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A cultura do rádio em Goiás no contexto da década de 1940

CAPÍTULO I – UMA ANÁLISE DA COMUNICAÇÃO, DO RÁDIO E DO

4.1. A cultura do rádio em Goiás no contexto da década de 1940

Goiás na década de 1940 começava a ser integrado no capitalismo. O mundo assistia inquieto no início desta década à luta impetuosa das grandes representantes do capital mundial. O capitalismo sai fortalecido da Segunda Guerra Mundial. O mundo já estava mergulhado nas suas profundezas antes mesmo de se definir que seria o capitalismo a dominar todas as formas de vida existente no globo terrestre.

Goiás começava a passos lentos entrar na lógica mercantil que dominava o mundo. Porém, já demonstrava claramente as contradições que viria a ser a base da vida nesta sociedade. Meados da década de 1930 a classe operária, então incipiente neste estado, demonstrava o fardo que viria carregar nos tempos posteriores. Isso pode ser notado quando na construção de Goiânia, muitos operários descendentes de outras cidades foram constrangidos pela burocracia deste Estado, através de intensas propagandas nas grandes cidades, principalmente no eixo Rio/São Paulo, a vir para Goiás, pois dizia ser estas terras lugar de uma vida baseada no paraíso da liturgia bíblica.

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As promessas de uma “vida melhor” não se realizavam quando os operários chegavam a Goiânia. Acabavam vivendo em estado de extrema miséria. A situação era agravada quando empresas particulares criavam formas de pagamento que prendia os trabalhadores dificultando ainda mais a vida na cidade, como foi o caso de alguns comerciantes criarem a forma de pagamento através de vales. Segundo Chaul

Ao que tudo indica, a maior parte era fornecida aos operários de firmas particulares. “As firmas particulares forneciam vales. Elas mesmas criaram as cantinas, forneciam vales para a própria cantina. Eles comercializavam a miséria do operário”. As práticas capitalistas haviam sido bem aprendidas pelos executores da construção da capital. Goiânia era viabilizada dentro desses parâmetros. A exploração da miséria do operário não era apenas uma forma de obter dele a mais-valia, mas também uma maneira de fixá-lo numa obra em que a mão de obra era abundante, e o “vale” significava sua prisão. Com os grilhões da promessa prendia-se o trabalhador. A situação de extrema penúria ou excessiva miséria levou, ao que nos consta, a agitação e greves operárias por volta de 1935 e 1936 (CHAUL, 1999, p. 113).

O sistema de salário por intermédios dos vales, no entanto, foi uma forma das empresas efetivarem a extração da mais-valia em escalas mais alargadas e foi através do qual o governo conseguiu efetivar a construção da nova capital para permitir ao Estado um avanço econômico que o colocasse dentro da política nacional e internacional então vigente. Com isso “a população do Estado aumentava rapidamente. O censo de 1900 deu para Goiás uma população de 255.284 habitantes; e o de 1920, registrou 511.919” (PALACÍN, 1989, p. 93).

A integração de Goiás nos moldes do capitalismo era o desejo daqueles que representava o Estado nacional. Segundo Clyce Louise e Elza Guedes (1987, p. 46), “para uma maior inserção de Goiás no mercado capitalista era necessário uma reorientação política. O PSR era o representante federal. A nova palavra de ordem do momento era: mudar é preciso”.

Em relação à mudança da capital para Goiânia,

O imperativo maior, por certo, era a viabilização da frente pioneira em Goiás: era, também a maior inserção de Goiás na economia de mercado; era o novo centro político capaz de dinamizar a economia de sul e sudoeste; era, por fim, o cumprimento de mais uma etapa da Marcha para

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o Oeste, dentro do processo de acumulação capitalista em Goiás (WIEDERHECKER & CHAVES, 1987, p. 47).

