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A organização interna das primeiras emissoras de rádio de Goiás

CAPÍTULO I – UMA ANÁLISE DA COMUNICAÇÃO, DO RÁDIO E DO

4.2. A organização interna das primeiras emissoras de rádio de Goiás

Iniciando pela rádio Clube de Goiânia, o seu aparato técnico e sua organização interna correspondiam às relações sociais estabelecidas no Estado. No entanto, para demonstrar que o grau de desenvolvimento assumido pelas relações sociais acaba caracterizando as expressões jurídicas da sociedade, a primeira emissora criada na década de 1940 funcionava apenas durante o dia e uma parte da noite. Isso se dava, principalmente, porque a energia que abastecia Goiânia ficava à disposição da população até uma determinada hora do dia. Em Goiânia, por exemplo, a energia, ou melhor, a usina que gerava energia para a cidade era desligada numa determinada hora da noite. Como nos contou Sílvio Medeiros:

A rádio num funcionava 24 horas não. Tinha um que entrava seis horas da manhã e parava às oito horas. Inclusive naquele tempo Goiânia sempre teve um problema. Eu não me lembro bem a época, mas rodou a usina Jaó. Então arrumaram um motor de submarino, botaram na beira do Bota Fogo. E num tinha energia o tempo todo. Goiânia ficou muito tempo, três, quatro anos sem energia, funcionando com motor. Aí a sirene, pê... olha já vai desligar a luz! E a meninada corria pra casa. Ai era lamparina, vela... Então isso ficou muito tempo. Então a rádio não tinha como funcionar.

Então a rádio não tinha luz, ela não tinha força comercial. Não tinha pra agüentar a noite toda não. Então abria seis horas da manhã, programa sertanejo, e até oito, nove horas da noite parava. É por aí. Pessoal dormia cedo (MEDEIROS, entrevista realizada em janeiro de 2004).

Fernando Cunha Júnior, locutor e posteriormente proprietário da rádio Carajá de Anápolis, nos disse que aquela emissora “normalmente abria cinco, seis horas da manhã e ia até meia noite. Porque de madrugada não tinha audiência, nada. A madrugada era morta” (JUNIOR, entrevista realizada em maio de 2007). Anápolis, porém, já era abastecida por uma hidrelétrica. Assim, o que determinava o funcionamento da rádio estava associado à audiência, por não despertar a atenção dos anapolinos no período noturno.

Em Ipameri a rádio Xavantes que em 1947 inicia suas atividades também começava a funcionar às seis horas da manhã e ia até por volta das dez horas, em alguns dias estendia sua programação até às vinte e três horas.

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Como já colocamos, no início da década de 1940, Goiás apresentava como integrante e contribuinte na reprodução do capitalismo, mesmo com sua estrutura física ainda longe de assumir as características das grandes metrópoles da época (Rio/São Paulo). A primeira emissora de rádio legalizada no Estado viria ser tão somente uma expressão das relações sociais vigente na época, contendo um aparato tecnológico que correspondia ao grau de desenvolvimento assumido pelo capitalismo. É neste contexto que em 1942 é criada a rádio Clube na cidade de Goiânia.

Como colocamos no primeiro capítulo, até 1942 havia alguns serviços de alto- falantes em Goiás que transmitiam para a localidade onde estava instalado, e entre eles a Amplificadora Cultural de Anápolis já realizava transmissões para rádios receptores, os quais já existiam em grande quantidade o que permitia, por exemplo, que houvesse a recepção de sinais radiofônicos das principais emissoras do país nesta época. Assim, antes da fundação da primeira emissora de rádio em Goiás já existiam vários aparelhos receptores em todo o Estado como colocou Haydée Jayme:

O primeiro contato dos anapolinos com transmissões radiofônicas deu-se ali pelos idos de 1926.

