• Nenhum resultado encontrado

3. PROCESSOS PSICOSSOCIAIS DA IDENTIDADE DOS

3.1 A CRISE IDENTITÁRIA DOS FIÉIS ANTES DA CONVERSÃO

3.1.4 A crise nas instituições religiosas antes da conversão

Eu nasci numa família católica, de avos católicos, estudei em colégio de padres na infância, desde o pré-escolar até a quarta série, ali a gente recebia a educação escolar e a educação cristã, mas era muito fraca em vista do que hoje eu recebo. Fiz catecismo, pois a gente era obrigada a fazer a primeira comunhão e na própria escola tinha a igreja. A mamãe não impunha nada que a gente freqüentasse a Igreja Católica, mas nós íamos aos domingos assistir à palavra do padre, cantava alguns corinhos e só. Só íamos aos domingos (Mery, novembro de 2008).

O depoimento de Mery mostra que ela não tinha uma formação religiosa e uma experiência religiosa sistemática, mas declarava-se católica. No entanto, à pergunta sobre o que a religião anterior ou qualquer outra instituição não supriu com suas necessidades, ela responde que nasceu numa família católica (pais e avós) e que estudou em colégios de padres, mas diz que a educação cristã que recebia era muito fraca, reclama que a mãe não impunha nada aos filhos para que freqüentasse a igreja, atitude hoje praticada por ela em relação a seus filhos.

Eu impunho, hoje, a meus filhos que frequente a igreja que hoje estou, pra eles sentir a força da fé, da oração e também pra eles não terem a necessidade que tive, quando ia pra Igreja Católica. Porque quando eu chegava pra ouvir a palavra de conforto, uma palavra de força, ao invés e receber isso, porque eu tinha muitos problemas familiares, meus pais brigavam muito, porém meus pais não freqüentavam a igreja, ninguém era apegado na religião, então quando eu precisava de palavra de ânimo, o padre só falava de política, problemas sociais, que até hoje falam dos problemas dos excluídos, que tem que ajudar, e que até concordo, mas eu queria uma palavra mais espiritual, que viesse de acordo com minhas necessidades e porém eu não recebia (Mery, novembro de 2008).

Segundo Mery, a Igreja Católica era fraca porque o padre só falava de política, de problemas sociais, dos problemas dos excluídos. O que ela esperava, conta, era ouvir a palavra de Deus, a palavra de conforto, palavra de força, pois tinha muitos problemas familiares.

Conforme Antoniazzi (1966, p. 17), uma das explicações simplistas das causas da passagem de católicos para o pentecostalismo está em atribuir à Igreja Católica uma excessiva atenção às questões sociais e políticas, em detrimento da ação religiosa.

Por outro lado, Antoniazzi (1966) destaca que a secularização aos olhos do povo afasta a Igreja Católica da religiosidade popular. A Igreja Católica segue estritamente a orientação ocidental, racionalizada e menos aberta aos sentimentos e à emoção.

No que se refere à Igreja Católica, diz Antoniazzi (1996), quanto aos problemas do cotidiano, a problemas que exigem respostas aqui e agora – como fome, falta de saúde, desorientação espiritual, desavenças familiares –, ela é mais lenta, menos atenta. Mas, ainda segundo Antoniazzi, o pentecostalismo na verdade recebe aqueles que já estavam fora da Igreja.

Observa-se que na Igreja Universal o acolhimento é feito a qualquer um, e ali chegam pessoas de outras confissões religiosas, pessoas pentecostais e até mesmo do neopentecostalismo. Quando já estava casada, Mery conta que bebia muito andava de moto com amigos, não conseguia cuidar de seus filhos, estava completamente desorientada. Foi nesse contexto que se converteu ao neopentecostalismo, na Igreja Tebernáculo, que, por algum tempo, foi capaz de dar respostas aos seus problemas.

Nessa parte do depoimento de Mery e também pela própria experiência religiosa de Antonio – ele transitou por terreiros de candomblé, pelo protestantismo tradicional (Igreja Presbiteriana), por denominações neopentecostais, como a Tabernáculo, até chegar à IURD –, verifica-se a existência do trânsito religioso.

Essa é realmente uma opção do indivíduo, um desejo de conhecer novos modos de expressão religiosa ou por trás desse trânsito existe um grau elevado de insatisfação, de frustração? Mas esse trânsito pode ser entendido também como movimento criativo e o desejo de mudança, de melhora na qualidade de vida, aqui e agora.

O trânsito religioso aponta para uma disposição de estar sempre em “viagem” no sentido metafórico do caráter necessariamente móvel da identidade, diz Silva (2003, p. 88). Fazer essa viagem requer do indivíduo a disposição para experimentar e sentir as incertezas, as inseguranças de forma limitada da instabilidade e da precariedade da identidade.

O que equivale dizer que a pessoa pratica o trânsito religioso de maneira segura e sem grandes conflitos quando o senso de identidade fluida e flexível está presente. Mas, quando em momento de crise, seja de que natureza for essa atitude é recheada de conflito de angústia e de incerteza quanto ao sentido da vida.

Quando Valle (2002) afirma que a religião não é mais herança, mas escolha individual, ele está referindo-se a um aspecto da cultura globalizada e de uma sociedade secularizada, que transferem para o indivíduo a responsabilidade por construir-se e ter sucesso. Ao mesmo tempo, enchem de culpa aquele que não consegue corresponder às expectativas dos protótipos ideais da sociedade.

Nesse ponto, a pessoa pode vir a vivenciar uma crise de identidade. Uma vez que as pessoas estão expostas a uma variedade simbólica, é praticamente permitido e cobrado que cada um resolva seus dilemas cotidianos.

O que pode ter acontecido com Ana, Mery e Antonio, que não conseguiram resolver seus próprios dilemas, sem antes entrar numa profunda crise de identidade, de perda de sentido para suas ações? Parece que eles bem tentaram e buscaram uma solução que não foi aceita pela sociedade em que viviam, construíram suas identidades rebeldes e, por que não dizer, de protesto ao modelo imposto.

Como carregar consigo a vergonha de não conseguir exercitar sua liberdade de escolha de maneira que seja aprovada pela sociedade? De acordo com Erikson (1968, p. 111), envergonhar-se é explorar o crescente sentimento de ser pequeno, inferior. E esse é um sentimento comum aos três sujeitos desta pesquisa. Sentir excessiva vergonha é sentir o desejo de se esconder.

E como exercitar a pluralidade que a vida moderna oferece? A frouxidão dos valores, a falta de cobrança por parte da família, da Igreja, ou qualquer outra situação, deixaram essas pessoas com sentimento de abandono, desamparadas, perdidas, como elas dizem, no “fundo do poço”. A falta de pontos claros de referência torna a vida pessoal e social insustentável, lembra Oro (1996, p. 109). Nesse contexto, há a necessidade de que alguém os ajude a tornar viável a sua vida, não necessariamente no além, mas aqui na Terra.