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A Crise da Fé

No documento UM DESTINO SEGUINDO CRISTO (páginas 119-125)

A OBRA PERANTE A IGREJA 1) Autoridade e Liberdade

3) A Crise da Fé

A crise é profunda, e não só do Cristianismo, mas de todas as religiões. Ela é devida a uma mudança de forma mental, tudo envolvendo. Os problemas que a religião não sabe esclarecer, procura-se resolvê-los de modo positivo, por outras vias. Os sucessos obtidos nos ensinaram que o desconhecido pode ser sistematicamente explorado e descoberto. Então, o sistema fideístico de crer sem compreender é colocado de lado como inútil para alcançar o conhecimento. E dele o mundo não tem hoje necessidade, porque é penoso e perigoso mover-se nas trevas dos mistérios. A grande crise da Igreja, de que o Concílio nem sequer se abeirou, está no fato de que o tradicional método psicológico fideístico, que funcionou até ontem, hoje vale cada vez menos e amanhã, de fato, não funcionará mais. A realidade é que poucos crêem seriamente, ficando a religião reduzida a práticas mecânicas, sem espiritualidade, o que significa falência no próprio terreno onde ela deveria sobretudo afirmar-se.

Isto não quer dizer que morreu a religiosidade. O risco para determinada religião é o de tomar outras formas, quando a atual não satisfaz mais, muito embora a religiosidade continue a expressar-se

Isto é fato comum na História. Mas, para uma dada forma de religião, significa a sua liquidação. Aquela muda, embora permaneça a religiosidade, que não é uma religião codificada, porém uma permanente necessidade humana, para poder expressar-se de maneiras sempre novas. As religiões envelhecem, não a religiosidade. Infinitos são os caminhos que conduzem a Deus, e cada um é levado a seguir aquele que é proporcionado ao seu tipo individual e ao seu grau de evolução.

O transformismo evolutivo hoje está em fase de aceleração. Quem não for capaz de acompanhar a velocidade com a qual se pôs a correr a vida fica para trás. Quem viveu a sua juventude no início deste século recorda os anátemas eclesiásticos contra o evolucionismo darwiniano. O princípio da evolução ficou, e hoje até a Igreja se adapta a ele. Com o jesuíta Teilhard de Chardin a evolução tornou-se um processo de espiritualização da vida. A geosfera evolui para a biosfera, que, por sua vez, ascende para a noosfera Da civilização da matéria se sobe para a “hominização” da vida Eis incorporada a proibida teoria evolucionista, levada às suas mais altas conseqüências com a espiritualização. À ciência entra na religião, que, primeiramente, a nega para deter-lhe o avanço, mas depois tem de aceitá-la à força, se não quiser ser superada pelo progredir da vida. Esta caminha por sua conta, exigindo que a sigam, e ninguém pode detê-la.

É interessante observar o caminho forçado de quem gostaria de ficar para trás, imóvel, e que, apesar de tudo, deve caminhar para ascender; de quem, à força de negar, acaba por afirmar; de quem, resistindo ao progresso, termina progredindo; de quem chega afinal a fazer aquilo que proibia, isto é, evoluir enquanto condenava a evolução. É por esta via tortuosa e contraditória que, não obstante a fé e os mistérios, se passa ao conhecimento; as imutáveis verdades absolutas avançam, como acontece com aquelas relativas, completando-se com as novas descobertas humanas, e até o eterno imóvel, como todas as coisas, se transforma por evolução. Em nosso universo relativo, mesmo das verdades absolutas se apossa o transformismo evolutivo, que tudo arrasta em direção a Deus Nem pode suceder de outro modo À Igreja, como tudo o que existe, não é permitido colocar-se fora das leis da vida.

