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3. PROCESSOS PSICOSSOCIAIS DA IDENTIDADE DOS

4.1 A EXPERIÊNCIA DO SAGRADO IURDIANO

4.1.2 Conversão, libertação

Pôde-se conferir, por intermédio dos depoimentos dos entrevistados e observação direta, o que vem a ser a experiência de conversão à IURD e o grande lema defendido pela Igreja Universal que é “Pare de sofrer”. A seguir, serão desenvolvidos dois elementos marcantes na experiência dos fiéis entrevistados, que são a conversão e a libertação. São esses os elementos que deram um novo rumo para a vida dos fiéis, segundo seus depoimentos.

Ao se falar de libertação dentro do contexto da Igreja Universal, está se falando também em exorcismo, cura, prosperidade. A libertação dos demônios só será de fato alcançada se houver verdadeira conversão à simbologia e à prática ritualística da IURD. Os demônios são apresentados pela IURD como os responsáveis por todos os malefícios da vida das pessoas.

O que se verificou nesta pesquisa é que todas as pessoas, quando estão no processo de imersão no universo simbólico da IURD, vivenciam um período de encantamento. É como se estivessem vivendo um “momento mágico” em suas vidas. É realmente o encontro totalizante no sentido de Erikson (1968) – como, de forma encantada, declara Mery, “Eu cheguei ao ponto de nos primeiros meses ir todos os dias. Eu estava dentro da igreja de segunda a segunda”.

Esse encantamento de Mery expressava o desejo de liberta-se de seus problemas que lhe deixava impotente, sem perspectiva de resolução “quando cheguei lá estava muito enfraquecida, muito debilitada, mal conseguia ficar em pé, sem forças para lutar, muito abatida, ficava mais sentada do que em pé. Aí fui começando a me sentir bem, a me sentir melhor”.

Esse envolvimento cria no indivíduo uma relação de dependência total, conforme Erikson (1968), que é necessária para o amadurecimento e a restauração da confiança básica. Desperta no indivíduo o sentimento de proteção, de que alguém olha por ele, preocupa-se com ele. Vale ressaltar que Mery estava sempre assistida por uma “irmã” de outra denominação, mas que sabia que na Igreja Universal o trabalho era forte e bem direcionado.

Esse é um momento em que o converso sente-se como se entrasse em outra dimensão, superior aos que estão fora dessa experiência. Aqui vale citar o que diz Durkheim sobre a experiência religiosa,

Ele sente em si mais força, seja para suportar as dificuldades da existência, seja para vencê-las. Está como que elevado acima das misérias humanas porque está acima de sua condição de homem; acredita-se salvo do mal, seja qual for a forma, aliás, que conceba o mal. O primeiro artigo de toda fé é a crença na salvação pela fé (2000, p. 459).

A conversão à Igreja Universal do Reino de Deus implica conversão à simbologia da IURD. O pastor Ricardo prega que:

Converter, é nascer de novo, é deixar de ser senhor de si e ser apenas servo diante de Deus. Nascer de novo é deixar o velho ‘eu’ e, diante do altar, receber um novo coração. Converter é seguir o caminho certo e só tem um caminho, é preciso esvaziar sua alma, o seu coração e se encher pelo Espírito Santo: é renascer em Cristo (27/10/ 2008).

Mery comenta que “a palavra de Deus diz que quando a gente se converte, nova criatura se torna, tudo se faz novo”. Ela conta que demorou a compreender o significado dessas palavras. Foi um longo processo ter de aprender novos valores e praticá-los. A conversão, no caso de Mery, foi um processo pelo qual, segundo ela, deixou de ser aquela pessoa independente, dona de seu próprio nariz, e passou a respeitar as idéias dos outros e até mesmo a ser mais submissa em sua relação ao marido.

O reencantamento de Mery talvez se deva ao fato de conquistar um olhar de admiração das pessoas que fazem parte de sua vida e de dar um novo rumo, um novo sentido, a sua vida. Ela diz que seu encontro com Deus mudou totalmente o seu caráter36. E hoje, segundo conta, é ela quem está em melhor condição em sua família. É admirada por seus irmãos, que dizem que ela tem uma casa maravilhosa, filhos muito educados.

Observa-se nas falas de Mery que, ao assimilar a orientação dos pastores da Igreja Universal, ela alcançou o prestígio moral e, de certa forma, pelo caminho por ela encontrado, sente-se inserida na sociedade. Para ela, a conversão à IURD permite manter o status quo adquirido desde que se converteu ao neopentecostalismo. A IURD,

com sua forma arrojada e totalizante, de certa forma foi o “pronto-socorro” para as suas dores, revigorando-a em sua fé e mantendo-a no universo do neopentecostalismo.

Os fiéis entrevistados, ao responderem à pergunta sobre como a Igreja Universal responde à situação de crise, foram unânimes em dizer que é pela libertação. A libertação é um procedimento que está presente em todos os dias e todas as correntes referem-se à libertação. Apesar de, na prática, o ritual de libertação está presente em todos os cultos da Universal, ele tem um dia específico – sexta-feira –, segundo Mariano (1999, p. 130).

A grande força da IURD é a libertação pelo exorcismo ou pela força da oração. A conversão e a libertação são dois fenômenos que andam juntos. Se conversão significa mudança, transformação e libertação, no sentido teológico, e se essa experiência religiosa responde a questionamentos existenciais e dá sentido à vida, pode- se dizer que essa experiência coloca a pessoa dentro de uma nova realidade.

Realidade que liberta as pessoas de valores e conceitos que, no caso do fiel da IURD, o levaram à crise. Mas a libertação só ocorre pela fé. Diz o pastor Ricardo em uma de suas pregações:

Se você vem lutando sozinho, pela força do braço, um dia acaba. Por isso, é necessário que se tenha fé, se viva a fé. E quem é de Deus tem de viver bem. Como pode Deus estar contigo e viver na miséria? Que negócio é esse de viver humilhado? Quando se vive pela fé, as pessoas vão notar que com você é diferente, com você acontece diferente (28/10/2008).

A fé no Espírito Santo faz toda a diferença para o fiel. Antonio diz que “não pode ter dúvida, ficar indagando. “O problema está dentro de nós, deixe o Espírito Santo agir.” Mery conta que, depois de se converter realmente à IURD, as pessoas passaram a olhar para ela diferente, dizem até que ela está mais bonita.

Ela se mostra orgulhosa do que tem conseguido, diz que hoje em dia até seus filhos, que antes eram contra a Igreja Universal, são convertidos também. Mery tem se dedicado, sente-se valorizada e é exemplo para seus filhos. Sente-se motivada diante do “sucesso” alcançado.

Os depoimentos dos fiéis indicam que há uma disposição psicológica para a conversão à IURD. Essa disposição é um fator predisponente para a conversão, para o sentimento de pertença ao grupo. Converter-se ou sentir pertencendo a um grupo religioso é conferir-lhe lugar de estruturação estável dos processos perceptivos,

motivacionais e emocionais que são exercidos pelo novo membro em relação a esse grupo de inserção, conforme diz Valle (2002).

Se a conversão ocupa esse lugar estruturador, o fiel da IURD pode estar buscando o espaço provável de reestruturação no qual ele possa colocar-se numa relação de dependência e subordinação em relação à autoridade. Erikson diz que:

Só como um dependente o homem desenvolve consciência, essa dependência dele próprio que, por sua vez, o torna capaz de depender; e só quando depender completamente de um certo número de valores fundamentais pode ele tornar-se independente, ensinar e desenvolver a tradição (1968, p. 75).