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A cultura do dinhiiro: paradoxos do cultivo na vida modirna

Esse modo de compreender as ações teleológicas e suas transformações não será abandonado por SimmelD mantendo um lugar importante nas análises realizadas pelo autor até seus últimos escritos. No entantoD já na Filosofa do dinheiro se mostra em gestação um segundo modelo de análise e crítica da modernidadeD fundado numa antropologia em que outra concepção de culturaD em continuidade com a tradição alemã da BildungD assumirá o primeiro plano (PdG: 591 ss). Se nos escritos da década de 1890 e mesmo na Filosofa do dinheiro as patologias da modernidade eram compreendidas em larga medida no quadro de uma teleologia da açãoD isso é modifcado nos escritos nos quais Simmel formula de maneira mais sistemática sua flosofa da cultura (especialmente a partir de “Da essência da cultura”D publicado em 1908): aquiD a perspectiva teleológica não é renunciadaD mas passa a ser inserida num conceito de cultura que deixa de ser puramente teleológico. A cultura não é mais compreendida meramente comoD por um ladoD o conjunto das séries causais (e os fatos a partir dos quais eles são desenvolvidos) eD por outroD das séries de meios para a ação (junto com os fns últimos que a guiam)D mas passa a conter um fundo normativo explícito: nomeadamenteD a ideia de culeivo.

Nesse novo contextoD o conceito simmeliano de cultura é construído em diversas camadas. O ponto de partida para a construção desse conceito é a contraposição entre natureza e cultura. Dado o caráter relacional dos conceitos e dos complexos por eles formadosD as categorias de natureza e de cultura adquirem sentidos específcos na medida em que são contrapostas uma à outra. AssimD a partir do momento em que se abandona uma noção totalizante de natureza e se a opõe à categoria de culturaD passam a poder ser distinguidos dois tipos de desenvolvimento: um naturalD que consiste no “desdobramento puramente causal das forças de antemão inerentes ao ser” (WdK: 366)D o qual avança entretanto apenas até certo pontoD e um culturalD que entra em cena no momento em que processos teleológicos intervêm e conduzem as forças naturais “a um nível queD até entãoD era em princípio recusado às suas possibilidades de desenvolvimento” (WdK: 365). Nesse primeiro nívelD o conceito de cultura permanece idêntico à atividade teleológicaD enquanto “aproveitamento das ocorrências naturais por meio do intelecto e da vontade” (WdK: 365). A intenção de Simmel com a formulação de um novo conceito de cultura éD no entantoD justamente ultrapassar esse âmbito restrito de compreensão que balizara suas considerações anteriores sobre o dinheiro e a época moderna. A transição entre as duas concepções de cultura é efetuada pela introdução da categoria de “cultivo”. Compartilhando com a noção de teleologia a ideia de uma distinção entre um estado

natural anterior e um estado posterior às intervenções culturaisD o cultivo incluiD além dissoD a ideia de que as transformações ocorridas no sujeito por força de ações teleológicas se apresentamD antes da intervenção destasD como algo laeenee na estrutura do sujeito. O cultivo consiste na modifcação do indivíduo em função de ações baseadas na vontade e no intelectoD mas de maneira tal que o conduza “à consumação para ele determinada e disposta na tendência autêntica e radical de sua essência” (WdK: 365-6).

Para SimmelD portantoD nem toda ação teleológica é um elemento da cultura: embora todo comportamento destinado a nos cultivar se vincule à forma de fm e meioD nem toda conduta desse tipo conduz a um culeivoD isto é: o desenvolvimento do ser humano de acordo com possibilidades e energias latentesD inscritas nele mesmoD mas que não podem ser consumadas pelo indivíduo em seu estado natural. Essa éD segundo SimmelD uma condição específca do ser humano. Só ele exige e comporta alguma espécie de cultivo como parte de sua completude. A consumação (Vollendung) do ser humanoD à diferença de outros organismosD “se encontra no próprio sentido da [sua] existência” (WdK: 367) e está inscrita em seu estado natural como algo prementeD como que nela esboçada com linhas invisíveis.

