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A cultura mobilizada politicamente: política colonial e especificidade cultural

Capítulo II- DEBATES POLÍTICOS E OPÇÕES EDITORIAIS NA PRIMEIRA

1- A cultura mobilizada politicamente: política colonial e especificidade cultural

A ruptura não é um dado novo na análise da Présence Africaine. Mas, certamente, não é a imagem mais recorrente. Como trabalhado na introdução a esta tese, a revista procurou se beneficiar, desde seu primeiro número, de sua relação com um passado recente e celebrizado da história da literatura negra de expressão francesa e de seus

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envolvimentos políticos. Ao longo de sua existência, a proximidade com as inovações literárias e os posicionamentos políticos do entreguerras, - momento que foi privilegiado pela narrativa sobre essa literatura - e mais exatamente com o movimento da Négritude, se tornou cada vez menos óbvia e mais esforços para a construção de imagens de ligação e continuidade foram feitos.

Em grande parte, o trabalho de memória da Présence Africaine sobre sua criação passa por sublinhar seu pertencimento a uma linha de contestação iniciada na geração de intelectuais negros de expressão francesa do entreguerras. Essa tradição, o mito fundador de uma literatura, é construída paralelamente à revista, no pós-Segunda Guerra Mundial, com as novas recepções de antigas obras pelo campo intelectual francês. O historiador Salah D. Hassan aponta para a criação dessa narrativa da continuidade em livros comemorativos de aniversários do periódico, especificamente Mélanges, referente aos primeiros vinte anos da publicação e The Surreptitious Speech: Présence Africaine and

the politics of otherness 1947-1987, organizado por Valentin-Yves Mudimbe na ocasião

do quadragésimo aniversário da Présence Africaine. A proposta de Hassan é desconstruir a impressão de linearidade que envolve a publicação e sua celebrada postura de combate ao colonialismo no interior da capital francesa, imagem que alcança a história contada desde o fim dos anos de 1950 sobre a década de 1930 pela bibliografia especializada. Hassan procura, na década de 1990, lidar com essa tradição de forma crítica, como Guy Ossito Midiohouan e outros autores fizeram antes.

Para o historiador, o posicionamento da Présence Africaine em seus primeiros números é marcado pelo fato de que esta “não desafiou a divisão colonial do trabalho ou as forças de legitimação cultural que eram evidentes no primeiro número e prevaleceram ao longo da maior parte da primeira série”118 [HASSAN, 1999: 200]. O lugar do intelectual negro nos primeiros números da revista é descrito como um fruto da divisão de trabalho colonial, que se manteria também no periódico. Em seu artigo, Hassan privilegia a análise do editorial de 1947, suas diferenças com o texto de 1955 - que inaugura uma recontagem da Présence Africaine, nomeada como Nouvelle Série - e destaca as mudanças que teriam ocorrido na linha da publicação e em sua organização institucional. Apesar de não atentar para alguns fatores que permitiriam uma análise para além das marcas internas da mudança editorial e, assim, uma inserção da história da revista em processos mais amplos em torno da intelectualidade oeste-africana de

118 did not [...] challenge the colonial division of labor or the forces of cultural legitimation that were evident

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expressão francesa e a estrutura do colonialismo francês na África, o texto destaca uma dimensão muitas vezes negligenciada pelos analistas da Présence Africaine, como Lilyan Kesteloot e Bernard Mouralis119.

Para Mouralis, a revista pode ter seus primeiros anos de existência periodizados em três blocos distintos: 1947-1949, 1950-1954 e a partir de 1955 [MOURALIS, 1984; 1992], o que se sustenta nas mesmas mudanças importantes na periodicidade e na contagem dos números. No entanto, esses blocos são vistos como parte de um caminho progressivo e contínuo de aprofundamento de um posicionamento que já estaria visível e quase anunciado no número de 1947 [MOURALIS, 1992: 6].