No casarão da antiga Cadeia Pública, construída em 1907, na sala livre, instalou-se um aparelho rádio-receptor, um verdadeiro monstrengo, enorme, quase do tamanho de um piano. No pátio da cadeia fincaram dois enormes mastros de madeira, de aproximadamente 15 metros de altura, para as antenas. Com todo esse aparato, o ouvinte colocava um aparelho em cada ouvido, e ficava quieto, silencioso... à espera de escutar algo. De repente, um sorriso alegre aflorava-se aos lábios e ele, felicíssimo, dizia: _ Estou ouvindo um sonzinho... Os ouvintes se revesavam...

Já no início dos anos 30, chegou a Anápolis um aparelho de rádio “de verdade”. Era seu proprietário o Lage, que fora marido de Ada Centini. Tinha uma casa comercial, na esquina da rua do Comércio com a Barão do Rio Branco (atual Cosmorama), que era uma mistura de venda, loja e bar. Vendia cigarros, cujas marcas principais eram Jockey, Odalisca, Liberty, Yolando e outros que não me ocorrem.

O Lage comprou um rádio “de verdade”; a cidade toda tomou conhecimento daquela maravilha e o movimento comercial da sua casa aumentou consideravelmente, pois todos iam ali fazer suas compras, para terem a oportunidade de ouvir aquela “coisa” que transmitia vozes e músicas, sem disco nem nada...

Em 1937, os irmãos Cardoso, pioneiros em muitos empreendimentos em Anápolis, passaram a vender aparelhos de rádio. Funcionavam apenas com eletricidade e havia ainda a necessidade de se instalarem postes para a colocação de antenas (FERREIRA, 1981, p. 263-264).

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A “comunidade” de Ipameri, onde foi criada a terceira emissora de rádio legalizada de Goiás, também teve contato com rádios receptores ainda na década de 1920. Numa entrevista concedida à AGI (Associação Goiana de Imprensa) Joaquim Rosa, que era editor de um jornal daquela cidade (jornal O Ipameri) conta que:

Um dia eu estava virando novidade na cidade; ninguém conhecia rádio; o único era de um coronel ricaço que tinha e dava à noite um espetáculo. Um dia, num sábado, eu estava lá, e ouvi um jornal falado de uma estação de São Paulo, e como o jornal de lá também estava atrasado, eu saí e fui direto à tipografia e redigi notícia de última hora; uma notícia lá que eu nem sei o quê... Primeira notícia de última hora que saiu no Ipameri, e foi pegada pelo rádio, saída em Goiás, em O Ipameri em 1927 ou 1926 (ROSA, 1980, p. 230).

Nas pequenas cidades onde a população não tinha capacidade financeira para adquirir os aparelhos receptores, os proprietários das emissoras criaram um meio para que seus programas fossem ouvidos. Vejamos nas palavras de Walter Meneses, como se ouvia o rádio em algumas cidades do interior de Goiás.

Vê esse serviço de alto-falante de propaganda que passa aí na rua, vote em fulano de tal? Tinha esse mesmo serviço de alto-falante fixo. Naqueles postes alto assim. Na cidade do interior. Com o bocal virado assim. Então aquele lado de lá ouve melhor o barulho. O de cá ouve menos. Geralmente eles põem dois, um pra um lado e outro, pro outro. Então, ali eles pegam o rádio, liga o rádio e bota no alto-falante, na amplificadora do alto-falante. Ela retransmite aquilo. O som sai um pouco deformado mas sai bom, sabe! Então ela retransmite (MENESES, entrevista realizada em março de 2007).

Outra questão referente ao uso tecnológico em Goiás ainda num estágio pouco avançado, mas que demonstra a amplitude que alcançava a comunicação via emissoras de rádio na década de 1940, são as transmissões que aconteciam de um determinado local da cidade para a emissora e desta para os aparelhos receptores. Hoje, com o alto grau de desenvolvimento da tecnologia permite-se fazer uma transmissão dos lugares mais longínquos para qualquer parte do mundo, sem grandes dificuldades.

