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A CRISE E A ESTAGNAÇÃO DAS PROMISSORAS COLÔNIAS

4 A DINÂMICA DO SISTEMA AGRÁRIO DO REBORDO DA SERRA

FIGURA 17: CASAS COMERCIAIS COLONIAIS ABANDONADAS, AS “VENDAS”

4.11 A CRISE E A ESTAGNAÇÃO DAS PROMISSORAS COLÔNIAS

O otimismo em relação à prosperidade da Colônia de Santo Ângelo era muito grande no início do período colonial. A previsão sobre o futuro da Colônia feita pelo médico alemão Roberto Avé-Lallemant é o retrato desse otimismo: “(...) além da excelência do solo, tem ainda em si uma artéria especial, palpitante, o navegável Jacuí, que no seu curso meridional corta a colônia. A isso atribuo muita importância, tanta que, acredito, não ficará Santo Ângelo atrás de Santa Cruz por muito tempo” (Werlang, 1995, p.59). A produção agrícola exportada nas primeiras décadas da colônia só fazia no porão) de 1901 ainda hoje pode ser visto em perfeito estado de conservação (Figura 16).

aumentar esse otimismo. Os dados de Bruhn (1932) apud Werlang (2002), mostram que, em 1860, a Colônia produziu 7,97 % do milho e 1,81 % do feijão de toda a província. Em 1866, 3,40% do milho, 2,27% do feijão, 14,66% da batata inglesa, 13,63% do tabaco em rama.

Passados quase 150 anos da colonização, constata-se que a colônia não se desenvolveu como previsto. Ficou muito distante da rica Colônia de Santa Cruz (criada alguns anos antes) e também das novas colônias fundadas bem depois, como a de Ijuí, Santa Rosa entre outras.

TABELA 04: Produção das Colônias Italianas em 1884

Colônias Habit. Eqüinos Suínos Bovinos Trigo Feijão Milho Vinho Caxias 12.540 10.700 12.000 3.500 1.200 1.600 3.200 2.900 D. Isabel 8.339 11.700 12.000 3.800 1.445 1.736 3.011 2.795 Conde d’Eu 6.036 1.732 8.422 701 794 1.608 3.556 2.795 Silveira Martins 6.001 2.000 10.000 1.000 1.200 1.600 3.200 2.900 Fonte: Santin (1986, p. 44)

Em relação à Quarta Colônia Italiana, o otimismo, acerca do futuro, também era grande, tudo indicava que alcançaria o mesmo desenvolvimento de suas co-irmãs. O otimismo provinha do bom nível de desenvolvimento alcançado já em 1884. Apesar de ser mais recente que as outras italianas fundadas, como Caxias, Conde d’Eu (em Garibaldi) e Dona Isabel (em Bento Gonçalves) e com bem menos habitantes, ela superava em quase todos os itens a Colônia de Conde d’Eu, sendo que, na produção de trigo, milho, feijão e vinho, obtinha os mesmos índices da grande Colônia Caxias.

Esse mesmo desempenho é confirmado no cinqüentenário italiano38, se estendendo, de acordo com Santin (1986), até o primeiro quarto do século seguinte39. Entretanto, após este período, ocorre a sua completa estagnação, a tal ponto de, atualmente, ser esquecida, ou apenas lembrada como a prima pobre, pela literatura

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Para se ter uma idéia da produção agrícola, foram exportados de Arroio Grande neste período: 60 mil sacos de arroz, 10 mil de feijão, 30 mil sacos de milho, 1.500 quilos de erva medicinal, 04 milhões de laranjas e 04 milhões de litros de vinho (Santin, 1986).

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A descrição ufanista de Beber (1998, p.152) daquele período é característica do otimismo da época: “(...) até as primeiras décadas do Século XX a produção era tanta que se tornou necessária a exportação em grande escala de alfafa, milho, banha, fumo, feijão, arroz e batatinha (...) Nas estações férreas da região (...) embarcavam produtos para São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Uruguai, Argentina (...)”.

sobre as Colônias Italianas no Rio Grande do Sul, tal é a diferença atual da região em comparação às outras colônias.

