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FIGURA 02: PLANTA DA COLÔNIA ITALIANA DE SILVEIRA MARTINS

4 A DINÂMICA DO SISTEMA AGRÁRIO DO REBORDO DA SERRA

FIGURA 02: PLANTA DA COLÔNIA ITALIANA DE SILVEIRA MARTINS

De uma maneira geral, as grandes posses foram respeitadas na demarcação dos lotes, sendo incorporadas às Colônias somente após a retirada da Administração Estatal em 1888. Nesse momento, os proprietários perceberam que poderiam lucrar com a venda de terras aos colonos enriquecidos das áreas mais serranas, passando, então, a realizar o loteamento de suas terras. Foi o caso de Gaspar José de Freitas que loteou uma área de 2,6 mil hectares (54 lotes); o de Manoel Gonçalves Mostardeiro que loteou uma área de 2,9 mil hectares (atual Dona Francisca)13, o de Martins Pinto, que loteou e vendeu quase a totalidade de sua propriedade, e o de Manuel de Py, cuja área loteada deu origem a São João do Polêsine14, entre tantos outros.

Já os caboclos eram simplesmente desalojados ou realocados em outras áreas (geralmente para as piores áreas). Os caboclos eram agricultores pobres que estiveram presentes ao longo do processo de formação da agropecuária gaúcha. Inicialmente, segundo Silva Neto & Frantz (2001), eram de contingentes humanos que participaram do processo de ocupação do território gaúcho, não possuindo recursos financeiros e nem posição militar para receber, tomar posse e ocupar um território a fim de poder beneficiar-se de um título de sesmaria que lhes assegurasse a propriedade. Posteriormente, eram aqueles que, tendo contribuído temporariamente para a consolidação das estâncias ou da exploração da erva mate, tornaram-se desnecessários para assegurar a continuidade do empreendimento. Buscavam, assim, formas de sobreviver pela atividade agrícola, ocupando algum pedaço de terra ainda devoluta ou prestando serviços temporários aos estancieiros ou comerciantes.

Quanto à disponibilidade de recursos financeiros, a maioria dos imigrantes era tão miserável quanto os caboclos. Foi decisiva, entretanto, a política oficial que entendia serem os imigrantes capazes, através de seu trabalho, de produzirem a

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O local da atual sede do município de Dona Francisca era a antiga Fazenda Santo Antônio, grande propriedade rural originária do tempo das doações de sesmarias, de propriedade de José Gomes Leal, o qual, em função de endividamento, vendeu-a para Manuel José Mostardeiros. Este, em 1885, iniciou o loteamento para o estabelecimento da futura Vila e, em 1886, começou o loteamento para estabelecer as bases das diversas Linhas, as quais atendiam à colonização já florescente desde 1879, principalmente vinculada a alemães. No ato do início da demarcação foi convidada a Sra. Francisca Mostadeiro, razão pela qual esta Linha começou a se chamar Dona Francisca, denominação que os moradores estenderam à região da antiga Fazenda de Santo Antônio.

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Manuel Py era Coronel, comerciante em Porto Alegre e grande financista da época, dono de grandes extensões de terra, era sócio na Sociedade Loteadora João Gerdau & Cia. A área que deu origem a São João do Polêsine era uma parte da Sesmaria de Miguel Martins, adquirida por Manuel Py. Em 1893, os lotes foram vendidos pelo procurador Paulo Bortoluzzi para colonos italianos que vieram, em sua maioria, da Colônia Italiana de Bento Gonçalves (Sponchiado, 1996).

riqueza necessária ao pagamento de seus lotes. O mesmo não se pensava dos caboclos, que eram considerados agricultores indisciplinados e tecnicamente menos capacitados. Por tal motivo, não se imaginou desenvolver a colonização com eles. Segundo Silva Neto & Frantz (2001), os caboclos não tiveram acesso à terra por absoluta falta de informação, pois, contrariamente ao que acontecia com os colonos que eram orientados por funcionários públicos, os caboclos eram vistos como intrusos a dificultar a demarcação e a negociação das terras. Os casos de acesso à terra se davam no âmbito dos conflitos com a demarcação dos lotes coloniais para os colonos europeus e a transferência de suas “propriedades”, geralmente para áreas piores do que as que ocupavam originalmente.