Segundo Mouralis, no primeiro recorte, mais especificamente cultural e afirmativo, procurava-se desestruturar antigos estereótipos e afirmar uma identidade africana unificada. O segundo teria sido marcado por dificuldades financeiras, principalmente geradas pela pouca venda de seus exemplares. Nesse momento, os números periódicos da revista cessam e são substituídos por dossiês especiais. São lançados sete desses exemplares temáticos antes do retorno da revista à periodicidade, em 1955, ano que marca o início do terceiro bloco para Mouralis. A partir de então, a linha editorial da publicação assumiria um caráter mais evidentemente combativo, adotando bandeiras no continente africano como realização de sua política de afirmação cultural, mas sem, no entanto, inserir-se diretamente nos andamentos reais dos debates e das decisões políticas. Essa escolha de afastamento, que Mouralis ressalta como uma originalidade da Présence Africaine, teria garantido a possibilidade de uma postura crítica e, no texto e nas palavras do autor francês, salvou a publicação de envolver-se nos fracassos que se tornaram as nações africanas projetadas principalmente a partir da década de 1960 [MOURALIS, 1992: 6-8].

A partir desta abordagem, Bernard Mouralis estabelece a conjugação entre o primeiro e o último momento e as maneiras pelas quais o projeto cultural de uma África unificada serviria posteriormente à reivindicação política mais explícita, dando o início do relato como uma explicação para seu fim, em uma argumentação circular. A ideia se mantém em outros analistas que, mesmo percebendo alguma mudança, evitam a ideia de ruptura e reconstrução. Para Benetta Jules-Rosette, em argumentação próxima à de Mouralis:

A África fornece uma fonte histórica para a significação dos desafios atuais dos escritores. No entanto, o que é pretendido pelo termo ‘África’

124 não é uniforme nem óbvio. De acordo com o antropólogo Manga Bekombo, a ilusão referencial da África é empregada para evocar um sentido de unidade (alguma coisa de unitário) para o “mundo negro”. Essa unidade é inspirada através da alusão a uma história compartilhada e a um espírito criativo comum. Uma África primitiva e natural é visada como uma fonte de tradição e orgulho, a África colonizada é desprezada enquanto um estado de coisas a ser rejeitado e psicologicamente transcendido; a África moderna corporifica a esperança de uma autenticidade cultural recapturada e uma nova solidariedade política [JULES-ROSETTE, 1992: 20]120.

Nessa perspectiva, o detalhamento adotado por Mouralis e endossado por Jules- Rosette opta por classificar os anos de 1947-1949 como uma etapa puramente cultural no interior da publicação, na qual a África surge como uma imagem estanque que só mais tarde seria mobilizada politicamente. De certa forma, a opção dos primeiros anos da

Présence Africaine por uma abordagem etnológica e culturalista da África é tomada como

uma forma de escapar ao jogo político. E, a partir de uma leitura pragmática, é descrita como uma via de fortalecimento cultural que mais tarde se tornaria útil a um móvel político. Da mesma forma, os anos pós-1960 são considerados por Mouralis uma representação da opção da Présence Africaine por permanecer ligada à utopia do pan- africanismo, negando-se a lidar com o resultado fragmentário das independências. Isso implica considerar que o pan-africanismo enquanto projeto estava fora do repertório mobilizado nas décadas de 1950 e 1960 no interior da política institucionalizada africana. Em grande medida, essa conclusão desconsidera o cenário do período em nome da situação histórica posterior, realidade diferente daquela em que a Présence Africaine e seu projeto pan-africanista se constituíram e, vale lembrar, inacessível a seus atores históricos.

Para evitar os perigos de uma leitura teleológica, nenhuma datação prévia à leitura das fontes foi adotada nessa tese. O período de 1947 a 1949, cuja delimitação se deve à periodicidade, é analisado a partir de sua ligação com um repertório do entreguerras em uma leitura atrelada às relações estabelecidas no imediato pós-Segunda Guerra Mundial entre a intelectualidade negra que havia estado na Europa nos anos de 1930 e agora retomava os trabalhos com credenciais renovadas e em um ambiente de decisão sobre os

120 Africa provides a historical source for the significance of the writers’ present challenges. Nevertheless,

what is intended by the term ‘Africa’ is neither uniform nor obvious. According to anthropologist Manga Bekombo, the referential illusion of Africa is employed to evoke a sense of unity (“quelque chose d’unitaire”) for the ‘black world’. This unity is inspired by alluding to a shared history and a common creative spirit. A pristine and natural Africa is envisioned as the source of tradition and pride, colonized Africa is depicted as a state of affairs to be rejected and psychologically transcended; modern Africa embodies the hope of recaptured cultural authenticity and new political solidarity.