Mas o cultivo não pode se dar no indivíduo por si e para si. É necessária a participação de um elemento externo: “o estado de cultivo é um estado da almaD mas um estado que se alcança pela via do aproveitamento de objetos formados segundo fns” (WdK: 368) – o que não deve ser compreendido em sentido estritamente material; também as formas de condutaD por exemploD se incluem nessa categoria. A consumação não é um processo puramente imanente ao sujeitoD mas realiza-se “num enerelaçameneo eeleológico entre sujeito e objeto” (WdK: 368 [grifo A.B.]).

Com a categoria do cultivoD elemento nuclear de seu conceito de culturaD Simmel formula um componente capaz de fornecer uma orientação para a avaliação ou mesmo crítica dos desenvolvimentos da cultura na época moderna. A categoria do cultivo é constituída pela ideia de que uma mudança ocorrida no sujeito está antes “de algum modo latente em suas relações eserueurais ou

forças moerizes naeurais” (WdK: 365)D ainda que tais forças latentes não sejam por si mesmas sufcientes

para realizar tal mudançaD mas necessitemD para tantoD da contribuição de elementos externos ao sujeito. A contribuição específca da ideia de cultivo para o conceito de cultura é indicada por meio de uma analogia com duas maneiras de transformar os elementos de uma árvore: de um ladoD a fabricação de um mastro a partir do tronco; de outroD o exemplo da pereira que em seu estado silvestre produz frutos ácidos e fbrososD masD após a intervenção cultivadora da vontade e do intelecto humanosD passa a fornecer peras comestíveis. No primeiro casoD o elemento natural é modifcado com base em critérios que são extrínsecos a eleD na medida em que lhe são acrescentadas formas que não residem “na tendência peculiar de sua essência” (WdK: 366)D de acordo com “um

sistema de fns estranho às suas predisposições próprias” (WdK: 366); já no segundo caso o trabalho do jardineiro “apenas desenvolve as possibilidades que dormitam na predisposição orgânica de sua forma naturalD levando-a ao desdobramento mais perfeito de sua própria natureza” (WdK: 366).

Transposta para os seres humanosD essa dualidade permite distinguir no universo dos processos teleológicosD de um ladoD aqueles conduzidos de acordo com potenciais internos dos sujeitos – “desenvolvimento na direção de um núcleo originário internoD consumação dessa essênciaD por assim dizerD segundo a norma de seu próprio sentido e das mais profundas direções de seus impulsos” (WdK: 366) –D e de outroD processos queD embora também levem ao desenvolvimento de um ser para além dos níveis atingíveis por suas forças meramente naturaisD somente o fazem segundo critérios e mediante formas extrínsecas a suas potencialidades inerentes. Para que ocorra o cultivoD de qualquer modoD a mudança em questão deve conduzir o sujeito e suas “forças motrizes naturais” “à consumação para ele determinada e disposta na tendência autêntica e radical de sua essência” (WdK: 365-6). Torna-se possível distinguirD a partir de entãoD ao menos e princípioD dois tipos de modifcações nos sujeitos: de um ladoD aquelas ocorridas em continuidade com as “relações estruturais ou forças motrizes naturais” (WdK: 365) de cada um desses sujeitosD desenvolvendo “as possibilidades que dormitam na predisposição orgânica de sua forma naturalD levando-a ao desdobramento mais perfeito de sua própria natureza” (WdK: 366); de outroD mudanças nas quais “trata-se sem dúvida de um trabalho da culturaD mas não de ‘cultivo’” (WdK: 366)D na medida em que “a forma que lhe foi dada” por uma dada ocorrência ou atividade teleológica “não reside na tendência peculiar de sua essência” (WdK: 366).

A centralidade do cultivo para compreensão e avaliação dos desenvolvimentos culturais justifca-seD segundo SimmelD pelo caráter necessariamente incompleto da natureza humana. O ser humano “é o único ser que conhecemos no qual háD de antemãoD a exigência de uma consumação” (WdK: 366)D isto éD um ser que necessita ser completado para se tornar o que é. As possibilidades de desenvolvimento contidas em sua natureza não sãoD ao contrário do que ocorre em outros elementos naturais (como a pera)D meras possibilidades (“simples condição de forças de tensão em repouso” [WdK: 366]) que podem ou não ocorrerD nem meros acréscimos à sua condição produzidos por um observador externoD mas sim poeencialidades simultaneamente inscrieas no sujeieo e exeernas a ele no que se refere a sua realização. Simmel as concebeD neste momentoD como possibilidades que “já têmD por assim dizerD uma linguagem” (WdK: 366); mais do que latentesD elas são também pré-inscritasD

premenees: “aquilo em que a alma pode de algum modo se desenvolver já se encontra em seu

respectivo estado como algo prementeD como que nela inscrito com linhas invisíveisD éD poisD uma orientação positiva” (WdK: 366).