Portanto, o interesse do Estado nacional através de um representante que para Goiás foi enviado, era o de colocar o Estado dentro da lógica mercantil estabelecido pelo capitalismo. No início da década de 1940 as relações sociais existentes em Goiás já apresentavam as características deste interesse estatal, e paralelamente havia a existência de grupos que estavam fora da lógica capitalista como indígenas e camponeses, porém, já sofrendo grandes influências da cultura proveniente da industrialização do Estado. Podemos perceber isso nas palavras de um trabalhador da construção civil que viveu nesta época. Segundo ele os índios, “andavam aos bandos aí pela rua. Eles vinham fazer compras... índios Carajás. Uma vez eu vi uma turma indo embora carregando panelas. Os índios também sofrem, coitados...” (BOARI, 1940, p. 23).

Ao chegar à década de 1940, Goiânia já era uma cidade formada, “era uma cidade perfeitamente estabelecida” (PALACÍN, 1989, p. 110), constituída de tudo aquilo que contém uma cidade moderna: bairros, fábricas, comércios, trabalhadores, patrões, dirigentes, enfim, classes sociais muito bem definidas e várias instituições estatais, além, é claro, das profundas contradições que estão mergulhadas a sociedade caracterizada pela relação entre classes sociais.

O leitor pode estar perguntando o que tem haver estas questões colocadas anteriormente com o rádio na década de 1940. Antes devemos ressaltar que o rádio é expressão das relações sociais. Assim, como já colocamos, Goiás começava a dar os primeiros passos na lógica capitalista e as decisões políticas que permeavam o Estado nas décadas de 1920, 1930 e 1940 vieram contribuir com esta lógica, ou seja, fortalecer e intensificar a reprodução capitalista nas terras goianas. Só assim, a partir desta questão essencial é que podemos compreender a cultura do rádio em Goiás.

Evidenciamos, contudo, que a questão cultural do rádio em Goiás está associada a um conjunto de questões que envolvem as emissoras, questões estas que o leitor perceberá que está intimamente ligada às temáticas e questões já discutidas nos capítulos e tópicos anteriores.

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Remontar a questão cultural na história do rádio em Goiás é preciso retornar por um instante nos velhos sistemas de alto-falantes. A questão é que muitos dos locutores e profissionais que trabalharam nas emissoras de rádio, propriamente, tiveram uma grande participação naqueles sistemas. Além desses profissionais, alguns artistas também iniciaram aí a sua carreira. O sistema de alto-falantes MARISA, criado em Goiânia por Emydio Sasse e Marinari, por exemplo, representou um laboratório para locutores como Ivo de Melo, João Rosa, Norton Camargo Passos, Jeovah Bailão, Fued José Naciff e o próprio Emydio Sasse que depois atuaram em grandes emissoras, a exemplo da rádio Brasil Central. Além desses locutores, também foi um trampolim para alcançar a fama como os cantores Moraes César, Mario Nunes, Josafat nascimento, Conjunto Havaí etc.

Os sistemas de alto-falantes representaram em Goiás, portanto, uma das primeiras expressões de divulgação cultural do Estado. A partir de sua existência começam a ser ouvidas canções antes veiculadas apenas nas grandes cidades. Os cantores eram dispersos pelo território goiano e ao surgir estes sistemas, ocorre uma aglomeração dos artistas em torno de seus microfones, que diante de um público localizado buscavam uma forma de reconhecimento de sua habilidade artística.

Ao mesmo tempo em que o alto-falante Marisa divulgava alguns artistas, a Amplificadora Cultural de Anápolis possibilitava a outros serem ouvidos por um público. Em Anápolis os músicos contavam com ouvintes da emissora que se reunia em um auditório que comportava em torno de quatrocentas pessoas. Um palco foi construído e ali passaram vários artistas. Assim, uma das atrações da Amplificadora era a promoção de bailes e matinês dançantes com canções regionais, com a utilização de músicos da região. Além de artistas locais Abelardo, proprietário da amplificadora, promovia bailes com artistas de São Paulo e Rio de Janeiro, além de teatros e radionovelas com atores divulgados pela rádio Nacional.