Vários são os fatores que podem ser apontados como as causas do pouco desenvolvimento da Colônia Alemã e da Italiana. Entre os mais importantes estão, sem dúvida, o isolamento, a inexistência da possibilidade de expansão devido à presença de grandes propriedades particulares, e os conflitos políticos que impediram a emancipação das colônias.

TABELA 05: Comparação entre Municípios das Colônias da Região com Municípios de outras Colônias

Município PIB População PIB per capita

AGUDO 102.209 17.444 5.963

SANTA CRUZ DO SUL 2.092.857 107.589 19.787

SANTA ROSA 424.039 65.584 6.584 SILVEIRA MARTINS 26.277 2.566 10.280 CAXIAS DO SUL 4.064.483 360.223 11.566 BENTO GONÇALVES 1.022.408 91.505 11.438 GARIBALDI 428.474 28.328 15.434 IJUÍ 350.142 78.458 4.505 Fonte: FEE, 2000

Em relação ao isolamento, além da falta de estradas, Roche (1969) destaca, também, a dispersão dos núcleos populacionais: “Algumas ilhas que se prolongam, como um pontilhado, até Santa Maria, a linha leste-oeste da antiga colonização germânica, estavam demasiado espalhadas para darem origem a uma área, demasiado isoladas para participarem da prosperidade da região do fumo”.

Sobre a pouca possibilidade de expansão das colônias é importante destacar que se localizavam numa área cercada por grandes latifúndios particulares (encravadas em meio às montanhas e latifúndios). No primeiro período de expansão, no final do Século XIX, ocorreu um avanço sobre as áreas particulares, mas já no início do Século XX esta possibilidade, praticamente, se esgotou. A partir daí, ocorreu um verdadeiro

“enxameamento”40 dos colonos. São grandes as levas de descendentes de imigrantes alemães e italianos que partem em busca de terras mais distantes. Segundo Sponchiado (1996), o que impressiona é a constante mobilidade dos habitantes da Região desde o início até os dias atuais. Para o autor, esses imigrantes foram mais nômades do que sedentários.

Nas primeiras décadas do Século XX, muitos migraram para as novas colônias que estavam sendo abertas no norte e noroeste do Estado do Rio Grande do Sul41, como Erechim, Ijuí, Santo Ângelo e Santa Rosa. Preenchida a faixa florestal do Vale do Rio Uruguai, o enxameamento transpõe, a partir da metade do Século XX, o grande Rio Uruguai, para afluir nos numerosos Núcleos Barriga-Verde, preferindo o oeste catarinense. Com a mecanização das novas culturas, o Estado do Paraná passou a ser alvo do enxameamento e, depois, o Mato Grosso, Goiás, Bahia e Amazônia (Sponchiado, 1996).

São inúmeros os relatos dos agricultores sobre as pessoas que migraram. O Agricultor Bernardo Unfer (Linha dos Pomeranos, Agudo) relata que, na década de 1950, dos sete irmãos da família de sua mãe, somente ela não migrou para Capanema (Paraná). Segundo o agricultor, na mesma época, 70% da população da comunidade de Serraria Scheidt (em Paraíso do Sul) migrou.

Já nas décadas de 1970/80 foi forte a migração para as cidades que ofertavam empregos urbanos (principalmente as fábricas de sapatos), como Farroupilha, Canoas e Porto Alegre. Neste período, ocorreu também uma significativa migração pela busca de áreas de arroz nos municípios da Campanha e da fronteira do Rio Grande do Sul (São Borja, Uruguaiana, Bagé, entre outros).

A partir da década de 80, fecham-se cada vez mais as oportunidades de empregos, e começa a se acentuar, na região da Colônia Alemã, o fracionamento de

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É o termo usado por Jean Roche para designar o deslocamento de pessoas de um meio rural para outro, motivados pelo excesso de população e/ou esgotamento da terra.

