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Reflexões sobre o art. 5°, no inciso L, da constituição federal de 1988, e as condições das mulheres encarceradas no período de gestação e aleitamento materno

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PATRÍCIA TALITA STEIERNAGEL WUNDER

REFLEXÕES SOBRE O ART. 5°, INCISO L, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, E AS CONDIÇÕES DAS MULHERES ENCARCERADAS NO

PERÍODO DE GESTAÇÃO E ALEITAMENTO MATERNO

Ijuí (RS) 2014

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PATRÍCIA TALITA STEIERNAGEL WUNDER

REFLEXÕES SOBRE O ART. 5°, INCISO L, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, E AS CONDIÇÕES DAS MULHERES ENCARCERADAS NO

PERÍODO DE GESTAÇÃO E ALEITAMENTO MATERNO

Monografia final apresentada ao curso de Graduação em Direito, objetivando a apro-vação no componente curricular Monografia. Unijuí – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: Ms. Eloísa Nair de Andrade Argerich

Ijuí (RS) 2014

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Dedico este estudo a todos que de alguma forma colaboraram, auxiliaram e me ampararam durante esses anos de caminhada acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me dado força, coragem, luz e sabedoria para superar todas as dificuldades.

À minha família, pelo incentivo e apoio incondicionais, e por nunca medir esforços para me ajudar a concluir esta etapa de minha vida. Essa conquista é mais de vocês do que minha.

À minha orientadora, mestre Eloísa Nair de Andrade Argerich, pela dedicação, disponibilidade, comprometimento e sabedoria na orientação deste estudo.

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“A menos que modifiquemos a nossa maneira de pensar, não seremos capazes de resolver os problemas causados pela forma como nos acostumamos a ver o mundo.”

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RESUMO

O presente estudo monográfico faz uma breve análise dos direitos e garantias constitucionalmente assegurados às presidiárias em período de amamentação, bem como dos direitos que são garantidos às crianças, filhos de mães presas. Analisa, ainda, as reais condições que as penitenciárias femininas do Estado do Rio Grande do Sul oferecem a essas mulheres reclusas que se encontram em estado de lactação, gestação ou parturientes, dando atenção especial ao disposto na Constituição Federal de 1988 e nas leis infraconstitucionais, a fim de averiguar se tais direitos estão sendo realmente assegurados. Faz, ainda, uma breve análise do documentário “Leite e Ferro: maternidade e cárcere – um olhar sobre o drama de se

tornar mãe na prisão”, a fim de mostrar a dura realidade do sistema prisional

brasileiro. Por último, colaciona decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e do Superior Tribunal de Justiça, com o intuito de demonstrar que tanto o Poder Judiciário gaúcho quanto os demais Tribunais Superiores estão atentos às garantias e direitos estabelecidos às mulheres presidiárias e aos seus filhos. A pesquisa será do tipo exploratório.

Palavras-chave: Aleitamento materno. Mulheres encarceradas. Direitos. Garantias.

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ABSTRACT

This monograph provides a brief analysis of guaranteed constitutional rights and guarantees to prisoners in breastfeeding, as well as the rights guaranteed to children, children of imprisoned mothers. It also analyzes the actual conditions that women’s prisons in the state of Rio Grande do Sul offer these women prisoners who are in a state of lactation, pregnancy or pregnant women, giving special attention to the provisions of the Federal Constitution of 1988 and the infra-laws, to ascertain whether such rights are actually being provided. It also makes a brief analysis of the documentary Milk and Iron, in order to show the harsh reality of the Brazilian prison system. Finally, present decisions of the Court of Rio Grande do Sul and the Superior Court of Justice, in order to demonstrate that both the Judiciary gaucho as other High Courts are aware of the guarantees and rights provided to women prisoners and their sons. The research is exploratory.

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LISTA DE SIGLAS

CAHMP – Centro de Atendimento Hospitalar à Mulher Presa CEJIL – Centro Pela Justiça e Pelo Direito Internacional

CF/88 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CNJ – Conselho Nacional de Justiça

CNPCP – Conselho Nacional de Políticas Criminal e Penitenciária CP – Código Penal

DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor JIJ – Juizado da Infância e Juventude

LEP – Lei de Execução Penal

ONU – Organização das Nações Unidas

PFMP – Penitenciária Feminina Madre Pelletier PMI – Penitenciária Modulada de Ijuí-RS STJ – Superior Tribunal de Justiça

SUSEPE – Superintendência dos Serviços Penitenciários TJ/RS – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul UMI – Unidade Materno-Infantil

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 DOS DIREITOS DAS PRESAS DURANTE O PERÍODO DE AMAMENTAÇÃO .. 12

1.1 O direito à saúde da mulher que se encontra sob custódia estatal ... 13

1.2 O direito de amamentar e ser amamentado ... 18

1.3 Aspectos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Lei de Execução Penal (LEP) ... 23

1.4 A criança em ambiente penitenciário ... 26

1.5 A relação da presa com o consumo e tráfico de drogas ... 28

1.5.1 Análise do documentário “Leite e Ferro: Maternidade e Cárcere – Um olhar sobre o drama de se tornar mãe na prisão” ... 30

2 REFLEXÕES SOBRE O ART. 5°, INCISO L, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, E AS CONDIÇÕES DAS MULHERES ENCARCERADAS NO PERÍODO DE GESTAÇÃO E ALEITAMENTO MATERNO ... 33

2.1 A criança na legislação anterior à Constituição Federal de 1988 ... 34

2.2 O Estatuto da Criança e do Adolescente – Doutrina da Proteção Integral ... 38

2.2.1 Direitos fundamentais assegurados à criança: art. 227 da CF/88 ... 41

2.3 Mães presidiárias e seus bebês ... 44

2.3.1 Direitos da criança e prisão da mãe a partir do documentário “Leite e Ferro: Maternidade e Cárcere – Um olhar sobre o drama de se tornar mãe na prisão” ... 48

2.4 Aspectos jurisprudenciais referentes ao período de amamentação garantido às mães presas e seus filhos ... 54

CONCLUSÃO ... 60

REFERÊNCIAS ... 62

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INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), em seu art. 5°, inciso L, assegura às presidiárias condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação. Nesse mesmo contexto, as demais leis infraconstitucionais, entre elas o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Código Penal (CP) e a Lei de Execução Penal (LEP), também dispõem em seus textos a obrigatoriedade de possibilitar condições adequadas e saudáveis ao aleitamento materno durante o período estabelecido.

Observa-se que o período de amamentação é de fundamental importância para a relação entre mãe e filho, pois envolve a afetividade, determinante para o desenvolvimento psicológico e emocional da criança. A legislação trabalhista, o ECA, os Tratados e Convenções de Direitos Humanos garantem direitos à mulher em liberdade (fora do cárcere) e, ainda preveem que ao ser presa, sendo gestante ou estando em período de amamentação, o Estado obrigatoriamente deve lhe oferecer condições jurídicas e legais para que possa dar toda assistência necessária ao seu filho lactente.

Este tema foi escolhido pela curiosidade em conhecer a situação das mulheres detentas na Penitenciária Modulada de Ijuí-RS e nas demais penitenciárias do Estado do Rio Grande do Sul. Em especial, conhecer as condições ambientais relativas ao direito de amamentação, previsto no art. 5º, inciso L, da CF/88: “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.”

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A CF/88 prevê, portanto, em seu art. 5º, inciso L, que a todas as presidiárias será assegurado o direito de permanecerem com seus filhos durante o período de amamentação, uma vez que tal período é fundamental tanto para a mãe quanto para seu filho.

