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Os “homens do além-mar”: os agentes do projeto da Présence Africaine em seus

Capítulo I INTELECTUALIDADE E EDUCAÇÃO OESTE-AFRICANAS NA

3- Os “homens do além-mar”: os agentes do projeto da Présence Africaine em seus

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Ainda no âmbito da análise da educação dos intelectuais oeste-africanos de expressão francesa, trabalharei brevemente neste tópico o perfil de alguns agentes do projeto da Présence Africaine. Embora haja um grande número de escritores que participaram em suas publicações (ver Anexo I), atenção especial será dada a quatro deles: Leopold Sénghor, Aime Césaire, Alioune Diop e Paul Hazoumé. A escolha por estes autores se deu devido à celebridade dos dois primeiros, à atuação institucional do terceiro (diretor e líder da revista) e à exemplaridade do quarto, representante da elite intelectual oeste-africana cuja formação escolar se encaixa quase totalmente no sistema estudado na sessão anterior. O intuito aqui é mostrar que os discursos e livros publicados nos primeiros anos da revista por intelectuais, como o daomeano Hazoumé, eram marcados pela incursão não em um mundo metropolitano, mas em uma região em situação colonial, por meio de experiências conformadas pelo trânsito, simbólico e/ou concreto, de seus agentes.

A partir de 1949, viu-se mudanças, mas o primeiro número da Présence Africaine aponta ainda a manutenção de lugares de poder do entreguerras e a dificuldade de rompimento. Mesmo no interior da filosofia da revista isso encontra reflexos, com a produção literária dominada por escritores negros introduzidos por ensaios políticos de europeus. Ecos da divisão de Senghor, entre uma “razão helena” e a “emoção negra” [SENGHOR, 2011]? Se nos fiarmos às declarações em “Niam N’goura...”, a organização em nada refletia o peso das produções:

A segunda, a mais importante aos nossos olhos, será constituída de textos de africanos (romances, novelas, poemas, peças de teatro, etc.). A primeira publicará os estudos de Africanistas sobre a cultura e a civilização africanas [Présence, 1, 1947: 7]101.

Os meandros dessas configurações e suas mudanças serão melhor problematizados no capítulo II, mas, seja como for, no número de 1947, todos os poemas, contos e romances foram assinados por escritores nascidos na AOF, como Léopold Sédar Senghor, Cissé Dia, Bernard Dadié, Birago Diop e Abdoulaye Sadji. Esses quatro últimos eram representantes dos quadros intelectuais formados nos bancos do ensino colonial e dividiram o espaço com Senghor, figura consagrada na metrópole e na colônia.

Essas segmentações faziam parte da forma como foi apresentado o primeiro número da revista Présence Africaine. O periódico, surgido em um momento de inflexão

101 La seconde, la plus importante à nos yeux, sera constituée de textes d’Africains (romans, nouvelles,

poèmes, pièces de théâtre, etc.). La première publiera des études d’Africanistes sur la culture et la civilisation africaines.

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na história do imperialismo francês e de criação da União francesa, foi lançado simultaneamente em Paris e em Dakar, capital da AOF, e atual capital do Senegal. Na capa do número inaugural, as palavras Dakar e Paris se encontram no pé da página, cada uma de um lado da figura humana, estilizada a partir de referência das máscaras dogon, colocada ao centro. As palavras ocupam lugares equivalentes na página (ver Anexo II). Além disso, o número vinha endossado por um comitê de patronos franceses de peso político e intelectual no cenário metropolitano, como Julien Hage destaca:

O apoio e o interesse crescente dos intelectuais franceses era reconhecível pela composição do comitê de patronagem que preside em 1947 ao lançamento do primeiro número da revista Présence Africaine: em torno de Alioune Diop, destacam-se os nomes de Georges Balandier, Albert Camus, André Gide, Michel Leiris, Théodore Monod, então diretor do Instituto francês do além-mar, e ainda aqueles do dominicano e antigo resistente Jean-Pierre Maydieu, de Emmanuel Mounier – que havia publicado em 1947, depois de uma viagem a campo, L’Éveil de l’Afrique noire -, do etnólogo Paul Rivet, diretor do museu do Homem, ao lado de Senghor, Césaire ou Hazoumé, e do americano Richard Wright, assim como o conjunto da direção da Revue

internationale de Pierre Naville [HAGE, 2009: 93] 102.