Já em Ipameri os sistemas de alto-falantes que foram criados na cidade divulgavam músicas provenientes das grandes metrópoles que chegavam através de seus proprietários que os adquiria através de discos. Nesse sentido, ocorria, portanto, no quesito musical, uma mesclagem cultural com músicas regionais e músicas provenientes das grandes metrópoles.

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Isso acontecia na cidade, principalmente, através das veiculações ocorridas através da rádio Amplificadora de Ipameri PRB-1.

Segundo Rames Basílio, locutor daquela amplificadora, ainda na década de 1930, os locutores que ali trabalharam se inspiravam na rádio Nacional para organizar sua programação30. Nesse sentido, a maior parte das músicas que veiculavam era proveniente da rádio Nacional e a transmissão acontecia da seguinte forma: conseguiram adquirir um rádio receptor, e ao sintonizá-lo na emissora do Rio, no momento de transmissão das músicas, o colocavam diante do microfone. Neste momento, nos contou ele, não poderia fazer barulho dentro do estúdio, pois, poderia atrapalhar a audição uma vez que o barulho iria sair nos receptores junto com a música. Assim, quem estava no estúdio precisava ficar em silêncio e cuidar para que ninguém fizesse barulho. Ao término da música, distanciavam o aparelho dos microfones e enquanto um locutor retornava à programação da emissora, outro ficava ouvindo o rádio a espera de uma nova música. Às vezes, nos contou ele, o locutor da emissora do Rio entrava a falar junto à música, o que atrapalhava um pouco a veiculação, saindo a voz do locutor junto da música. Além destas canções, tinham também alguns discos que adquiriam nas grandes cidades e traziam para a Amplificadora.

A questão que ficou mais em evidência sobre a intenção que havia por trás da criação de alto-falantes se tratava de “divertir a população, como também informar e até mesmo educar” (SASSE, 1980, p. 171). A diversão perpassava a veiculação de músicas e promoções de bailes e shows, bem como proporcionar a determinados públicos momentos de lazer. Como é o caso da Amplificadora Cultural de Anápolis, do sistema de alto-falantes Marisa de Goiânia e da Amplificadora PRB-1 de Ipameri, que criaram um programa para moças e rapazes enviarem recados através dos microfones. Na Amplificadora Cultural de Anápolis o programa se chamou “Discoteca às suas Ordens” e utilizava da frase “com muito amor e carinho...”. Assim, se alguém tivesse interesse em enviar um recado, escrevia em um pedaço de papel e enviava para o locutor que o lia no microfone. Em Anápolis

30

Esta mesma questão, da influência da rádio Nacional em emissoras do interior do Brasil, é percebida também na rádio Clube de Goiânia. Segundo Sílvio Medeiros ele fazia imitações de humoristas do Rio e São Paulo que eram divulgados pelo rádio. Imitava o Golias, que na época estava começando, e Silvino Neto. A sua escola, contou ele, “foi do tempo da rádio Nacional, rádio Tupi de São Paulo. Vi aquilo, foi a minha escola”.

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ocorre um fato interessante, proveniente dos valores tradicionais da região, a respeito da repressão ao namoro.

Se um jovem pretendia oferecer uma música à sua namorada, e os pais da dita cuja não devessem tomar conhecimento daquilo, o oferecimento saía mais ou menos assim: agora ouviremos a música “Manolita” (ou qualquer outra da época), que “alguém oferece a alguém”, com muito amor e carinho. Acontece que os “alguéns” já estavam previamente combinados... (FERREIRA, 1981, p. 259).

Outros programas da Amplificadora eram voltados para o lazer e expressavam uma forma de divulgação cultural como é o caso do programa “Hora da Criança” “onde a criançada concorria a testes de conhecimentos gerais com prêmios para as respostas certas. Programas de Estúdio e Discoteca às suas Ordens, tudo em 1943” (Idem, 1981, p. 260). Em Ipameri, na Amplificadora PRB-1, além deste programa voltado para o envio de recado, foi criado também um programa para envio de mensagens para aniversariantes. Essa era uma forma de informar à cidade quem eram os aniversariantes do dia, o que proporcionava um movimento de pessoas na casa do aniversariante para lhe dar os parabéns.