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caminhos da IV República e do colonialismo francês. A dimensão política das escolhas da Présence Africaine em sua fundação não deve ser desconsiderada, ainda que não fosse a ideia de política que Mouralis, Jules-Rossette e mesmo Hassan idealizaram como uma posição inteiramente “adequada” para o pós-1945. As escolhas desses primeiros anos, como o alinhamento com parte da intelectualidade francesa e com imagens da manutenção da ligação com a metrópole, como a da União francesa, eram resultado de longos debates e posicionamentos estratégicos dentro e fora do campo intelectual.

A Présence Africaine foi inicialmente sustentada por estratégias de publicação vindas da apropriação de protocolos da década de 1930 que procuravam garantir o estabelecimento de uma publicação periódica em um momento de vulnerabilidade dado pela crise financeira e intelectual europeia do final da década de 1940. Durante esse período, a especificidade cultural ganhou um lugar de destaque nas decisões sobre a cidadania nos Territórios do além-mar e povoou as polêmicas nas Assembleias constituintes formadas em 1946. Contesta-se, nesse momento, o pertencimento cultural como fator de exclusão e descrédito das populações africanas e defende-se, sugestivamente, um processo de ampliação da cidadania à população da AOF e da AEF que não envolvesse a assimilação cultural. Era o coroamento da geração que no entreguerras havia afirmado que a especificidade cultural negro-africana era uma credencial e não um impedimento para o intelectual negro de expressão francesa, o que envolveu dialogar com os discursos que estiveram em um processo de positivação da alteridade das populações africanas, como parte da etnologia. Nesse sentido, uma primeira hipótese a ser comprovada nesse capítulo é que a opção, em 1947, por uma leitura do continente africano pelo recorte cultural e o diálogo com a etnologia francesa estava longe de ser um elemento abstrato e esvaziado de significação política. Isso muito embora se tratasse de um repertório muitas vezes diferente do que foi mobilizado a partir de 1949 e não respondesse às mesmas demandas.

Após essa ponderação, cabe um breve retorno à proposta analítica de Hassan. O autor também considera a dimensão política das escolhas da direção e dos interlocutores africanos da Présence Africaine em seus primeiros números e aponta a grande mudança que o posicionamento inicial sofre em meados da década de 1950. Sua perspectiva sugere que as decisões tomadas na fase inicial da revista se devem a uma manutenção da divisão de trabalho colonial na revista, ou seja, à aceitação da maior relevância do intelectual europeu na construção do saber. O que se veria pelo protagonismo europeu nos escritos políticos. Essa relação de tutela é amplamente comprovada por Hassan e foi, em parte,

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descrita nesta tese. No entanto, essa abordagem por si só desconsidera uma dimensão central para pensar o homem de cultura oeste-africano em sua formação: a interseção entre o fazer intelectual e a ação política ultrapassam o campo do saber ou do posicionamento acadêmico e vários dos grandes nomes da literatura negra de expressão francesa ascendem nesse momento como figuras públicas em sentido estrito. Alguns dos eleitos como representantes das colônias nas Assembleias constituintes são nomes como Léopold Sédar Senghor e Aimé Césaire. E, posteriormente, esses e outros interlocutores da Présence Africaine farão parte das instâncias de poder territoriais, no âmbito da AOF, criadas depois de 1946, e até na esfera nacional, na Assembleia nacional francesa.

Qualquer análise sobre a Présence Africaine, portanto, deve levar em consideração sua construção por uma elite para a qual o projeto intelectual era apenas uma parte do fazer político mais amplo, no qual o engajamento cultural era uma chave de mobilização e uma credencial de autoridade. Assim, para investigar mais profundamente a maneira como política e cultura, bem como uma visão específica da modernidade ocidental e do lugar do continente africano são centrais para delinear os caminhos da

Présence Africaine e de uma elite intelectual dentro da AOF, torna-se importante visitar

algumas tendências da legislação colonial para o território no início do século XX e sua abordagem pela geração negritudiana antes da Segunda Guerra Mundial.