É ponto indiscutível que as mulheres encarceradas possuem os mesmos direitos que as demais mulheres, e que o Texto Constitucional lhes assegura o exercício do direito de permanecer com o filho no período da amamentação. As providências necessárias para o seu cumprimento passam pela regulamentação infraconstitucional e pela decisão política dos responsáveis pela execução do dispositivo legal.

Não restam dúvidas da importância da relação entre mãe e filho nos primeiros dias de vida, não havendo diferença entre mulheres em liberdade ou em situação de segregação em estabelecimentos prisionais.

O tema em estudo diz respeito aos direitos fundamentais, notadamente ao direito e garantia de as mães permanecerem com seus filhos, inclusive aquelas sob custódia estatal, haja vista que a CF/88 dispõe que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...].” Nos mesmos moldes, a LEP, em seu art. 82, § 2º, determina que os estabelecimentos penais destinados a mulheres sejam dotados de berçário, a fim de que as condenadas possam amamentar seus filhos. Prevê, ainda, que a penitenciária para mulheres poderá ser dotada de seção para gestante e parturiente e de creche, com a finalidade de assistir ao menor desamparado, cuja responsável esteja presa.

O tema central deste estudo traz uma reflexão sobre o art. 5°, inciso L, da CF/88, e as condições a que são submetidas as mulheres encarceradas no período de gestação e aleitamento materno, com vistas a assegurar a sua dignidade e a do seu filho.

Nos primeiros anos de vida é muito importante, necessário e imprescindível o estabelecimento de laços de afetividade entre mãe e filho, a fim de garantir o processo de desenvolvimento socioafetivo.

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Desta forma, a presente pesquisa tem como objetivo estudar e compreender a legislação pertinente aos direitos das presidiárias durante o período de amamentação, bem como realizar uma análise e reflexão sobre as reais condições que as penitenciárias gaúchas oferecem às detentas durante este período, considerando os preceitos da Carta Magna e das leis infraconstitucionais a este respeito.

A pesquisa monográfica foi desenvolvida em dois capítulos. O primeiro visa a desenvolver uma análise referente ao direito e saúde da mulher que se encontra sob custódia estatal, bem como averiguar aspectos do ECA e da LEP que tratam da situação das detentas no período gestacional e o direito de amamentação da criança. A permanência da mãe junto do seu filho lactente, portanto, é a garantia de um direito fundamental, em que há mútuo atendimento e afeto.

O segundo capítulo aborda a questão das mães presidiárias e seus bebês, e analisa o documentário “Leite e Ferro: maternidade e cárcere – um olhar sobre o

drama de se tornar mãe na prisão”, a fim de mostrar a realidade do sistema prisional

brasileiro.

Por derradeiro, colacionam-se decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e do Superior Tribunal de Justiça para demonstrar que o Poder Judiciário Gaúcho e os Tribunais Superiores estão atentos às garantias e direitos assegurados às mulheres presidiárias e aos seus filhos.

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1 DOS DIREITOS DAS PRESAS DURANTE O PERÍODO DE AMAMENTAÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), em seu art. 5°, inciso L, estabelece que são asseguradas às presidiárias condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação. Nesse mesmo contexto, as demais leis infraconstitucionais, entre elas o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Código Penal (CP), e a Lei de Execução Penal (LEP), também dispõem sobre a obrigatoriedade de possibilitar condições adequadas e saudáveis ao aleitamento materno durante o período estabelecido.

Observa-se que o período de amamentação é de fundamental importância para a relação entre mãe e filho, pois envolve a afetividade, determinante para o desenvolvimento psicológico e emocional da criança. A legislação trabalhista, o ECA, os Tratados e Convenções de Direitos Humanos, garantem direitos à mulher em liberdade (fora do cárcere), e ainda preveem que ao ser presa, sendo gestante ou em período de amamentação, o Estado obrigatoriamente deve oferecer condições jurídicas e legais para que possa dar toda assistência necessária aos seus filhos.

Evidencia-se, porém, que nas penitenciárias brasileiras o tratamento, tanto para homens quanto para mulheres sob custódia do Estado, não acontece de forma realmente digna, pois essas instituições se encontram em péssimo estado estrutural e de conservação. Sendo assim, necessário se faz estudar e compreender a legisla-ção pertinente aos direitos das presidiárias durante o período de amamentalegisla-ção, bem como realizar uma análise das reais condições que as penitenciárias gaúchas oferecem às detentas durante este período.

Desta forma, pretende-se desenvolver neste capítulo uma análise referente ao direito e saúde da mulher que se encontra sob custódia estatal. Além disso, busca-se averiguar aspectos do ECA e da LEP que tratam da situação das detentas no período de gestação e o direito de amamentação da criança, considerando que este é um direito fundamental da mãe e seu filho, que proporciona mútuo atendimento e afeto.

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1.1 O direito à saúde da mulher que se encontra sob custódia estatal

Imprescindível se faz abordar aspectos referentes aos direitos e garantias fundamentais estabelecidos pela CF/88 para melhor compreensão do direito das detentas de permanecerem com seus filhos durante o período de amamentação, para posteriormente tratar do direito à saúde da mulher que se encontra sob custódia estatal.

Embora muitos doutrinadores, entre eles, José Afonso da Silva, Paulo Bonavides e Pedro Lenza façam o uso de terminologias diferenciadas com relação aos direitos fundamentais, pode-se afirmar que ao usar as expressões liberdades

públicas, direitos humanos, e direitos subjetivos, eles as utilizam com o mesmo

sentido.

As lições de Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2005, p. 107, grifo dos autores) são esclarecedoras sobre o assunto:

Direitos Fundamentais: gênero. A Constituição Federal de 1988 utilizou-se, em seu Título II, da expressão direitos fundamentais. Entretanto, a doutrina constitucional emprega, ao lado dela, outras, com o mesmo sentido e alcance, como, por exemplo as expressões liberdades públicas, direitos humanos, direitos subjetivos públicos e direitos fundamentais, que costumeiramente são empregados com a mesma significação.

Observa-se que é indiferente a terminologia adotada quando se trata de direitos fundamentais, pois o que se quer enfocar é que a CF/88 apresenta um extenso rol de direitos e garantias em defesa do indivíduo e faz uso das duas expressões: direitos e garantias fundamentais quando elenca no Título II e Capítulos I a V, o tema “Dos Direitos e Garantias Fundamentais.”

Acerca dessa terminologia destaca Jairo Gilberto Schäfer (2001, p. 26):

[...] No que se refere à terminologia adotada no presente livro “direitos fundamentais” – já se está a indicar uma opção delimitadora, pois há uma utilização indiscriminada de diversas expressões para a caracterização de um mesmo fenômeno, o que pode ser percebido na doutrina e, até mesmo no direito positivo. A expressão “direitos fundamentais” deve ser reservada para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional estatal [...].

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Essa afirmação é importante, haja vista que o presente estudo visa à compreensão dos direitos fundamentais consagrados às mulheres encarceradas e com filhos em período de amamentação. É de somenos importância, portanto, a utilização de uma ou outra expressão, pois o que se quer é o reconhecimento dos seus direitos em relação aos filhos e a garantia de que o Estado assegure o seu cumprimento.

A respeito deste tema Schäfer (2001, p. 44, grifos do autor) explica que: “Utiliza-se a expressão garantias dos direitos fundamentais para significar os mecanismos jurídicos que dão estabilidade ao ordenamento constitucional e estabelecem preceitos para integridade seu valor normativo.”