Ora; a evolução não representa um perigo para a religiosidade, que permanece, sabendo transformar-se, com a vida, em formas cada vez mais perfeitas. A evolução representa um perigo para a forma particular em que, num dado momento, aquela religiosidade se expressa. Mas, com o progresso, aquela forma deve ser superada. Logo, é fatal que seja deixada para trás e com ela a sua própria instituição. Existe esse perigo para a Igreja, como organização terrena, sobretudo porque esta sua parte, hoje, está tomando a dianteira. O perigo é grave, porque a religiosidade, que não pode morrer, se extinguiu nas velhas formas de religião e delas exige novas. Quando a religiosidade se afasta de uma religião formal, reduzida a prática exterior, ela acaba renascendo noutro lugar. As massas já se ajustaram comodamente ao materialismo religioso, que na prática vale tanto quanto ser ateu. E a religião tornou-se política, ação social, problema financeiro, autoridade; poder. A espiritualidade é a coisa de que menos se fala O perigo se torna mais sério, porque tudo isso pode dar uma ilusão de força, já que hoje a parte terrena está no apogeu A Igreja triunfa como potência político-temporal. isto é, no pólo oposto do poder espiritual sustentado por Cristo, próprio do mundo e por Ele condenado. Então, não poderá essa vitória constituir um grande perigo, já que na realidade, representa o estado de maior fraqueza, não do corpo, mas do principio espiritual animador de todo o organismo?

Estas palavras poderão ser entendidas como uma crítica demolidora. Mas elas são motivadas apenas pelo desejo de compreender o que está hoje sucedendo, em profundidade, em tão grave momento. Acontece que o súdito obediente deve sempre concordar. Se se mostrar dissidente, mesmo que seja visando a um fim melhor, isto o torna suspeito de orgulho e insubordinação. Mas esteja tranqüilo o leitor. Aqui não fala um reformador, um revolucionário, um rebelde à ordem. Um indivíduo sozinho não pode fazer nada perante a vastidão de tais fenômenos. Ele se inclina diante da autoridade, como exige quem a detém, e não pretende transformar- nada. Ele sabe: o que tiver de mudar fá-lo-á por si próprio, não existindo poder humano a impedi-lo. Apenas não pode deixar de usar os olhos para observar- e a mente para pensar. Feita a sua parte, que é de respeitar a autoridade, se põe a observar como ela faz a outra, tentando sair da dificuldade, o que não é fácil. Aqui não se trata de acusação, mas de pensamentos que um solitário troca com a sua própria consciência. Não se trata de uma atitude de oposição, mas de exposição, um pouco triste, que um nostálgico da plena realização do Cristo faz consigo próprio, para não morrer sufocado na cristandade oficial praticante e em geral descrente.

A crise é grave, tanto mais porque está escondida sob as aparências enganosas de triunfo. O Concílio não apresentou divergências doutrinárias tão agudas e comuns como ocorria no passado. O tempestuoso período das heresias parece ter acabado. Em questões de fé, não se eleva mais grito algum no mundo. Eis, finalmente, alcançada a concórdia, a unânime adesão às verdades da religião, o estado do seu completo triunfo. Trata-se, verdadeiramente, de um fato novo na História, e não podemos deixar de nos alegrar.

Na realidade, as coisas não estão assim. O Catolicismo, que conseguiu tornar-se independente do Judaísmo, superando, na sua viagem de dois mil anos, tantos obstáculos, como a Gnose, os Arianos, o Islã, os Cátaros, a Reforma protestante, encontra-se hoje perante uma crise maior. Ela é diferente das outras. Os tempos mudaram. Os perigos que em outras épocas ameaçavam a fé já desapareceram. De fato, o atual Concílio decorreu numa atmosfera de normal administração, sem conflitos de base no terreno espiritual. Isto pode parecer um estado de segurança, finalmente alcançado. com a definitiva eliminação do erro. Mas esta pode ser a paz do cemitério, no qual está sepultada a espiritualidade.

A controvérsia religiosa pressupõe um interesse de mesma natureza Ora, ela hoje não existe mais, pois morreu este último. Não despontam mais heresias, não porque se tenha formado um acordo em matéria de fé, mas porque se chegou a um consenso coletivo em sentido oposto, isto é, de indiferença por tais problemas. Não há mais heresias, porque já não existe o substrato comum de fé sobre o qual discutir. Hoje não há mais divergências teológicas, porque ninguém se interessa mais por essas questões. Assim, nem sequer a polêmica religiosa nasce mais, porquanto não podem surgir dissidências sobre idéias abandonadas e mortas.