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É importante destacar também a importância da presença da estrada de ferro, tanto para o desenvolvimento quanto para a estagnação da Região. Para ilustrar a influência da estrada de ferro, Sponchiado (1996), cita o caso do Núcleo de Ijuí, Colônia de Silveira Martins: em 1910 contava com 15 mil habitantes, em 1911, quando chegaram os trilhos vindos de Cruz Alta, dobrou a população para 22,5 mil habitantes.

lotes42. Segundo o depoimento do agricultor Alcir Budske (Picada do Rio, Agudo), nas áreas de arroz, a divisão dos lotes das Colônias, resultando na atual estrutura fundiária (com lotes de 30 a 90 metros de largura), ocorreu na Região nos últimos 15 anos. Na região serrana da Colônia, o agricultor Ronibaldo Neu (Cerro Seco, Agudo) observa que a área de terra onde antigamente apenas uma família tirava o sustento (1/2 colônia segundo o agricultor), hoje, sustenta 2 a 3 famílias.

Já na região da Colônia Italiana, ocorre de certo modo uma reconcentração fundiária, com um aumento na média de área por unidade de produção, ao mesmo tempo em que acontece, de acordo com Sponchiado (1996), uma nova fase do enxameamento, configurada na adesão de muitos descendentes ao Movimento dos Sem Terra (MST). Além do aumento médio de área, observa-se o aumento de unidades de produção só com idosos (aposentados), e, em algumas comunidades, uma forte masculinização da população rural43.

Quanto ao fator de ordem política, pode ser citado que, diferentemente do que ocorreu com outros Núcleos (como caso de Santa Cruz do Sul, de Caxias do Sul), as Colônias não conseguiram sua autonomia político-administrativa. Neste sentido, cabe destacar que, no ano de 1882, a Colônia Santo Ângelo perdeu sua autonomia administrativa, sendo transformada (dividida) em seis complexos coloniais. Agudo, o berço da Colônia, só conseguiu sua emancipação político-administrativa em 1959, e Paraíso do Sul, somente em 1988. O mesmo aconteceu com a Colônia de Silveira Martins. Embora o Império quisesse transformar a Quarta Colônia em município, os conflitos da Colônia de Silveira Martins com o município de Júlio de Castilhos (Vila Rica) acabaram fazendo com que a Quarta Colônia fosse desmembrada em 1882, passando a pertencer parte ao município de Santa Maria, parte a Júlio de Castilhos e parte a Cachoeira do Sul. Silveira Martins, o núcleo da Colônia, só conseguiu a sua emancipação em 1987, Nova Palma em 1960, Dona Francisca em 1965, Ivorá em 1988 e São João do Polêsine em 1992.

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Os sinais disso são o aumento no fracionamento das propriedades, a grande adesão ao Banco da Terra e também o aumento da população rural nos últimos anos, de acordo com os dados do IBGE de 2000.

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Sobre o assunto, é esclarecedor o depoimento de um agricultor da localidade de Gramado, Nova Palma, 35 anos, solteiro, assim como seus outros dois irmãos, sócios na propriedade: “(...) para ver como a situação é séria, na reunião do grupo de jovens da comunidade do fim de semana passado, de 20 pessoas, somente três eram meninas, e tinham menos de 13 anos (...)”.

Assim, o isolamento, a impossibilidades de expansão e os fatores de ordem política provocam, além da saída dos agricultores, a transferência da maioria dos empreendimentos comerciais e industriais para centros regionais maiores. Na região da Colônia de Santo Ângelo, ocorreu um grande êxodo para Cachoeira do Sul e Santa Maria (onde se localizavam os grandes empreendimentos comerciais e grande parte da indústria do processamento do arroz), e, igualmente, para Santa Cruz do Sul, sede do complexo da indústria fumageira. Na Quarta Colônia, ocorre a transferência para Santa Maria, que se transforma no maior pólo comercial da Região. Em menor escala, acontece a transferência para os municípios de Júlio de Castilhos e Santiago.

5 ZONEAMENTO E CARACTERIZAÇÃO DO ESPAÇO AGRÁRIO