Quanto à classificação dos direitos fundamentais ressalta-se que o direito à amamentação não deve deixar dúvidas quanto ao fato de ser considerado uma cláusula pétrea e um direito relacionado com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Observa-se, contudo, que os direitos fundamentais tendem a se classificar de acordo com o desenvolvimento da sociedade e das demandas que os cidadãos passam a exigir dos governantes.

Neste sentido, Gilmar Antônio Bedin (2002, p. 42) enfatiza:

A classificação proposta por T.H.Marshall (1967) é, sem sombra de dúvida, a mais aceita e valorizada pelos estudiosos da área. No entanto, temos que reconhecer, neste momento, que ela possui uma grande lacuna: não abrange (e não poderia abranger, pois foi proposta em 1950) um fenômeno novo, que é a questão dos direitos do homem no âmbito internacional. Por isto, para efeito deste trabalho, propomos a seguinte classificação:

a) Direitos civis ou direitos de primeira geração; b) Direitos públicos ou direitos de segunda geração;

c) Direitos econômicos e sociais ou direitos de terceira geração; d) Direitos de solidariedade ou direitos de quarta geração.

Com essa classificação é possível perceber que o direito de todas as mulheres permanecerem com seus filhos durante o período de aleitamento em liberdade ou encarcerada, se encaixa nos direitos de terceira geração, ou seja, tais direitos podem ser vistos como uma espécie de direito social (grifo nosso).

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Os ensinamentos de Gisela Maria Bester (2005, p. 587) vão nessa mesma direção, especialmente quando ressalta que “uma das primeiras classificações dos direitos fundamentais e justamente a mais aceita é aquela que foi proposta em 1950 por T. H Marshall [...].” Salienta-se, porém, que outros doutrinadores os classificam de forma ampliada em face da evolução social, política, econômica e tecnológica, na medida em que novas demandas da sociedade se fazem presentes no cotidiano.

Sendo assim, os direitos fundamentais apresentam a seguinte classificação: a) direitos de primeira geração; b) direitos de segunda geração; c) direitos de terceira geração; e d) direitos de quarta geração.

Bedin (2002, p. 43) menciona que a primeira geração de direitos “surgiu com as Declarações de Direitos de 1776 (Declarações da Virgínia), e de 1789 (Declarações da França), e pode ser denominada de direitos civis ou liberdades civis clássicas.” Sendo assim, esta primeira geração de direitos está ligada ao valor da liberdade, ou seja, são direitos individuais, de caráter negativo, pois exigem, de forma direta, uma desistência de seu principal destinatário, qual seja, o Estado.

Para corroborar essa afirmação, Bedin (2002, p. 43) utiliza as palavras de Norberto Bobbio (1992, p. 32) para explicar que:

Esta geração de direitos abrange os chamados direitos negativos, ou seja, os direitos estabelecidos contra o Estado. Daí, portanto, a firmação de Norberto Bobbio de que entre eles estão “todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado.”

Enquanto isso, os direitos de segunda geração podem ser considerados direitos com caráter positivo e de titularidade coletiva, uma vez que exigem a participação e atuação do Estado.

Neste sentido, importante mencionar os ensinamentos de Araújo e Nunes Júnior (2005, p. 115), para quem os direitos fundamentais de segunda geração,

Traduzem uma etapa de evolução na proteção da dignidade humana. Sua essência é a preocupação com as necessidades do ser humano. Se os direitos fundamentais de primeira geração tinham como preocupação a

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liberdade contra o arbítrio estatal, os segunda geração partem de um patamar mais evoluído: o homem liberto ao julgo do Poder Público reclama agora uma nova forma de proteção da sua dignidade, como seja, a satisfação das necessidades mínimas para que se tenha uma dignidade e sentido na vida humana. [...].

Certamente que em razão da evolução da sociedade, novos direitos e demandas vão surgindo e exigem uma nova formulação no âmbito das relações do Estado e dos cidadãos.

No que tange à terceira geração de direitos fundamentais, Bedin (2002, p. 62) explica que:

Esta terceira geração de direitos compreende os chamados direitos de créditos, ou seja, os direitos que tornam o Estado devedor dos indivíduos, particularmente dos indivíduos trabalhadores e dos indivíduos marginalizados, no que refere à obrigação de realizar ações concretas, visando garantir-lhes um mínimo de igualdade e de bem estar-social. Estes direitos, portanto, não são direitos estabelecidos “contra o Estado”, ou direitos de participar no Estado, mas sim direitos garantidos “através” ou por meio do Estado.

Nos dias atuais, esses direitos se constituem uma questão relevante, pois se depreende que o Estado passa a ser o devedor dos cidadãos e necessita agir de forma que atenda às demandas sociais, seja por meio de políticas públicas ou por determinação judicial.

Dessa forma, denota-se que a maioria dos doutrinadores classifica os direitos fundamentais em direitos de primeira, segunda e terceira geração, classificação considerada clássica. Mas, não se pode deixar de dar destaque aos ensinamentos de Paulo Bonavides (2002, p. 198), que informa que não se pode ignorar as novas realidades sociais, econômicas e políticas que se apresentam e que exigem uma nova postura dos Estados referentes aos valores relativos à solidariedade e fraternidade entre os povos.

Neste sentido, Bonavides (2002, p. 198) sustenta a tese da inclusão de uma nova geração de direitos:

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Partindo do pressuposto que os direitos fundamentais estão na sua essência ligados intimamente, direita ou indiretamente, a valores concernentes à vida, à liberdade, à igualdade e à fraternidade ou solidariedade, resguardando sempre a dignidade do ser humano, é possível esta esfera dos direitos fundamentais da quarta geração (direito à democracia, direito à informação e direito ao pluralismo). Pois a globalização política está na iminência de seu objetivo sem referência de valores. Assim, globalizar os direitos fundamentais configura a universalização dos mesmos para que os direitos da quarta geração atinjam sua objetividade como nas duas gerações de direitos anteriores sem destituir a subjetividade da primeira geração para a consecução de um futuro melhor, sem deixar de ser uma utopia o seu reconhecimento no direito positivo interno e internacional.

De fato, constata-se a importância do reconhecimento de uma quarta geração de direitos, a qual se preocupa com o respeito ao homem enquanto ser, em face da globalização e a universalização dos direitos fundamentais. Esses, porém, não serão abordados neste momento, uma vez que não são interessantes para o desenvolvimento deste estudo.

Um aspecto de suma importância diz respeito à CF/88, a qual dispõe que todos são iguais perante a lei, sem qualquer distinção de natureza, assegurando assim a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país o direito à vida, à igualdade, à liberdade, à propriedade, à segurança, à saúde, dentre outros. O direito à vida, contudo, é traduzido como o mais fundamental, uma vez que é tido como condição para a existência dos demais.

Nesse sentido, faz-se necessária uma abordagem sobre o direito à saúde, o qual é constitucionalmente assegurado a todas as mulheres, inclusive as que se encontram sob custódia estatal.

Nesse viés, a garantia do direito à saúde não se restringe apenas a cuidados médicos, sendo a amamentação uma realidade necessária, tanto para prevenir a criança de doenças decorrentes da desnutrição por falta de leite materno, como de patologias que poderão advir da falta de nutrientes encontrados unicamente no leite materno. Desta forma, se a família não apresentar condições para alimentar de maneira adequada os seus filhos, é cabível ao Poder Público tomar a iniciativa de elaborar políticas sociais de maneira a solucionar este problema.