Oficialmente, a AOF existe como uma realidade institucional desde de 1895. No entanto, a presença europeia, bem como a dominação total de cada um dos territórios que compõem essa unidade administrativa se deu de formas bastante distintas e em datas diferentes, alargando-se até a década de 1920 [M’BOKOLO, 2000: 719-720]. Um exemplo emblemático é o do Níger. Nessa região, os conflitos de resistência local duram oficialmente de 1898 a 1900, quando a junção de dois territórios, nomeados pelos franceses como “território militar do Zinder” (territoire militaire de Zinder) e “círculo de Djerma” (cercle du Djerma), dá origem ao território militar do Níger, que é então unido ao bloco Haut-Sénégal-Niger. Essa unidade dura até 1911. Durante esses anos, outras possessões são estabelecidas no Oeste africano e o Senegal deixa de ter uma administração militar para ganhar um aparato civil. No entanto, o Níger, área considerada instável pela administração francesa e de proximidade estratégica a territórios de presença inglesa e alemã - atuais Nigéria e Togo - não deixaria de ser um território militar antes de 1920 e passaria a fazer parte da AOF somente em 1922 [DJIBO, 2003: 41-42].

Esse estatuto diferenciado do Níger vai ser decisivo para o estabelecimento de um sistema escolar e o surgimento de uma elite escolarizada nos moldes coloniais. Assim,

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em 1946, o território contava com apenas 60 dos 2000 alunos formados pela École

Normale William Ponty, responsável pela criação de quadros de professores para o ensino

primário na AOF, e até então somente um originário do Níger havia frequentado um liceu. Em 1958 a situação é um pouco diferente e o Níger contava com 546 alunos egressos ou frequentadores de liceus. Uma comparação rápida, no entanto, permite vislumbrar como o lugar dessa região era diferente daquele ocupado por outras partes da AOF e torna visível a diversidade no interior da unidade administrativa. Na mesma época, o Senegal, território com menos da metade da extensão do Níger, possuía 5.066 indivíduos que haviam frequentado liceus[DJIBO, 2003: 41-42].

A comparação aqui não é despretensiosa. O Senegal possui um lugar completamente oposto ao ocupado pelo Níger na colonização francesa no continente africano. Mais precisamente, a região das Quatro Comunas, como ficaram conhecidas as cidades de Dakar, Saint Louis du Sénégal, Rufisque e Gorée desde meados do século XIX, tinham um lugar muito diferente na AOF e antecederam a existência da unidade administrativa. Não por acaso, Dakar foi sede da administração geral da AOF durante toda sua existência e essas quatro cidades condensaram grande parte do aparato administrativo e das escolas preparatórias, nível mais alto da escolarização existente no Oeste africano durante a dominação francesa. Quando não para Dakar, os filhos das elites da AOF iam para Saint-Louis, capital da colônia do Senegal, ou Gorée, confirmando, de qualquer modo, o papel da região (conferir Anexo I). Historicamente, as relações entre a França e as populações dessa parte litorânea do Senegal se desenvolveram de forma bem distinta do resto da AOF.

Egressos do país europeu estiveram presentes na região de Saint Louis e Dakar desde o século XVII. O estabelecimento de entrepostos comerciais na região favoreceu os contatos entre comerciantes franceses e africanos que construíram duradouras alianças e famílias. Em 1848, diante dos acontecimentos políticos na Europa, as elites dessas possessões tiveram sucesso em suas pressões para obter a cidadania francesa, ao mesmo tempo em que o trabalho escravo era oficialmente abolido de todos os territórios dominados pela França [COOPER, 2014: 6].

Segundo Frederick Cooper, em seu Citzenship between Empire and Nation:

remaking France and French Africa, 1945-1960, o conceito de cidadania, a forma como

se delineia enquanto realidade jurídica, e as negociações em torno de quem ele define no interior da população e do sistema político francês é central, ao lado da ideia de soberania,

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para entender a construção do colonialismo e, da mesma forma, seu fim121. Segundo o autor, a cidadania estabelece deveres e direitos dentre os quais figuraria a possibilidade de pleitear por direitos e amenizar os deveres [COOPER, 2014: 1-26]. Seria, pode-se dizer, uma porta aberta para possibilidades e, no entanto, inacessível à quase todos os africanos sub jurisdição francesa na primeira metade do século XX.