dos objetosD queD embora sempre necessários para a realização da culturaD adquirem signifcados e valores diferentes conforme os casos nos quais conduzem a um cultivo do sujeito e aqueles em que isso não ocorre. Não é possível defnirD entretantoD um parâmetro universal para o cultivo: as constituições dos sujeitos singulares estabelecemD a cada momentoD possibilidades e impossibilidades de desenvolvimento que são sempre particularesD irredutíveis a medidas externas e objetivas. Daí a necessidade de distinguir dois tipos de signifcado ou valor dos objetos: um culturalD segundo a contribuição de determinado produto para o desenvolvimento da eoealidade interna do indivíduo (a de soma dos indivíduos)D e outro objetivoD de acordo com a perspectiva das séries em que os bens culturais se inserem objetivamente (arteD ciênciaD éticaD economiaD etc.). O objetivo da distinção é indicar comoD “em seu próprio solo”D considerados do ponto de vista de seu valor “objetivo” específcoD “todos esses valores resistem à acomodação na série da cultura” (WdK: 369): “a obra de arte pergunta apenas por sua consumação segundo a medida de exigências puramente artísticasD a pesquisa científca segundo a correção de seus resultadosD o produto econômico segundo sua fabricação mais conveniente e sua valorização mais lucrativa” (WdK: 369). Desenvolvimento cultural objetivo e desenvolvimento cultural subjetivo não necessariamente coincidem. Objetivamente falandoD “conformações internas e externas são conduzidas para além da medida de seu desenvolvimento ‘natural’D em direção a um desenvolvimento teleológicoD ganhando desse modo a possibilidade de funcionarem como valores culturais” (WdK: 369). Nesse estadoD “em sua objetividade autônoma” (WdK: 369)D ainda não constituem porém valores culturais do ponto de vista do desenvolvimento subjetivoD na medida em que estão “submetidos a ideais e normas derivados apenas de seu conteúdo objetivoD e não das exigências daquele ponto unoD centralD da personalidade” (WdK: 369).

Para SimmelD portantoD a mera constituição desses domínios objetivos autônomos não signifca a constituição de valores culturais – o que só ocorre quando os objetos formados no interior desses domínios são incorporados pelos sujeitos de modo a desenvolver seus potenciais latentes. O “nível que alcançam sob o pressuposto do ponto central da personalidade não coincideD portantoD de modo algumD com o nível colocado por aquelas exigências dos interesses específcosD relativos apenas a um aspecto objetivamente determinado de nossa essência” (WdK: 369). Mesmo quando servem bem a nossos propósitosD ainda que “possam servir a nossos fns particulares de maneira primorosa” (WdK: 369)D “seu proveito para nossa existência como um todoD para a fonte de nosso eu em sua luta por desenvolvimentoD só pode ser em geral muito reduzido” (WdK: 369) – assim comoD inversamenteD “podem ser objetiva e tecnicamenteD do ponto de vista de uma província específca do serD imperfeitos e pouco signifcativosD e contudo proporcionar justo aquilo de que tanto carece nosso ser para a harmonia de suas partes integrantesD para a sua secreta unidadeD situada além de todas as

suas necessidades e forças específcas” (WdK: 369).

Este último ponto é importante: a unidade da personalidade (“a harmonia das partes integrantes” do nosso ser [WdK: 369])D que fornece as coordenadas para a realização do cultivoD é “secreta”D ela se situa além de todas as “necessidades e forças específcas” desse ser (WdK: 369). Isso explica porqueD do ponto de vista do conceito simmeliano de culturaD “ainda não somos cultivados pelo fato de podermos ou sabermos isto ou aquilo” (WdK: 370). A cultura só ocorre como “desenvolvimento da eoealidade interna” (WdK: 370). Daí que a especialização moderna não resulte necessariamente em um maior cultivo dos indivíduosD muito pelo contrário: “a especialização ainda não é culturaD mesmo aprimorando seus conteúdos objetivos num grau tão elevado” (WdK: 370).