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Pertinente à matéria, estabelece o art. 196 da CF/88: “a saúde é direito de todos e dever do Estado [...]", o que permite o entendimento de que isso também se reporta aos direitos das mulheres detentas. Há, portanto, necessidade da implementação de políticas públicas de atendimento a sua saúde, considerando, segundo Érica Maria Cardoso Soares e Augusto Everton Dias Castro (2014a) que

as políticas até então elaboradas visando à melhoria nas condições de saúde das presidiárias são inegavelmente merecedoras de reconhecimento, pois estão atentas a questões que, de fato, são as mais alarmantes. Porém, o maior desafio é sua implementação. É necessário um esforço conjunto do poder público (provendo os estabelecimentos com todos os recursos necessários, previstos inclusive no PNSSP; formação de profissionais especializados para a lida com essa clientela; fortalecimento das redes de saúde para atenderem a esse público), aliado à conscientização dos profissionais de saúde, para que, enfim, essa população seja assistida de forma integral, com dignidade e respeito.

Os autores acima referidos destacam ainda, que a amamentação é um direito subjetivo e social, dependente das políticas desenvolvidas pelo Estado, e que a população carcerária feminina exige atenção especial, pois

demanda uma atenção de saúde específica, devido suas condições de vida e ambiente. Muitas mulheres que hoje se encontram encarceradas já vivenciaram prostituição, violências dos mais variados tipos e uso abusivo de drogas. Portanto, carregam consigo repercussões físicas e psicológicas de uma vida exposta a diversos fatores de risco. Isso é facilmente identificado pela alta prevalência de DST/Aids, transtornos mentais (em especial TEPT), doenças infecto-contagiosas e traumas.

Nesse sentido, confirma-se a importância de o Estado assumir com responsabilidade as políticas voltadas ao atendimento das mulheres encarceradas.

1.2 O direito de amamentar e ser amamentado

O direito à amamentação é fundamental, razão porque é valorizada e garantida até os primeiros seis meses de vida da criança, fator que deve ser respeitado, principalmente quando a mãe é encarcerada e está em processo de aleitamento.

A todas as mulheres é conferido o direito de amamentação e também o dever de prover este alimento tão essencial e indispensável à criança, haja vista que o leite

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materno constitui-se no principal e, muitas vezes, único alimento que a criança recebe até os seus primeiros seis meses de vida.

Neste sentido, Érica Maria Cardoso Soares e Augusto Everton Dias Castro (2014b) destacam o pensamento de Tereza Setsuko Toma e Marina Ferreira Rea (2008), que afirmam:

O aleitamento materno constitui-se como alimento essencial para crescimento saudável do bebê, visto que o mesmo contém proteínas, anticorpos, gorduras, vitaminas, ferro, açúcar, enzimas e fatores que proporcionam o crescimento, aliado à resistência contra infecções e problemas cardiovasculares quando adulto; aumenta a capacidade cognitiva da criança, favorecendo o desenvolvimento intelectual.

Sendo assim, em decorrência dessa dependência entre mãe e filho, a assistência à mulher grávida se faz necessária e deve ser garantida antes mesmo do parto, com base no princípio da exclusiva proteção dos direitos da criança, previsto no ECA e LEP.

A CF/88, em seu art. 5º, inciso L, prevê que a todas as presidiárias será assegurado o direito de permanecer com seus filhos durante o período de amamentação, uma vez que o período é fundamental para a mãe e para seu filho.

É ponto indiscutível que as mulheres encarceradas possuem os mesmos direitos que as demais mulheres, e que o texto constitucional lhes assegura o exercício do direito de permanecer com o filho no período da amamentação. As providências para o seu cumprimento passam pela regulamentação infra-constitucional e pela decisão política dos responsáveis pelo cumprimento da disposição legal.

Segundo Cláudia Priscilla (2014), “além da proteção constitucional e legislativa no final de 2010, o Brasil participou da elaboração das Regras Mínimas da ONU para Tratamento da Mulher Presa.” Essas regras mínimas, conhecidas como as Regras de Bangkok, foram elaboradas na 65ª Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU), com diretrizes para o atendimento diferenciado de mulheres encarceradas. Segundo a autora supracitada esse documento constitui-se em um acrescentamento nas regras já existentes sobre o assunto.

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Nesse mesmo contexto, Priscilla (2014) destaca que:

As mencionadas “Regras de Bangkok” também garantem de forma expressa o aleitamento materno, estabelecendo que não se impedirá a mulher de amamentar seu filho, a menos que haja razões concretas de saúde para isso. As regras também dispõem que as mulheres em fase de amamentação devem receber um atendimento médico especial de saúde e também de alimentação. Especificamente em relação à alimentação adequada – fundamental para o desenvolvimento da mãe e da criança – destaca-se a necessidade de maior e melhor quantidade de comida e também de estas serem variadas em razão das vitaminas necessárias neste período.

Por mais que essas regras amenizem a situação concernente às mulheres presas em situação de aleitamento, claro está que no sistema prisional brasileiro os problemas persistem, percebendo-se que as peculiaridades de cada caso e interesse da criança não são levados em consideração.

É notável que as condições físicas oferecidas pelos estabelecimentos prisionais às mulheres sob custódia estatal não são aquelas determinadas pela CF/88 e nem pela Lei de Execução Penal. Assim, poucas são as penitenciárias estaduais do Rio Grande do Sul que possuem espaço adequado para o atendimento das crianças em período de amamentação.

Fernando Braga Viggiano e Milton Jordão de Freitas Pinheiro Gomes (2012) relatam que o Relatório de Visitas de Inspeção, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, realizado em 2012, menciona que as condições do espaço para atendimento das mulheres parturientes não são as melhores, afrontando os direitos e garantias fundamentais e, consequentemente, a dignidade humana. Neste sentido, o referido Relatório de Visitas de Inspeção (2012) destaca:

A condição das celas nos pavilhões não é adequada, pois a estrutura predial é bastante antiga. Construída para abrigar um reformatório, a área atualmente é utilizada como unidade prisional, não possuindo espaços adequados para a prática de atividades educacionais, esportivas e laborais, assim como para a prestação de assistência à saúde, jurídica e psicológica. (VIGGIANO; GOMES, 2012).

Em visita à Penitenciária Modulada de Ijuí-RS (PMI), após diálogo com a Diretora da instituição, esta informou que no referido estabelecimento prisional não

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existem condições de abrigamento de mulheres em período de gestação e de aleitamento materno, tampouco espaço adequado para a prestação de atendimento de atividades relacionadas à assistência à saúde, educação, lazer, etc.

Ainda em relação ao exposto no Relatório de Visitas de Inspeção (2014), constata-se que as condições apresentadas na Penitenciária Feminina Madre Pelletier (PFMP) são melhores do que as da PMI de Ijuí-RS, no que concerne ao abrigamento das mulheres nesta situação.

Por esse motivo, mulheres nessa situação são encaminhadas à PFMP, em Porto Alegre, centralizando-se o atendimento na capital do Estado, onde ocupam um ala especial e recebem atendimento específico por um determinado período. Conforme determina a Resolução do TJRS, e contrariando a LEP, as mães detentas poderão permanecer com seus filhos por um ano, observando as Regras de Bangkok.

A respeito do tema, o exposto no Relatório de Visitas de Inspeção (2014) apresenta dados chocantes, o que demonstra que se está longe de uma realidade ideal daquela apregoada pela CF/88 quanto aos direitos das mulheres detentas manterem seus filhos recém-nascidos ao seu lado. O referido documento expressa:

É lastimável que as mães presas, para poderem acompanhar seus filhos recém-nascidos, tenham que abdicar de cumprir suas penas privativas de liberdade nas cidades em que se encontram seus maridos/companheiros e outros filhos, deslocando-se para a Capital ou para as outras três unidades existentes no Estado. Essa situação gera a desintegração familiar, colocando a presa gestante em situação de extrema vulnerabilidade. (VIGGIANO; GOMES, 2012).