Naquela época, a tecnologia começava a demonstrar como as transmissões seriam feitas no futuro próximo. Qualquer transmissão que fosse feita fora do local onde estavam

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instalados os aparelhos transmissores ocorria através de um aparelho gravador que depois era levado para a emissora e reproduzida através dos transmissores, neste caso havia a dificuldade de transportar os equipamentos que eram utilizados para fazer as gravações31 por serem muito pesados e ainda necessitava da utilização de fios, ou ainda, através de aparelhos que eram conectados à rede telefônica para enviar o conteúdo para o estúdio e de lá retransmitir para os aparelhos receptores. Segundo Fernando Cunha Júnior, fazendo referência à rádio Carajá de Anápolis,

Naquela época era tudo via fio. Lá não tínhamos nada em termos de transmissão de rádio, era tudo fio, ou seja, ia transmitir do estádio, por exemplo, era via fio, e qualquer outra transmissão era via fio, com todas as dificuldades do mundo. Eu me lembro [...] a gente tinha um gravador lá. Esse gravador era uma caixa assim de uns 80 centímetros de cumprimento, 20 a 30 de largura, era uma caixa imensa. Aquilo lá era o gravador que a gente usava pra fazer qualquer reportagem, qualquer gravação. Era um negócio assim... totalmente maluco... não tem o menor sentido em termos de hoje. A gente tinha realmente muita dificuldade em termos de tudo. 99% do tempo da rádio era feito em estúdio mesmo.

Foi nesse sentido que a tecnologia desenvolvida e empregada nas rádio emissoras em Goiás mesmo com suas limitações, e não poderia ser diferente, já que se vivia uma época em que as relações sociais estabelecidas no Estado começavam a ser inseridas no desenvolvimento alcançados pelos grandes centros urbanos, tanto contribuiu para a criação de um mercado consumidor para a recepção de um determinado conjunto informativo, quanto permitiu que grupos de pessoas utilizassem desta tecnologia para transmitir a comunicação que lhes interessava, uma comunicação de cunho mercantil.

Com a instalação da rádio Clube as transmissões passam a alcançar uma distância bem maior do que se conhecia até então. Enquanto, por exemplo, o serviço de alto-falantes Marisa de Goiânia restringia-se à localidade de Campinas, a Amplificadora Cultural de Anápolis, a localidade de Anápolis e o serviço de alto-falantes PRB-1 de Ipameri transmitia

31 Nesta época para fazer a retransmissão de um determinado local da cidade ou fazia a gravação num

aparelho que levado para o estúdio da emissora ligava nos transmissores para enviar para os rádio receptores, ou, precisava do apoio da empresa de telefonia para fazer a ligação dos fios para enviar via linha telefônica para a emissora. O serviço via telefone era muito caro e demandava muito trabalho na ligação dos fios, o que acabavam optando pela gravação. Os gravadores utilizados pesavam em torno de três quilos o que exigia um certo esforço físico de quem o carregava.

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para a localidade de Ipameri, a rádio Clube alcançava todo o território Goiano, sendo, algumas vezes, ouvida pelos estados vizinhos.

Segundo noticiou o jornal “O Popular”, a emissora tinha uma potência de 2.000 wats que permitia ter um alcance que chegava a 400 quilômetros. Ou seja, a tecnologia utilizada para a transmissão desta emissora permitia que a comunicação realizada através dela tivesse um longo alcance, que, conseqüentemente, estaria em contato constante com um grande número de pessoas devido aos inúmeros aparelhos receptores que existia no Estado. Daí pode-se perceber a força que representava o rádio nesta época em que os únicos meios de comunicação que circulava no Estado era o jornal com circulação local e a revista “Oeste” com circulação semelhante aos jornais.

