfico de drogas, sendo que todas contam com naturalidade a experiência vivenciada e a morte de colegas pelo uso exagerado de drogas.

Assevera-se que não há dúvida de que à primeira vista o relato do cotidiano dessas mulheres que se encontram segregadas no CAHMP, na capital paulista, pode chocar o leitor. As próprias detentas, entretanto, relatam que não tem preço poder amamentar o filho, nem que seja por apenas seis meses, no período que antecede a separação.

O documentário em nenhum momento apresenta alguma cena referente à separação da criança da mãe encarcerada, pois isso é bastante doloroso para ambas. Apesar de a legislação prever a existência de creches dentro das penitenciárias para atendimento das crianças das mães presas, o sistema carcerário brasileiro mostra uma realidade diversa, ou seja:

O momento de separação da mãe encarcerada e seu filho – seja ele bebê, criança ou adolescente – é bastante doloroso e impactante para ambos. Ainda que este permaneça junto ao seu pai ou família extensa, a mulher não perderá sua identidade materna, fazendo com que o ônus de permanecer longe do filho por longos períodos seja fator de angústia no cumprimento da pena dentro da prisão. Apesar de a legislação prever a existência de creches dentro das penitenciárias para crianças de até sete anos, a realidade mostra uma expressiva divergência entre a norma e a configuração atual do sistema carcerário brasileiro. (PRISCILLA, 2014).

Por fim, é digno de nota que o referido documentário, além de apresentar uma realidade chocante, vai de encontro ao previsto na CF/88, que dispõe em seu art. 5º, inciso L, que às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.

A reflexão que se faz desse preceito constitucional é que as autoridades brasileiras precisam dirigir um novo olhar sobre a necessidade de uma atenção diferenciada às especificidades femininas dentro do sistema prisional.

O direito à amamentação é uma experiência que possibilita a construção de vínculos afetivos fortes e estáveis entre a mãe e o bebê, e isso é de grande importância para o desenvolvimento psicossocial e afetivo da criança.

De outra banda, mais uma vez se reforça que o Brasil é signatário das mencionadas Regras de Bangkok e, desta maneira, torna-se essencial garantir que o art. 5º, inciso L, da CF/88, tenha efetividade.

A efetividade do dispositivo constitucional tem sido alvo das decisões judiciais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, as quais asseguram o direito das presas permanecerem com seus filhos no período da amamentação.

2.4 Aspectos jurisprudenciais referentes ao período de amamentação