Com referência a esse mesmo ponto, relatam os Conselheiros supracitados:

Não é necessário se perquirir muito para se constatar que a centralização desse atendimento na Capital retira o contato da mulher presa com seus familiares (desde marido ou companheiro até seus descendentes), em total afronta aos preceitos contidos na Lei de Execução Penal e da Resolução n. 3/2010 deste Conselho. (VIGGIANO; GOMES, 2012).

Como já referido anteriormente, a proteção advinda do texto constitucional e das leis infraconstitucionais quanto ao tratamento de mulheres encarceradas foi

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ratificada no Brasil por intermédio das Regras de Bangkok, que reconhecem a sua necessidade de tratamento específico e diferenciado dentro do sistema prisional (PRISCILLA, 2014).

Nem tudo, porém, ocorre como é determinado pelo art. 5º, inciso L, da CF/88, haja vista que a realidade existente tanto na PMI, como nas demais unidades prisionais brasileiras, é precária e não há espaço diferenciado, com alas ou módulos só para mulheres, tendo estas que dividir seu espaço com presos do sexo masculino.

As referidas Regras de Bangkok vão ao encontro das normas estabelecidas no art. 37 do CP, as quais aludem que “as mulheres cumprem pena em estabelecimento próprio, observando-se os deveres e direitos inerentes à sua condição pessoal, bem como, no que couber o disposto neste capítulo”. Acrescentam-se as normas da LEP (1984), que em seu art. 82, § 1º, estatui o seguinte:

Art. 82. Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso [...]. § 1º. A mulher e o maior de sessenta anos, separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal.

Denota-se, assim, que o interesse das presidiárias não é atendido e, tampouco, suas diferenças são levadas em consideração.

A propósito, convém assinalar que o Projeto de Diretrizes das Nações Unidas sobre Emprego e Condições Adequadas de Cuidados Alternativos com Crianças, apresentado pelo Brasil ao Comitê dos Direitos da Criança da ONU, em 31 de maio de 2007, dispõe que "os Estados devem levar em consideração o que seria melhor para a criança, ao decidirem pela retirada de crianças nascidas na prisão ou que viverem com um dos pais na prisão", haja vista que no período compreendido do nascimento até seis meses o convívio com a mãe é fundamental para o seu crescimento (ONU, 2007).

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Não se pode deixar de mencionar o quanto é indispensável que mãe e bebê permaneçam juntos, porque a relação de afetividade que se estabelece entre eles auxilia no desenvolvimento psicossocial e afetivo da criança.

Para corroborar o exposto, Priscilla (2014) sustenta que:

O período de amamentação é fundamental para o estabelecimento de vínculos fortes e estáveis, fase em que se estabelece o contato físico, a identificação recíproca e em que são despertados os primeiros sensoriais e emocionais da criança.

A situação se torna muito especial quando as mães e os bebês estão dentro de uma penitenciária, longe de outras pessoas da família e a separação imposta pela lei.

Realmente, a presença de outros familiares com o bebê da mulher sob custódia estatal também é essencial, uma vez que proporciona o seu desenvolvimento.

Sob esse aspecto, em que pese que a legislação brasileira, com ênfase para o ECA e LEP, apresente benefícios às presas gestantes, parturientes e em período de amamentação, observa-se que a situação das penitenciárias do Estado do Rio Grande do Sul não oferecem condições adequadas para a efetividade do direito à amamentação.

1.3 Aspectos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Lei de Execução Penal (LEP)

O direito à amamentação é regulamentado pela CF/88, bem como pelo ECA e pela LEP, institutos que determinam que as presas permaneçam com seus filhos nos primeiros seis meses.

Observa-se, porém, segundo Soares e Castro (2014b), que as unidades prisionais não oferecem um ambiente adequado para amamentar seus filhos, uma vez que estas necessitam “de ambiente prisional feminino para que os mesmos sejam dotados de berçários com o intuito de prover às detentas e seus filhos local ideal para a prática de amamentação.”

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O ECA, entretanto, estabelece em seu art. 9º, que o Poder Público, as instituições e os empregadores devem propiciar condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas à medida privativa de liberdade.

Nos mesmos moldes, a LEP, em seu art. 82, § 2º, determina que os estabelecimentos penais destinados a mulheres deverão ser dotados de berçário, onde as condenadas possam amamentar seus filhos. Prevê, ainda, a referida lei, que a penitenciária para mulheres poderá ser dotada de seção para gestante e parturiente, bem como de creche, com a finalidade de assistir ao menor desamparado, caso sua responsável esteja presa.

Importante referir que a lei supracitada dispõe no seu art. 89, parágrafo único, incisos I e II, que quando se trata de atendimento das mulheres detentas e seus filhos menores em idade escolar, há necessidade de “[...] atendimento por pessoal qualificado, de acordo com as diretrizes adotadas pela legislação educacional e em unidades autônomas e horário de funcionamento que garanta a melhor assistência à criança e à responsável.”

Corroborando com a afirmação anterior, o Promotor de Justiça José Heitor dos Santos (2014) afirma que

A ausência de berçários ou de locais adequados para o aleitamento materno no sistema penitenciário vem prejudicando flagrantemente a criança e a mãe presidiária, pois imediatamente ao seu nascimento, a criança é separada da mãe e entregue aos cuidados de familiares, de terceiras pessoas ou de instituições ou, não sendo possível esta solução, a mãe é colocada em liberdade para amamentar o filho ou então permanece com ele na cela, ao lado de outras detentas, em situação absolutamente adversa, já que a cela, em regra, é um lugar insalubre, não há sol, a água é fria, o banheiro e o vaso sanitário são coletivos, enfim, a cela de um presídio ou de uma cadeia pública não é lugar para a permanência de uma criança recém-nascida.

Diante dessa situação, a melhor solução para este problema seria a construção de berçários ou adaptações nas próprias cadeias, de forma a melhor acolher as detentas e seus filhos. Outra solução seria possibilitar a essas mulheres que se encontram sob custódia estatal saírem da unidade prisional em que se

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encontram para amamentarem os seus filhos e, consequentemente, lhes proporcionar uma alimentação saudável em um ambiente digno e aconchegante (SANTOS, 2014).

Sobre o tema, o autor supracitado explica ainda que:

Trata-se de um desdobramento do princípio mais amplo de que a pena não pode passar da pessoa do réu. Para que a amamentação se torne possível, é necessário que as cadeias e presídios femininos dispensem condições materiais para que se possa levá-la a efeito. A Constituição Federal e as leis infraconstitucionais asseguram esse direito e muito embora o dispositivo constitucional faça referência a condições futuras que serão asseguradas, encerra, na verdade, um dispositivo de aplicabilidade imediata, pois as providências nele referidas não chegam a exigir qualquer medida legislativa. Não é muita coisa o que se exige para o cumprimento do dispositivo. Não é nada, na verdade, que não possa ser alcançado dentro da esfera de competência da própria diretoria do estabelecimento penitenciário. (SANTOS, 2014).

Percebe-se, neste momento, a existência de uma realidade conflitante, pois de um lado encontra-se a Carta Magna e as leis infraconstitucionais, assegurando condições mínimas e necessárias para que se cumpra o princípio da dignidade da pessoa humana, exigência do Estado Democrático de Direito. E, de outro lado se verifica claramente que ocorrem falhas institucionais em relação ao cumprimento da lei e a falta de políticas públicas que concretizem esse direito.