Tal conceito normativamente orientado de cultura permite pensar as análises simmelianas sobre as patologias da cultura moderna numa chave diferente daquela apresentada em seus primeiros textos sobre o dinheiro. Com a oposição entreD de um ladoD um desenvolvimento “na direção de um núcleo originário interno” (WdK: 366)D consumação da essência de um ser segundo a norma de seu próprio sentido e das mais profundas direções de seus impulsosD eD de outro ladoD um desenvolvimento por meio de uma forma que “lhe é acrescentada por um sistema de fns estranho às suas predisposições própriasD puramente a partir de fora” (WdK: 366)D Simmel estabelece um critério a partir do qual passa a ser possível designarD em termos normativosD um determinado processo teleológico como produtor de cultivo ou não. Em “Para uma psicologia do dinheiro” e nos primeiros capítulos de Filosofa do dinheiroD também era possível diferenciar normativamente as ações e processos no interior da culturaD mas apenas por meio de categorias ainda teleológicas (ou vinculadas ao desejo) – em especialD por meio da representação de um processo no qual um “fm último razoável” (ou um “desejo racional”) seria obtido sem a interrupção do processo teleológico em suas etapas intermediáriasD ou sejaD sem a inversão de meios em fns. MasD no novo contexto de uma flosofa da cultura fundada no cultivoD aquilo que Simmel via como um desvio ou interrupção da teleologia – compreensível de um ponto de vista teleológico – passa a ser concebido como a condução da ação a partir “um sistema de fns estranho às suas predisposições próprias” (WdK: 366) eD portantoD como uma ação não cultivadora. A teleologia éD com issoD inserida no interior de um conceito de cultura fundado na noção de cultivo e passa a ter um papel subordinado: a ação teleológica surge como um passo necessário para a realização do cultivoD o qual no entanto aparece como fundante e anterior. A teleologia se mantém como componente do processo culturalD mas o cultivo assume a posição de critério defnidor da cultura. As patologias ou autocontradições da cultura passam então a poder ser compreendidas como patologias do cultivo.

desenvolvimentos culturaisD é agora subdividido em dois: de um ladoD estão os processos teleológicos que atuam em coneinuidade com as potencialidades de cada sujeito; de outroD aqueles queD embora levados a cabo pelos sujeitosD não contribuem para o desenvolvimento de seus potenciais inerentesD sendo-lhes acrescidos como algo que atende a necessidades externas. Desse ponto de vistaD existemD por assim dizerD duas lógicas culturais diversas: uma que diz respeito ao desenvolvimento (“cultural” apenas em sentido restrito) dos setores objetivos da culturaD queD apoiados na crescente divisão do trabalhoD constituem domínios especializados e com lógicas qualitativamente próprias; e outra concernindo o desenvolvimento (“cultural” em sentido forte) dos indivíduosD isto éD de suas totalidades internas. Desse modoD por exemploD as “interrupções” da cadeia teleológica que se traduzem em manias – de possuir dinheiroD de gastar dinheiroD de acumular bens –D assim como as consequências psicológicas que Simmel extrai de sua análise sobre o signifcado do dinheiro na vida moderna – a pressaD a busca contínua e nunca satisfeita de gozos –D podem ser agora compreendidas como condutas pautadas por um desejo de acumulação cuja lógica éD na verdadeD a da subordinação ao desenvolvimento cultural objetivo e queD exatamente por issoD não atendem às demandas do cultivo individual. O aperfeiçoamento das coisas aparece então como possivelmente distinto do aperfeiçoamento (cultivo) dos indivíduos.