A crise atual é diferente das outras, que eram de luta vital. Esta é, ao contrário, uma pacífica crise de morte. A posição atual das massas é não examinar mais as verdades religiosas, para se ocuparem de outras, liquidando-as simplesmente como elucubrações inúteis, porque fora da realidade como conceitos que esgotaram a sua função e que a moderna forma mental não aceita. É por isso que desapareceu todo o sentido de agressão, todo o esforço demolidor. É a automática extinção de um velho que se deixa morrer em paz, porque não é necessário matá-lo, ele morre naturalmente. Sintoma grave, já que se trata de uma indiferença em larga escala. As iniciativas maiores, nas quais palpita e se manifesta a vida, são as ideologias econômicas-políticas e a ciência. A religião encontra-se na defensiva, subordinada àqueles movimentos, em posição secundária. Parece que a vida se retrai de um terreno agora já gasto por demasiadas contorções e adaptações que não produzem senão frutos falsificados, que ela não aceita, porque não alimentam mais. O sintoma é grave, uma vez que revela uma atitude da própria vida para com certos conceitos que ela abandona. Como objetos de museu, eles não têm senão o valor histórico ao qual pertence o passado. Não ganhamos nada em nos agarrarmos às verdades eternas para nos podermos instalar comodamente seduzidos ao lado da grande estrada evolutiva. É precisamente este fato que a cristaliza e assim lhe faz parar a vitalidade. Então, a vida avança, deixando para trás não as verdades eternas, mas o ataúde das formas humanas no qual elas foram sepultadas. Como dizíamos, é o fim de uma religião, não da religiosidade. Será o fim causado pela velhice, o verdadeiro significado da crise atual do Catolicismo? E a Obra, nascida exatamente neste momento, não poderá, entre outras coisas, representar uma tentativa, que emerge do inconsciente da vida, para salvar a religiosidade no instante em que declina a religião?

No passado se discutia sobre uma ou outra modalidade de fé, a heresia representando uma delas, mas se permanecia sempre no mesmo terreno e com uma forma mental a ele relativo. Hoje é este método de pensamento que se põe em discussão, com muita desvantagem, porque a ciência está provando quanto é improdutivo. Assim, a religião está ameaçada nos seus fundamentos, porquanto cai o processo sobre o qual ela se baseia para manter o seu domínio psicológico sobre as consciências. E da amplitude do fenômeno, não limitado a poucos descrentes que se possam isolar com condenações e expulsões pelo grupo, vê-se que se trata de movimentos de massa, que a autoridade não tem mais a força de deter e, portanto, não pode deixar de suportar. Desta maneira, a defesa da religião como organismo humano se torna cada vez mais difícil.

O trabalho dos séculos passados era diverso. A forma mental humana se havia estabilizado conforme certo modelo fundamental, e não se saía dele senão para pequenas variantes, enquanto hoje se

tentam caminhos completamente novos. No passado o trabalho principal era descobrir o modo de adaptar a fé às próprias comodidades, e não resolver racionalmente os problemas da vida, como se faz hoje, enfrentando-os com coragem. O trabalho não era encontrar qualquer coisa de mais positivo que a fé, mas adaptar as exigências da vida às da fé e, dentro desta, fazer espaço suficiente para que aquelas exigências fossem satisfeitas. O problema era tanto desenvolver, quanto assimilar os conceitos da religião. Mas tudo girava em torno dela, eixo central da vida. Hoje este eixo se deslocou, e o mundo gira à volta de outros conceitos. Nisto consiste a grande revolução, a mais radical e profunda, porque expressa um deslocamento de fase evolutiva por maturação biológica. E o fenômeno investe por toda a humanidade na medida em que é determinado por movimentos da vida que arrastam todos.