Assim, até 1946, como já colocamos, existiu em Goiás apenas uma emissora de rádio que funcionava com o consentimento do Estado, que foi a rádio Clube. Para a veiculação da comunicação por esta emissora foi montado um aparato técnico no sentido de tornar as programações mais atraentes para conseguir mais audiência e competir com as principais emissoras do país. A mesma organização

interna desta emissora também existiu nas outras duas criadas na década de 1940 (a rádio Carajá de Anápolis e a rádio Xavantes de Ipameri).

Podemos perceber isso quando da organização dos programas das emissoras. Uma questão interessante é que para atrair o público e, conseqüentemente, aumentar suas rendas, os dirigentes das emissoras criaram programas de auditório que eram transmitidos para um público que assistia ao vivo às programações, num auditório montado no próprio local onde funcionava. Nestes programas apresentavam artistas locais assim como artistas de outros estados. Segundo Adolvando de Alarcão na rádio Xavantes havia

Brilhantes apresentações, pois todo artista das rádios do Rio de Janeiro e São Paulo que vinha à Ipameri para se apresentar no Jóquei Clube, também fazia uma apresentação no palco da rádio Xavantes, e por lá

Locutores no estúdio da rádio Xavantes na década de 1940 – Arquivo de Beth Costa

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passaram Rui Rei e seu conjunto, Emilinha Borba, Marlene, Bievenido Granda, Ivan Curi, Ângela Maria, Carlos Galhardo etc. (ALARCÃO, entrevista realizada em dezembro de 2007).

Durante esta pesquisa fomos percebendo que os artistas que vinham de outros estados para fazerem alguma apresentação em Goiás passaram e apresentaram nas três emissoras existentes na década de 1940. O que vemos hoje na televisão em programas de calouros, era o que existia nas emissoras. Os programas de auditório foi uma estratégia para aumentar sua audiência utilizada inclusive pelas amplificadoras que existiam no Estado. Quando perguntamos a Silvio Medeiros se existia música ao vivo na emissora ele respondeu: “o começo já tinha. Programa sertanejo. Tinha muitos programas sertanejos que era ao vivo. Tinha auditório, lá com sessenta poltronas. Eu me lembro do auditório direitinho lá”.

A esposa do fundador da emissora de Ipameri nos contou que na rádio Xavantes

Tinha programa musical, esportivo e de auditório. Naquele tempo ainda tinha aos domingos, tinha uma programação de auditório. E as pessoas tinham a oportunidade de se apresentar, quem gosta de cantar, quem gosta de tocar algum instrumento. Quem gosta de falar, contar alguma piada (CEVA, entrevista realizada em dezembro de 2007).

Adolvando nos contou que participava dos programas de auditório daquela emissora e, segundo ele, tinha “um palco

auditório com

capacidade de mais ou menos 400 pessoas” (ALARCÃO, 2007). Conseguimos uma foto

do auditório da rádio Xavantes que demonstra claramente o quanto os programas atraíam audiência como pode ser visto a cima.

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Através dos programas existentes nas emissoras, portanto, podemos ter uma idéia do como estavam organizadas a funcionar no período que marca a chegada do rádio em Goiás. Infelizmente, durante nossa pesquisa não conseguimos ter acesso a nenhum programa gravado das primeiras emissoras. Conseguimos contactar um senhor com o nome de Walter, funcionário de um hotel no centro de Goiânia que dizia ter gravado em uma fita, os programas da rádio Clube do ano de 1942. O mesmo dizia que poderia localizar a fita e nos conceder uma cópia. Contudo, até o presente momento, fizemos dezenas de visitas ao mesmo e ainda não conseguimos esta cópia. Em relação a materiais referentes a estas emissoras Walter Meneses coloca inclusive que a programação das primeiras emissoras de rádio “fez história, contudo, quase não tem material”.

Mesmo não tendo acesso ao áudio dos programas, conseguimos dados sobre a programação das três emissoras, a partir dos quais podemos visualizar como estavam estruturados a funcionar na década de 1940. Comecemos pela rádio Clube de Goiânia.