Cabe mencionar ainda que a LEP dispõe que a mulher privada de liberdade deve cumprir sua pena em estabelecimento distinto, ou seja, uma instituição penal que atenda as demandas femininas, principalmente das mulheres gestantes ou em período de amamentação.

Sem dúvida, o art. 5º, inciso XLVIII da CF/88 é muito claro ao dispor que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.” A mulher privada de liberdade, contudo, não recebe um tratamento digno quando se trata de ter um espaço adequado, por exemplo, um berçário para amamentar seu filho, que merece ser tratado como um ser humano de direitos, com tranquilidade, respeito e dignidade.

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O Relatório de Visitas de Inspeção do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, realizado em 2012, reconhece que o princípio da dignidade da pessoa humana não tem sido observado na PFMP, situada em Porto Alegre-RS, cujos Conselheiros constatam que o

problema grave que afronta os direitos humanos das mulheres encarceradas é o fato de que, ante a inexistência de unidades prisionais que comportem a permanência dos filhos com as gestantes presas, devem ser transferidas pouco antes do parto para que possam ficar na companhia de suas crianças. (VIGGIANO; GOMES, 2012).

Cabe aduzir que o ambiente prisional é um local impactante e peculiar que não promove a ressocialização das pessoas que lá estão encarceradas, ou seja, não é um ambiente digno, adequado para uma criança em fase de amamentação.

1.4 A criança em ambiente penitenciário

O ambiente prisional é marcado pela falta de políticas públicas que promovam a ressocialização e a inclusão social. Ademais, o mesmo se agrava quando se faz referência ao direito ao aleitamento materno em face do princípio da dignidade da pessoa humana e a previsão constitucional sobre o assunto.

Dentro dessa perspectiva, cabe ressaltar que o direito das presidiárias de permanecerem com seus filhos durante a amamentação é considerado um direito subjetivo e, como tal, deve o Estado possibilitar condições ao seu exercício, “independentemente da condição em que se encontrem, uma vez que o interesse da criança prepondera sobre qualquer outro interesse de ordem pública ou particular.” (MEDEIROS, 2011).

Sublinha-se que é dever do Estado assegurar um atendimento especial às mulheres encarceradas e seus filhos, de forma que permaneçam com seus bebês o tempo necessário para seu desenvolvimento psicossocial e afetivo. No Estado do Rio Grande do Sul, o Expediente nº 6.947/2009, que trata sobre nascimentos na PFMP em Porto Alegre/RS, determina que as crianças permaneçam com suas mães até um ano de idade, ressaltando que o período estabelecido por lei não é o mais adequado para os infantes.

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Nas palavras de Lilian Dorneles Zabu (2008, p. 16), nos primeiros seis meses de vida o bebê se encontra em um estado de total dependência do meio que lhe é oferecido pela mãe. Em outras palavras, ele e o meio estão fundidos numa unidade e a adaptação da mãe às necessidades do bebê nesta ambientação primária é o que permite que os processos de maturação ocorram naturalmente.

No entendimento de Cibele Medeiros (2011), o período permitido pelas normas legais para a mãe permanecer com seus filhos durante o período de aleitamento é de seis meses, tempo indispensável à presença constante da genitora, uma vez que nesses primeiros contatos são estabelecidos os laços entre mãe e filho, onde um se torna totalmente dependente do outro. Para a autora, o Estado do Rio Grande do Sul é pioneiro nessa medida, pois visa “evitar a superlotação do ambiente penitenciário e garantir o superior interesse da criança.” (MEDEIROS, 2011).

Nesse sentido, são esclarecedoras as palavras de René Spitz (1960, p. 40-41) sobre o assunto, ao referir que:

A ternura da mãe oferece à criança uma gama riquíssima de experiências vitais: sua atitude afetiva determina a qualidade da própria experiência. [...]. Isto é bem mais verdadeiro para a criança, porquanto ela percebe de uma maneira afetiva, bem mais pronunciada do que o adulto. Durante os três primeiros meses, as experiências da criança de limitam, com efeito, ao afeto: o sensorium, a discriminação e o aparelho perceptivo, não estão ainda desenvolvidos, sob o ponto de vista físico. Será, então, a atitude afetiva da mãe, que servirá de orientação para o lactente.

Claro está, portanto, que o contato da criança nos primeiros anos de vida com a mãe garante um suporte para o seu pleno desenvolvimento, haja vista que a CF/88, no art. 227, estabelece o princípio da prioridade absoluta em favor das crianças.

Anote-se que, tanto a LEP como o ECA, preveem como dever de todos o respeito à criança e ao adolescente, evitando que ocorram abalos, constrangimentos de respeito aos seus direitos, inclusive, que “é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.” (MEDEIROS, 2011).

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É de suma importância referir que o reconhecimento da dignidade da criança, filha de mãe encarcerada, pode ser atingida, uma vez que a presidiária, em decorrência da falta de condições financeiras para a manutenção de sua família, subordina-se à prática de delitos, os quais dizem respeito ao consumo e tráfico de drogas.

1.5 A relação da presa com o consumo e tráfico de drogas

Vale observar, especificamente com relação às mulheres presidiárias e sua relação com o consumo e tráfico de drogas, que a sua inserção na criminalidade ocorre em decorrência da necessidade financeira, pois encontram nessa atividade ilícita uma renda mais fácil e substancial.

Consoante Simone Brandão Souza (2006, p. 13), as mulheres carcerárias,

[...] na urgência de se garantir o presente, limitam-se as expectativas para o futuro e priorizam-se o imediato – o que pode facilitar, sobretudo no caso das mais pobres e desamparadas o envolvimento em atividades criminosas e lucrativas a curto prazo.

Os dados constantes do relatório elaborado pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) (BRASIL, 2011), em anexo a este estudo, demonstram que o índice de encarceramento de mulheres nas regiões Sul, Norte, Centro-Oeste e Sudeste chega a 65% no que se refere à segregação em virtude do tráfico de drogas. Observa-se, porém, conforme dados estatísticos, em que pese a baixa escolaridade e as privações socioeconômicas, que na Região Nordeste o índice atinge apenas 40%. Isso deixa claro que os delitos cometidos pelas mulheres se dá em razão do lucro fácil e a complementação de renda para o atendimento das necessidades de suas famílias, pois na maioria das vezes elas são suas principais mantenedoras.

Outro aspecto que é deveras preocupante relaciona-se com os dados coletados pelo Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL, 2007), que apresenta uma realidade e leva a refletir sobre as prováveis causas que provocam uma desproporção quando analisados e comparados com o número de homens

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presos pelo tráfico de entorpecentes, antes da entrada em vigor da Lei nº 11.343/2006, quando o total de homens presos era de 306.240 e de mulheres era de 13.703.

Na abordagem que Luiz Flávio Gomes e Mariana Cury Burduky (2012) realizam sobre o exposto, esses apontam que:

Em 2006, o número de presas no Brasil era de 23.065 detentas, dentre as quais 5.433 (ou 23,5%) por drogas. Já em 2010, houve um crescimento no número de mulheres presas, chegando-se a um total de 34.807 detentas, dentre as quais 14.057 (ou 40%) por drogas. Nota-se, portanto, que a taxa de crescimento pelo número de presas pelo tráfico de drogas foi de 159%, no período de quatro anos vigência da nova lei, ou seja, três vezes maior do que a taxa de crescimento do número total de presas no país (51%).