A tendência atual é jogar fora muitas estruturas milenares. hoje tornadas obstáculos, para olhar de frente a realidade da vida. Estão se deslocando os pontos de referência pelos quais se fixava o que é o bem e o que é mal. A blasfêmia está desaparecendo na Europa latina, onde era freqüente, porque, com a nova forma mental, a reação não tem motivo para desabafar contra seres que não interessam mais. Antigamente, vivia-se em um estado de quietude mental. As idéias eram poucas, os cérebros adormecidos, grande a preguiça, a credulidade imensa, as consciências muito elásticas. A ignorância permitia fusões estranhas entre religião e sua exploração, entre fé e as comodidades de cada um, entre ideal e ócio, entre coisas santas e sujas. Hoje as pessoas já não são tão simples que não possam ver nem aceitar tais contradições Outrora, a religião era reduzida a clericalismo e não se podia ser bom católico, se não fosse clerical. Acreditar em Deus significava crer também no poder temporal da Igreja. Hoje o absurdo de tais posições salta aos olhos de todos e faz-se outro raciocínio. Aos pregadores da verdade colocam-se os problemas em forma positiva. Aos construtores de teologias opõe-se a moderna exigência com que cada um, com o próprio trabalho, justifica a sua posição na sociedade. E se lhes diz: vocês comem. E o que produzem? Que oferecem à coletividade em troca do que consomem? Ninguém se aproveita das referências a longínquas origens divinas, para não fazer claramente as contas e viver sem trabalhar, fazendo-se manter à custa do trabalho dos outros.

Para melhor compreender a distância entre a psicologia do passado e a atual, tomemos um exemplo. Trata-se de um passado recente. Era caso comum, até há poucos anos, na Itália, que um proprietário agrícola vivesse de rendimentos na cidade, sem fazer nada. Feitores e colonos trabalhavam para ele. A religião aprovava plenamente, até porque muitos dos seus representantes viviam, igualmente, no ócio, à custa do trabalho dos outros. Portanto, ninguém era obrigado a confessar-se de tal pecado. De resto, tudo era legítimo, conforme as leis divinas e humanas. É certo que a primeira aquisição de uma riqueza presume alguma culpa, nem sempre lícita. Mas tudo isso é imediatamente legalizado e, assim, integrado na ordem, à qual se assimila, transformando-se em direito reconhecido, correspondente à justiça. Daquele momento em diante tal legitimidade é rodeada do respeito que o nosso mundo tributa a quem possui, e ela pode, confirmando-se cada vez mais e legalizando-se, continuar sem fim, de pai para filho. Com tal sistema podia-se ter uma série de gerações legitimamente empossadas em um regime de ócio e bem-estar baseado na exploração do trabalho dos outros. A Igreja aprovada, até se aliava, dando abertamente o exemplo e porque se tratava de indivíduos por ela considerados honestos, garantindo-lhes o paraíso.

Do outro lado, administradores, operários, colonos trabalhavam para o seu patrão. Naturalmente, também eles desejavam entrar no paraíso. Mas eram pobres. E roubar — em forma ilegal — levava para o inferno. Então, para não suportarem só eles todo o dano, puseram-se à procura de um pouco de justiça. E a encontraram, compensando-se da injustiça do patrão, com outra a seu favor. Era necessário encontrar, então, o modo de roubar como bons cristãos. Era a escapatória: roubar e pôr-se de lado. Depois se confessavam e se arrependiam; em seguida, continuavam a roubar e a colocar-se à parte, e assim sucessivamente. Os primeiros que enriqueceram foram os administradores, que, freqüentemente, numa só geração de absenteísmo do patrão, compravam a sua propriedade, substituindo. À hora da morte, com uma boa confissão e arrependimento, remediava-se tudo. Assim, além da riqueza, conquistava-se a salvação. Operários e colonos, por falta de forças, permaneceram pobres e deviam contentar-se com as beatitudes longínquas do paraíso. Eis porque muitas vezes são pregadas as bem-aventuranças do Discurso da Montanha por aqueles que as vão assegurando para si aqui mesmo na Terra.-

Assim, durante esse tempo, todos conviviam. Reuniam-se ao anoitecer na capela da vila para, juntos, pregarem o Evangelho cada um a seu modo, e para sua própria vantagem, vivendo, de acordo uns com os outros. O patrão pregava a Deus para que o deixassem gozar ao longo da sua vida de ócio, à custa do trabalho dos outros. Administradores e dependentes pregavam ao Senhor para que lhes fossem perdoados os seus furtos, a fim de que, sem perder o paraíso, em estado de constante arrependimento, continuassem a praticá-los o mais tempo possível. Patrões e subordinados permaneciam unidos na mesma fé, na qual por fim haviam encontrado uma forma de pacífica convivência: os servos com respeito pelos patrões e estes com o devido amor pelos servos.