Na Colônia Santo Ângelo, os “caboclos” já residentes na região, depois de inúmeros conflitos, foram removidos para os lotes coloniais demarcados na sugestiva “Linha Brasileira” no atual município de Paraíso do Sul. Apesar de não terem sido encontrados registros sobre a condição desse assentamento, é provável que os posseiros brasileiros não tenham tido os mesmos incentivos governamentais dados aos imigrantes europeus. O fato dos atuais residentes idosos não se lembrarem da presença dos colonos de origem “brasileira” leva a crer que, pouco depois de instalados, esses colonos acabaram vendendo seus lotes para os imigrantes alemães.

No caso da Quarta Colônia Italiana, uma parcela dos caboclos foi transferida para o “Rincão da Cadeia”, nas piores terras da Colônia. Para este mesmo local também foram transferidos os descendentes de índios e negros.

Em relação à presença dos negros, é importante destacar que a Região em questão era circundada por grandes latifúndios que utilizavam a mão de obra escrava, principalmente nos Campos em cima da Serra Geral. Segundo Sponchiado (1996), cerca de 20 % da população dos municípios da Quarta Colônia tinha, na época, sangue negro. Para exemplificar a importância do negro na região, o autor cita o inventário do “Padilha Rico”, no qual consta o impressionante número de 53 pessoas escravas, sendo que o valor médio de um escravo equivalia, na época, a 425 mulas, 70 bois ou 140 burros. Com a abolição dos escravos em 1888, um grande contingente de negros

foi absorvido pelos prósperos colonos de arroz, localizados principalmente nas áreas planas.

Até há pouco tempo, era comum encontrar famílias de descendentes de escravos que moravam nos fundos das propriedades de alemães ou italianos, garantindo, assim, mão de obra barata para a laboriosa atividade orizícola. Em função das leis trabalhistas e do medo da legislação agrária que prevê a forma de usucapião aos ocupantes de terras, os proprietários acabaram “se desfazendo” dos descendentes de escravos. Assim, formaram-se, nas últimas décadas, vários núcleos (vilas) de pessoas com sangue afro, os quais, atualmente, se constituem em bolsões de mão de obra temporária para a agropecuária, principalmente para a lavoura de arroz. Em alguns casos, estes núcleos se organizaram em cooperativas de trabalho, como é o caso da Cooperativa dos Arrancadores de Feijão de Faxinal do Soturno.

Os negros e caboclos foram os verdadeiros desbravadores dos sertões da Serra. Contudo, infelizmente, a grande maioria não teve acesso à terra e, quando teve, acabava por ocupar os piores lotes.

4.5 O PERÍODO INICIAL DO ESTABELECIMENTO DAS COLÔNIAS

O estabelecimento das colônias se inicia na metade do Século XIX com a criação da Colônia de Santo Ângelo na região dos atuais municípios de Agudo e Paraíso do Sul (a chegada da primeira leva de 46 imigrantes foi em 1857) e seu primeiro período se estende até o final do Século XIX15. O período da implantação das Colônias na Região pode ser dividido em duas fases. A primeira é marcada pela colonização oficial (realizada pelo Governo da Província de São Pedro do Rio Grande, com o apoio Imperial), e tem início com a chegada dos primeiros imigrantes em 1857, terminando em 1882, com o Ato Provincial, o qual emancipou as colônias oficiais, suspendendo