Acredita-se que esse elevado número de mulheres presas por tráfico de entorpecentes se dá em razão de assumirem o lugar de seus maridos, companheiros ou filhos, presos pelo mesmo delito. A prisão por tráfico ocorre porque, na maioria das vezes, elas são flagradas em ações de entrega e distribuição na própria casa prisional quando em visitação aos familiares.

Segundo Manuel Carlos Montenegro (2011), o tráfico de drogas não é uma realidade existente apenas no Brasil, pois países do Mercosul (Argentina, Uruguai, Paraguai) e outros, como Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, apresentam um índice de prisões femininas que gira em torno de 65 a 70%, relativamente a crimes concernentes a substâncias ilícitas. O autor sustenta esta afirmação com as seguintes palavras:

A política de combate ao uso e tráfico de drogas ilícitas – a guerra às drogas – é a responsável pelo aumento de prisões de mulheres, segundo a subprocuradora-geral da República, Ela Wiecko de Castilho. A afirmação foi feita durante painel que abordou a criminalização feminina, no Encontro Nacional sobre o Encarceramento Feminino, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nesta quarta-feira (29/6), em Brasília. O fenômeno não é restrito, especificamente, ao Brasil. A subprocuradora-geral citou pesquisa realizada em sete países sul-americanos, segundo a qual o consumo e o tráfico de drogas levaram à prisão a maioria das mulheres presas nos últimos anos. “Na Argentina, entre 65% e 70% da população carcerária respondem a crimes relacionados ao tráfico e uso de drogas”, afirmou. (MONTENEGRO, 2001, grifos do autor).

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Evidencia-se, portanto, que não é fácil o combate ao tráfico de entorpecentes, haja vista que cada vez mais aumenta o número de mulheres que se dedicam à traficância, visando ao aumento e complementação da renda familiar.

Certamente que a participação das mulheres nesse comércio ilegal implica de forma objetiva e subjetiva na relação afetiva da criança com a mãe dependente química. Por essa razão é importante verificar de que maneira isso interfere no direito à amamentação e sua permanência com a criança.

1.5.1 Análise do documentário “Leite e Ferro: Maternidade e Cárcere – Um olhar sobre o drama de se tornar mãe na prisão”

Ao desenvolver este tema, escolhido em função da curiosidade em conhecer a situação das mulheres detentas na PMI, e analisar dados das demais penitenciárias do Estado do Rio Grande do Sul quanto às condições do ambiente relativo ao direito de amamentação previsto no art. 5º, inciso L, da CF/88, recebeu-se a sugestão de assistir ao documentário “Leite e Ferro: Maternidade e Cárcere –

Um olhar sobre o drama de se tornar mãe na prisão”, dirigido por Cláudia Priscilla

(2014). O documentário conquistou, em 2011, o Grande Prêmio na Competitiva Internacional, e Destaque Feminino na Competitiva Nacional do Festival Internacional de Cinema Feminino, dentre outros destaques.

O referido documentário retrata a situação das mulheres encarceradas que são mantidas no Centro de Atendimento Hospitalar à Mulher Presa (CAHMP), na cidade de São Paulo, e que lá permanecem durante o período de amamentação, após darem à luz os seus filhos, descumprindo o prescrito na CF/88, no CP e na LEP, como já mencionado anteriormente.

O documentário retrata a rotina de mulheres que se tornam mães na prisão e apresenta o cotidiano vivido por essas mulheres no CAHMP, na cidade de São Paulo. O filme narra a história de Daluana que se envolve com o famoso traficante Da Lua e, desse relacionamento, nasce uma criança.

A história inicia com a apresentação de uma menina de 14 anos de idade que desde os 10 anos já atuava no tráfico de drogas. Sua primeira gravidez ocorreu em

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2000, quando tinha 14 anos de idade. Já havia sido presa anteriormente e, portanto, não era a primeira vez que se encontrava no CAHMP para amamentação. Nessa época, Daluana contava com 40 anos de idade, havia crescido na rua e no meio das drogas, passando por diversas instituições penais carcerárias.

Priscilla (2014) relata com muita propriedade o que se passa no cotidiano de uma instituição prisional. Os relatos mostram que

Mães e bebês ficam juntos atrás das grades, mesmo que por pouco tempo. Na ocasião das filmagens, ano de 2007, depois de quatro meses, a criança ia para outra pessoa da família, a uma instituição ou era adotada, às vezes até de maneira ilegal. Hoje, o período de aleitamento e consequentemente do convívio entre mãe e filho são de seis meses, prazo mínimo estipulado pela OMS para que os bebês se alimentem exclusivamente do leite materno. (PRISCILLA, 2014).

Observa-se na narrativa do filme que as mulheres grávidas e em período de aleitamento necessitam de um atendimento diferenciado relativo às especificidades femininas que ocorrem principalmente nesse período. A realidade das unidades carcerárias brasileiras, infelizmente, ainda não corresponde às Regras Mínimas para Tratamento da Mulher Presa da ONU (PRISCILLA, 2014).

Os cuidados médicos durante a gravidez e pós-parto são indispensáveis tanto para a mãe como para a criança, seja no aspecto da saúde física e nutricional como mental e psicológica, devido ao estado de vulnerabilidade em que se encontram. Nesse contexto, a CF/88, bem como as demais leis infraconstitucionais, estabelece o direito de as mulheres presas e as crianças em período de amamentação receberem um acompanhamento médico para evitar problemas de saúde que podem acarretar um prejuízo dos seus direitos fundamentais.

Viggiano e Gomes (2012) reiteram no Relatório de Visitas e Inspeção, a importância do atendimento à gestante presa, enfatizando que

Ainda que seja realizado um trabalho de acompanhamento psicológico durante esse período, as gestantes, em profundo estado de vulnerabilidade psicológica e social, perdem o contato com seus filhos quando completam seis meses de vida, a não ser que estejam acometidos de algum problema respiratório, aumentando o período de permanência até um ano de idade. Durante a inspeção, conversamos com algumas das presas que estavam

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acompanhadas de seus filhos que afirmaram ter que deixar os demais filhos na companhia de parentes próximos, para que não perdessem o contato com as novas crianças, tendo elas informado que não recebem muitas visitas de seus familiares, pois moram muito longe e não têm recursos financeiros para custearem as viagens. Trata-se, portanto, de fator restritivo ao direito à visitação.

Constata-se, assim, que o documentário retrata uma situação vivenciada nas penitenciárias brasileiras, contrariando todas as regras de direitos humanos existentes no Brasil, especialmente aquelas idealizadas pelos garantistas.

Conclui-se que o sistema penitenciário brasileiro, retratado por Priscilla (2014), em especial o que diz respeito ao drama vivenciado pelas mulheres que se tornam mães na prisão, coloca em conflito o estabelecido no art. 5°, inciso L, da CF/88, revelando que “a privação de liberdade já um mecanismo que constrange e estigmatiza, isso se dá com maior gravidade no que diz respeito às mulheres, com suas especificidades e especiais condições." (BARCELOS, 2014).

Apesar de a legislação brasileira ser considerada uma das mais avançadas do mundo, não consegue pôr em prática tudo aquilo que deseja em termos de atendimento às mulheres presas que se tornam mães na prisão.

Em face do exposto, no próximo capítulo aborda-se o ponto central deste estudo, qual seja, a releitura do art. 5°, inciso L, da CF/88, com enfoque no ECA, a fim de analisar dados estatísticos sobre as reais condições das penitenciárias brasileiras quanto ao direito à amamentação.