Este era um método comum há pouco tempo. No fundo. ele constituía uma obra-prima de equilíbrio entre forças opostas, de recíproco ajustamento pacífico, pelo qual, em comum, se dava lugar a um regime de bondade até onde o permitia a lei fundamental da vida, que é a luta, segundo a qual não se obtém a utilidade merecida senão conforme a própria capacidade, força e trabalho executado. Para além das injustiças humanas, no fundo permanecia íntegra a justiça de Deus, porque o furto atual do administrador compensava aquele outro, original do patrão. O administrador que trabalhava, tinha mais direito a compensações que o patrão, vivendo no ócio. Até da religião recebia a sua recompensa conforme a sua posição, porque lhe era reservado o posto de honra, em lugar superior, sendo objeto de veneração. Mas em substância funcionava encoberto um regime no qual, para vantagem própria, eles eram abrangidos e sob o qual se escondia o outro trabalho, também necessário para viver, com o consentimento implícito dos ministros de Deus. E mesmo nisto se via a justiça de Deus. porque a religião era tratada com a mesma hipocrisia, por ela distribuída, recebendo em troca a mesma forma de pagamento.

Este era o nível mental de muitos crentes no passado. Então, quando não se combatia a religião, procurava-se domesticá-la com astúcias. Hoje, não há mais tempo para tais jogos. No fundo, há mais sinceridade. Atualmente, tende-se a encerrar a religião no seu campo espiritual, julgando-o, como ele é apresentado, fora da realidade da vida, permitindo-lhe sempre menos a intromissão nesta. Assim, com métodos radicais, são rapidamente resolvidos muitos problemas com os quais se deleitavam os nossos avós. Já não se combate a religião, porque, na medida em que ela se mantém no seu terreno espiritual, não interessa mais. Pelo contrário, ela é combatida como um inimigo, quando sai daquele campo para entrar no econômico e político. É tomada em consideração onde ela não é religião, isto é, quando significa invasão no setor laico e social A religião está-se tornando assim cada vez mais um fato privado, pessoal e abre caminho para o princípio de liberdade de consciência. Que o respeita.

Hoje o impulso não se verifica no terreno religioso, mas no econômico e político. O poder temporal da Igreja não foi de modo algum desfeito quando dos fatos de Breccia de Porta Pia. Esta história é velha e remonta ao período constantiniano, isto é, quando a Igreja se transformou de comunidade espiritual em organização econômico-política. Desde aquele momento, começou o seu poder temporal à custa da espiritualidade. O ideal, para implantar-se na Terra, deixou-se cortar as asas e se afundou no charco dos interesses e lutas do mundo. Tornada assim construção terrena, a Igreja desceu ao plano das outras estruturas humanas, vendo-se obrigada a competir com elas no mesmo nível, passando a ser sua rival no mesmo campo. Era inútil alegar direitos divinos para obter vantagens materiais. As autoridades não estavam, de modo algum, dispostas a deixar-se dominar em nome de princípios divinos superiores utilizados para este outro objetivo

Foi assim que, desde a época constantiniana, a Igreja, para disciplinar de qualquer maneira este impulso, teve de fazer ou suportar concordatas com as quais regulava as suas relações com. o poder civil, de quem se tinha feito rival. Então, o problema é colocado em comparação a duas potências humanas que definem as suas posições, direitos e deveres no plano terreno. Isto deriva do fato de que o poder religioso, saído do seu âmbito, que é espiritual, entra no campo do poder civil, com o qual começa a lutar como rival, porque como tal se tornou.

A espiritualidade transformou-se num instrumento de domínio terreno, num meio para adquirir

No documento UM DESTINO SEGUINDO CRISTO (páginas 119-125)