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É importante registrar que no mesmo período foi também formado o (pequeno) Núcleo Colonial de Pinhal na região serrana próxima a Santa Maria (atualmente, município de Itaara). A Colônia de Pinhal foi formada por iniciativa de um pequeno grupo de alemães que chegaram em Santa Maria em 1857 e adquiriram terras em Pinhal. A Colônia prosperou rapidamente, tornando-se um pequeno centro comercial pela sua localização geográfica, sendo ponto de descanso de quem vinha da região serrana em direção a Porto Alegre e vice-versa. Entretanto, a instalação da via férrea em 1885 (não passando pela Colônia) destituiu a próspera Pinhal de seu papel de entreposto comercial, marcando o início de sua derrocada (Diesel, 2002).

qualquer auxílio econômico. A segunda fase é marcada pelo surgimento de um mercado de terras e pela colonização particular.

A primeira fase caracterizou-se pelos subsídios e apoio governamental, pelo trabalho dos imigrantes na abertura de “picadas”, estradas e, principalmente, nas ferrovias que estavam sendo implantadas na Região16, destinando-se às levas de imigrantes que chegavam da Europa. É neste período que são estabelecidos os dois principais pólos coloniais da região: a Colônia Alemã de Santo Ângelo (1857) e a Quarta Colônia Italiana (1877).

A segunda fase é marcada pela desorganização da colonização e pela criação de um mercado de terras, estabelecido a partir da retirada do governo do processo de loteamento. Também é caracterizada pela venda de lotes por parte dos grandes proprietários vizinhos e pelo surgimento de empresas particulares de colonização. Além do comércio de terras realizado por estes proprietários, foram constituídas várias empresas de colonização na Região, como a empresa Kochenborger e Goelzer & Cia (colonizou Candelária em 1863), a empresa von Kahlden & Müller (colonizou Cerro Branco em 1875), a de José Baggio, a do Coronel Gervásio Lucas Annes & Alberto Schmidt (criaram a colônia do Alto Jacuí em 1897), a firma Colonizadora Franklin Olivério & Cia. (criaram a Colônia Visconde de Rio Branco, em Pejuçara, 1898), a Empresa Colonizadora Luce-Rosa & Cia. Ltda. (colonizou parte de Erechim em 1910), a empresa de João Gerdau & Companhia (sediada em Agudo, fez vários loteamentos na região da Colônia de Santo Ângelo)17. Este momento da implantação das colônias foi fortemente influenciado pelo movimento de emigração interna e um reacomodamento das propriedades.

Os colonos que conseguiram prosperar, procuravam melhores e maiores terras em áreas vizinhas18. Estas terras, localizadas nas margens do Rio Jacuí, passaram a ser valorizadas com o advento da cultura do arroz irrigado na década de 1890. Muitas

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Pelos relatos e documentos, o trabalho na abertura de estradas parece ter sido a principal fonte de remuneração das famílias na época, a ponto da maior parte dos colonos deixarem para os peões as lidas agrícolas de suas propriedades (Diesel et al., 1994)

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Destaca-se o Loteamento da Várzea do Agudo, que depois de inúmeras disputas judiciais foi adquirido da Província em 1886.

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Um exemplo típico da procura por novas áreas é o caso do bisavô de Ernani Radke que vendeu o lote de 48 hectares em Paraíso e comprou uma área de 1000 hectares em Cerro Branco.

dessas áreas haviam sido rejeitadas pelos pioneiros, nas décadas anteriores, consideradas imprestáveis devido aos constantes alagamentos, como foi o caso da Várzea do Agudo, que foi toda loteada pela Sociedade Imobiliária de João Gerdau e vendida aos colonos das antigas áreas coloniais.

Além da transferência para terras vizinhas, ocorreu uma grande mudança de lotes no interior da Colônia de Santo Ângelo. Os colonos que saíam para as áreas vizinhas da Colônia geralmente dispunham de bons lotes que oportunizaram a acumulação inicial, sendo, portanto, terras atrativas para outros colonos. Assim,