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2 REFLEXÕES SOBRE O ART. 5°, INCISO L, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, E AS CONDIÇÕES DAS MULHERES ENCARCERADAS NO PERÍODO DE GESTAÇÃO E ALEITAMENTO MATERNO

Ainda no que tange às reflexões sobre o art. 5°, inciso l, da CF/88, e as condições das mulheres encarceradas no período de gestação e aleitamento materno, ponderações se fazem necessárias para compreensão do tema em pauta. O referido artigo e seu inciso estabelecem que:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação; (grifo nosso).

É preciso reconhecer que são poucos os dispositivos constitucionais e legais que se referem mais diretamente à mulher, porém, o inciso L, do art. 5º, é um dispositivo que merece destaque pela sua importância no contexto desta pesquisa, pois envolve não só as presidiárias, mas também as crianças.

Preliminarmente, para entender o quadro evolutivo, cabe tecer comentários sobre a criança na legislação anterior à CF/88 e, assim, verificar se houve modificações substanciais ou apenas mudanças supérfluas, e se isso possibilitou avanços na legislação, bem como algum impacto positivo com relação aos seus direitos e garantias.

Com relação ao ECA, trabalha-se a Doutrina da Proteção Integral para demonstrar que a CF/88 é o marco legal em que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e de deveres, e que ao descumprirem o que dispõem as normas reguladoras, serão penalizados por seus atos.

Ainda neste capítulo aborda-se a respeito da questão das mães presidiárias e seus bebês, e se retoma o documentário “Leite e Ferro: maternidade e cárcere – um

olhar sobre o drama de se tornar mãe na prisão”, para confirmar a realidade do

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Por último, colacionam-se decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para demonstrar que o Poder Judiciário Gaúcho e os Tribunais Superiores estão atentos às garantias e direitos assegurados às mulheres presidiárias e seus filhos.

2.1 A criança na legislação anterior à Constituição Federal de 1988

Para melhor compreensão dos direitos e garantias assegurados à mulher encarcerada e a seus filhos, é importante analisar a evolução histórica da criança e do adolescente na legislação anterior à CF/88, a fim de verificar se houve modificações substanciais ou apenas mudanças supérfluas.

Raphael Fernando Pinheiro (2012), a respeito da evolução histórica, enfatiza:

Antes da implantação da doutrina da proteção integral no Brasil, a situação do jovem infrator foi regulada por dois outros sistemas jurídicos, iniciando-se com a do Direito Penal do menor, que não fazia distinção entre adultos e crianças no que se refere ao ato infracional e a aplicação das medidas punitivas. Posteriormente surge o Código de Menores, defendendo ao longo de seu texto a doutrina da proteção irregular, constituindo um sistema em que o menor de idade era objeto tutelado do Estado, sobrevelando (sic) a responsabilidade da família.

Anterior à promulgação da CF/88 não havia proteção integral da criança e do adolescente, ou seja, não se fazia distinção entre crianças e adultos, sendo-lhes aplicadas as mesmas penalidades, independentemente do ato infracional praticado.

A ausência de políticas públicas de proteção integral da criança e do adolescente no período anterior à Constituição vigente mostra que as regras existentes não atendiam aos interesses dos menores, pois eram considerados apenas meros objetos da legislação, sem direitos, a quem eram aplicadas penalidades semelhantes às de um apenado adulto, sem possibilidade de reeducação e socialização. Nesse rumo, afirma Janine Borges Soares, “o Código de Menores deveria ter um caráter social e não essencialmente jurídico, pois entendiam que o problema da criança estava no âmbito da assistência”, corroborando com a tese da doutrina da situação irregular (apud MEDEIROS, 2011).

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Ademais, segundo Lucas Souza Vilela (2014), até recentemente o Brasil adotava a Teoria da Situação Irregular por meio do Código de Menores. Tal doutrina tinha como objeto legal apenas os menores de 18 anos em estado de abandono ou delinquência, os quais eram submetidos pela autoridade competente às medidas de assistência e proteção.

Nesse sentido, Soares esclarece que “o Código de Menores reflete um profundo teor protecionista e a intenção de um controle de crianças e jovens, consagrando a aliança entre a Justiça e a Assistência.” A autora afirma ainda que o Código de Menores autorizava que a autoridade judiciária autuasse com elevado grau de discricionariedade e “ausência de rigor procedimental, com desprezo da garantia do contraditório” (apud MEDEIROS, 2011), o que denota que os menores eram atendidos como se fossem portadores de patologia social.

Ainda com relação à Doutrina da Situação Irregular, afirmam Irene Rizzini e Francisco Pilotti (2009, p.23) que o objetivo do Código de Menores era de realizar uma “limpeza”, ou seja, retirar as crianças e os adolescentes da rua, encaminhando-os para instituições mantidas pelo Poder Público, especialmente à Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM).

Paralelo aos ensinamentos de Vilela (2014) encontra-se a ideia de Pinheiro (2012), em que este destaca:

No art. 2° do Código de Menores de 1979, considerava-se menor em situação irregular aquele que poderia ser encontrado em seis situações distintas, quais eram: o menor abandonado em saúde, educação e instrução; a vítima de maus tratos ou castigos imoderados; os que se encontravam em perigo moral; os privados de assistência judicial; os desviados de conduta e o autor de infração penal.

Ressalta-se que o Código de Menores de 1979 não recebeu somente a inspiração da Teoria da Situação Irregular, mas também do Regime Totalitarista e Militarista vigente no país, apesar de ter sido elaborado sob a influência da Declaração dos Direitos da Criança, de 1959. Suas medidas criadas para cuidar de "patologias jurídico-sociais", definidas na lei, amparavam-se em conceitos e princípios simplistas e falaciosos, que resultavam, na prática, em um controle social da pobreza (VILELA, 2014).

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O Código de Menores perdurou por muitos anos, mas já havia no Brasil um movimento em defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, pois era sabido que as instituições públicas que os abrigavam utilizavam de muita violência, o que gerava revolta e mais problemas para a sociedade.

A esse respeito, Maria Regina Fay de Azambuja afirma que

No final do século XX, o estágio de evolução e compreensão sobre o significado da infância, tanto no âmbito familiar como no social, acabou refletindo na esfera jurídica, passando, a criança, a conquistar a condição de sujeito de direitos, possibilitando, assim, novas perspectivas de transformação social. (apud MEDEIROS, 2011).

Pode-se afirmar que o Brasil, com a promulgação da CF/88, previamente introduziu regras de proteção da criança e do adolescente, indo ao encontro da Convenção sobre Direitos da Criança das Nações Unidas, que foi promulgada somente um ano após, em 20 de novembro de 1989.

Desta forma, ainda segundo Azambuja (apud MEDEIROS, 2011), há uma projeção impar do Estado brasileiro no cenário internacional, incorporando princípios que muitos países ainda não haviam introjetado em suas legislações.

A CF/88 trouxe consigo inovações quanto à proteção da criança e do adolescente, uma vez que adotou a Doutrina da Proteção Integral, tornando crianças e adolescentes sujeitos de direitos. Com sua promulgação, crianças e adolescentes passaram a ser tratadas como pessoas em condições de desenvolvimento especial, uma vez que necessitam de proteção integral do Estado, da família e da sociedade do ponto de vista geral (VILELA, 2014).

Assim, o Estado, a família e a sociedade têm o dever de assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes, constitucionalmente previstos pelo art. 227 da CF/88. Por oportuno, surge um novo conceito de proteção, que define a tutela da infância e da juventude como um dever não apenas do Estado, mas de todos os cidadãos.

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