O conceito simmeliano de cultura é formulado com uma predominânciaD uma ênfase concedida ao sujeitoD ao cultivo individual. A medida da cultura subjetiva “é a medida da participação do processo vital anímico naqueles bens ou perfeições objetivos”; a cultura subjetiva – o cultivo – é “o fm último dominante” (WdK: 372). O objetivo desse conceito éD porémD conceber as defciências da cultura subjetiva – percebidas pelos próprios sujeitos – em termos de um processo social mais abrangente. Trata-seD assimD de conectar desenvolvimento individual e desenvolvimento socialD e perceber a medida em que os fracassos (mas também os sucessos) do primeiro são dependentes do segundo. Além dissoD não é apenas a cultura subjetiva que encontra no desenvolvimento objetivo a explicação para seus sucessos ou falhasD seu cultivo ou não cultivoD mas é também a cultura objetiva que encontra na cultura subjetiva a medida de seu sucesso ou insucesso. A cultura subjetiva “é a única que porta o valor defnitivo” (ZuK: 83) da cultura objetiva.

Embora ambas estejam inevitavelmente intrincadas – na medida em que não pode haver cultura subjetiva sem o desvio pela cultura objetivaD nem cultura objetiva sem as atividades de um sujeito –D passa então a ser possível conceber um processo pelo qual a cultura objetiva ganha “uma autonomia relativamente considerávelD ainda que incompleta” (WdK: 372). São essas distinções que permitem conceber o fenômeno de uma “hipertrofa” (GG: 130) da cultura objetiva em relação à subjetiva: ainda que uma não exista sem a outraD a “cultura das coisas” pode ganhar uma autonomia considerável em relação à “cultura das pessoas” na medida em que o desenvolvimento

cultural leva à formação de um universo de objetos cada vez mais numerososD diversos e elaborados queD no entantoD só são aproveitados pelos sujeitos para seu próprio cultivo de modo muito imperfeitoD dados os limites das capacidades individuais de apropriação e seu ritmo mais lento de desenvolvimento. AssimD quanto mais a cultura se desenvolve e é submetida à divisão do trabalhoD tanto mais seus produtos “se aglutinam num reino queD por assim dizerD subsiste por si mesmo” (WdK: 372)D tanto mais o domínio da objetividade cultural “prolifera como num destino irrefreável e indiferente a nós” e “vive uma vida para siD desenvolvida de modo puramente objetivo” ( ZuK: 81)D a qualD em sua maior parteD os indivíduos não conseguem absorverD nem mesmo entender.

Essa autonomia relativa se expressa na concepção (em termos teóricos tanto quanto práticos) de “objetos ‘cultivados’”D isto éD objetos cujo signifcado culeivador “só é aproveitado de modo imperfeito pelos sujeitos” (WdK: 372) – numa inversão do processo da cultura em termos de cultivoD no qual a cultura objetiva está subordinada à cultura subjetiva. Por sua vezD a autonomia da cultura objetiva em relação à subjetiva signifca também um predomínio da primeira sobre a segunda: não é o desenvolvimento dos objetos culturais que serve ao desenvolvimento dos sujeitos culturaisD mas são os sujeitos que estão atrelados e se subordinam ao desdobramento da objetividade social. Isso se dá sobretudo na modernidade: “Precisamente em épocas muito desenvolvidas e de maior divisão do trabalhoD as conquistas da cultura se desenvolvem e se aglutinam num reino queD por assim dizerD subsiste por si mesmo; as coisas tornam-se mais consumadasD mais espirituaisD como que seguindo de modo cada vez mais obediente uma lógica da fnalidade internamente objetiva” (WdK: 372). Autonomização da cultura objetiva signifcaD assimD desenvolvimento das coisas segundo sua lógica objetivaD por assim dizer interna a elas – sem queD no mesmo passoD o desenvolvimento (em termos de cultivo) dos sujeitos “ascenda em igual medida ou mesmo possa ascenderD tendo em vista a enorme extensão daquele domínio objetivo das coisasD repartido entre incontáveis trabalhadores” (WdK: 372). Nesse sentidoD “o desenvolvimento histórico avança no sentido de diferenciar progressivamente o desempenho cultural objetivamente criador do estado cultural total dos indivíduos” (WdK: 372); “embora as coisas se tornem cada vez mais cultivadasD os homens somente num grau menor estão em condições de extrairD a partir da consumação dos objetosD uma consumação da vida subjetiva” (WdK: 373).

As “dissonâncias da vida moderna” remontam assim ao fato de os indivíduos se verem cada vez menos “em condições de extrairD a partir da consumação dos objetosD uma consumação da vida