As Quatro Comunas se tornam um evento único na África antes de 1946 [FRIOUX-SALGAS, 2009: 7] e servem como um modelo e como jurisprudência para as diretrizes defendidas pelos deputados da AOF e da AEF nas Assembleias constituintes de 1946. Ao descrever as negociações ocorridas em 1848, Cooper destaca que “para os administradores franceses, garantir a cooperação com as Quatro Comunas era mais importante do que defender as fronteiras da identidade francesa [Frenchness], e a provisão de uma cidadania flexível fez sentido”122 [COOPER, 2014: 6]. Essa conquista

das elites locais, que passam a ser denominadas como originaires (originárias), transformou a região na única exceção do sistema colonial francês estabelecido posteriormente no continente africano. A enorme maioria das populações de territórios colonizados pela França era composta por nacionais ou súditos, muitas vezes chamados simplesmente de indigènes, sem direitos políticos e, no caso dos habitantes da AOF e da AEF, regidos pelo código do indigenato,123 que implicava em direitos civis restritos ou nulos e em grande vulnerabilidade diante dos administradores e colonos europeus, aos quais era permitida e esperada, por exemplo, a exploração do trabalho forçado [COOPER, 2014: 1-26].

Com o andamento da ocupação e da colonização da Argélia que se iniciou na década de 1830 e culminou, no final do século XIX, na exclusão da população muçulmana da cidadania e de direitos civis garantidos só para os colonos franceses, como o acesso à terra e à propriedade, a França criou mecanismos legais que afastavam também os habitantes da AOF e da AEF do estatuto dado aos originaires das Quatro Comunas. Mesmo no caso desta população, com representação na Assembleia nacional francesa, a cidadania flutuou enquanto realidade jurídica durante esse período de maior fechamento e etnocentrismo da III Reública e precisou ser reafirmada durante a Primeira Guerra

121 Sobre cidadania na AOF e na AEF e sua relação com os jogos políticos e a racionalidade governamental

na França metropolitana, conferir também [WILDER, 2005].

122 for French administrators, ensuring cooperation within the Quatre Communes was more important than

defending the boundaries of Frenchness, and flexible citizenship provisions made sense.

123 Esse tema foi melhor trabalhado no capítulo I dessa tese. Para saber mais, ver [COOPER, 2014;

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Mundial, momento em que novas brechas se abrem para pressões e reivindicações políticas das elites coloniais. Utilizando-se do papel estratégico das colônias, dos soldados e dos trabalhadores senegaleses durante o conflito, Blaise Diagne, então deputado eleito pelos originaires, negociou a aprovação de uma lei que elucidava o significado do texto de 1848, esclarecendo serem os nascidos nas Quatro Comunas não simplesmente detentores de alguns direitos ligados à cidadania, mas donos do estatuto de cidadãos franceses.

Mais bem-sucedidos durante a Primeira Guerra Mundial foram os esforços de Blaise Diagne, o primeiro negro africano a ocupar uma cadeira no corpo legislativo francês, a Assembleia Nacional. Prometendo alimentar o recrutamento de seus eleitores a partir das mesmas regras usadas para os outros cidadãos franceses, Diagne convenceu a Assembleia a passar uma lei que deixava claro que os originaires das Quatro Comunas não apenas possuíam alguns direitos de cidadão, mas eram cidadãos franceses completos, mesmo que mantivessem seu estatuto pessoal enquanto islâmicos124 [COOPER,

2014: 16].

Nesse trecho de Cooper, as últimas palavras trazem uma questão central para o debate nesse capítulo: o pertencimento a uma coletividade percebida como culturalmente diferente ou inferior à da França metropolitana era o principal argumento para excluir argelinos muçulmanos e a maior parte da população da AOF e da AEF, muçulmana ou não, da cidadania. Isso era visível na plataforma defendida por Diagne, que foi o primeiro negro africano a ocupar o lugar de deputado representante das Quatro Comunas, o que se prolongou por cinco mandatos entre 1914 e 1934. Em sua primeira campanha, o senegalês