Além do lazer, iniciam-se com os sistemas de alto-falantes os programas informativos, voltados para anunciar os acontecimentos relevantes do cotidiano das cidades. Em Ipameri, quem passava pela Praça da Liberdade poderia ouvir as notícias das últimas semanas. Uma característica da informação repassada se tratava de notícias provenientes de jornais impressos. Era um jornalismo que, de certa forma, cansava o ouvinte uma vez que os locutores faziam a leitura de textos, às vezes, longos. Com o aparecimento das rádios emissoras, os sistemas de alto-falantes foram perdendo o prestígio, dando lugar aos alto-falantes volante, ou seja, em sistemas de alto-falantes instalados em automóveis e utilizados fundamentalmente em publicidade, o que permitiu ao emissor, percorrer as ruas e assim, divulgar o comércio local em todos os cantos da cidade, semelhante ao que ainda acontece atualmente.

A questão informativa através dos meios eletrônicos de comunicação inicia-se ainda com o telégrafo. Hélio Mesquita, jornalista do rádio Goiano, e editor do jornal Folha de Goiás, descreve que havia em Goiás um telégrafo que recebia noticiários nacionais e internacionais, emitidos pela ASAPRESS e pela IVADIA de imprensa internacional com a qual o jornal mantinha convênio. Assim, este jornalista conseguia publicar em Goiás,

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notícias iguais àquelas publicadas no eixo Rio/São Paulo, e, desta forma, ia convencendo o público goiano da qualidade de suas notícias. Assim, conta ele que

Naquele tempo, o pessoal em Goiânia fazia romaria às 17:45h no Aeroporto, esperando o avião da VASP que saía às 5:45h do Rio de Janeiro, para comprar os jornais. Só tinha uma banca de jornal naquele tempo, agência do Manarino. Então compravam os jornais para ler as notícias do Rio e São Paulo. Depois que se acostumaram a ver na Folha de Goiaz que o noticiário era idêntico, então passaram a comprar a Folha ao preço de cinquenta centavos o exemplar (MESQUITA, 1980, p. 206).

A informação proveniente de outros países, portanto, era divulgada sem nenhum problema em Goiás. Porém, a informação local, essa sim, era um problema. Era um problema porque numa época em que a questão política e o poder local estavam nas mãos de coronéis, divulgar uma informação que denegrisse a imagens de algum integrante de suas famílias poderia se transformar em casos de morte. Helio Mesquita (1980, p. 208) dá o depoimento de que

Teve colegas na Folha de Goyas que foram exportados de Goiânia, por via aérea, na presença do Comandante da Polícia Militar do Estado de Goiás, que naquele tempo era o Coronel Paiva. Ele, Coronel de Exército, não teve condições de dar segurança ao jornalista.

O jornalista era de cama e mesa. Fazia todo o noticiário. Porque não tinha especialização. E nem se podia pensar nisso, numa cidade provinciana e interiorana como Goiânia, que estava ensaiando seus primeiros passos e que tinha apenas um jornal diário, e uma estação de rádio: Folha de Goiaz e Rádio Clube, e O Popular, como jornal semanal. De maneira que um jornalista apenas fazia o noticiário internacional, o nacional, as colunas fixas e fazia a coluna social, com muito risco.

Publicar informações em Goiás até os anos de 1950 representava perigo para quem o fizesse. Isso aconteceu também nas emissoras de rádio, porém, o rádio, diferentemente dos jornais impressos, estava inserido na dinâmica estatal com profissionais que faziam a edição das informações antes de veiculá-las, moldando-as aos padrões estabelecidos pelos governantes. Nesse sentido vimos a ação da primeira emissora de rádio em Goiás, a qual era uma expressão do contexto histórico vivido em Goiás no início de 1940.

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