Os autores negros de maior reputação e trânsito tanto na metrópole quanto no além-mar eram Aimé Césaire e Léopold Sédar Senghor, a dupla exemplar do “intelectual negro francês”, personificação da imagem do escritor engajado e fiel às origens, representantes dos novos esforços de relacionamento da IV República. Ambos eram deputados da Assembleia nacional francesa e não pouparam o uso e a articulação de seu capital simbólico nos espaços metropolitano e colonial.

Ao lado de Senghor, o poeta martinicano Aimé Césaire foi considerado um dos fundadores do movimento da Négritude na década de 1930. Os dois se conheceram em 1931, quando Césaire chegou à capital francesa para terminar seus estudos e cursar a

École Normale Supérieure, em Paris. Ao contrário de Senghor, o poeta antilhano retornou

para a Martinica em 1939, antes de ter início a Segunda Guerra Mundial. Foi professor do ensino secundário em Fort-de-France, onde deu aula para o jovem Frantz Fanon103.

102 Le soutien et l’intérêt croissant des intellectuels français se retrouvent dans la composition du comité de

patronage qui préside en 1947 au lancement du premier numéro de la revue Présence Africaine : autour d’Alioune Diop, on y relève les noms de Georges Balandier, Albert Camus, André Gide, Michel Leiris, Théodore Monod, alors directeur de l’Institut français de l’outre-mer, ceux aussi du dominicain et ancien résistant Jean-Pierre Maydieu, d’Emmanuel Mounier – qui avait publié en 1947, après un voyage sur place,

L’Éveil de l’Afrique noire –, de l’ethnologue Paul Rivet, directeur du musée de l’Homme, aux côtés de

Senghor, Césaire ou Hazoumé, et de l’américain Richard Wright, ainsi que l’ensemble de la direction de la

Revue internationale de Pierre Naville.

103 Fanon aponta a importância desse encontro em seu primeiro livro publicado em 1952, Pele Negra,

Máscaras Brancas. Sobre Césaire, afirma: “Um europeu, por exemplo, a par das manifestações poéticas

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Em 1945, foi eleito deputado representante da Martinica na Assembleia nacional constituinte, na qual atuou ao lado de Senghor, representante do Senegal, e de outros deputados franceses e do além-mar para redigir uma nova Constituição. No pós-Segunda Guerra Mundial, a imagem desses dois poetas será muitas vezes tida como modelo de intelectualidade, cânones do movimento da Négritude e figuras centrais para autores que chegaram à metrópole posteriormente, como Alioune Diop. Esse último chegou à França após sua estadia em Argel para estudos universitários cerca de dez anos após os dois poetas e inspirou-se diretamente em seus textos que circulavam no meio universitário colonial em Paris104.

Entre os poucos nomes de intelectuais não europeus que figuraram na lista de patronos, ao lado de Richard Wright e Senghor, estava Paul Hazoumé, escritor especialmente sugestivo para pensarmos as afiliações que fundaram a revista nesses primeiros anos. Nascido em 1890, em Porto-Novo, no antigo Reino do Daomé, atual Benim, Hazoumé era filho de uma família de antigos conselheiros da família real do palácio de Abomé e teve a totalidade de sua escolarização realizada em solo africano. Foi batizado como cristão aos nove anos e fez os primeiros anos de escolarização na École

Saint-Joseph, da Missão Católica de Porto-Novo, de onde saiu aos quinze anos de idade.

Foi aceito em 1907 na École Normale d’instituteurs de Saint-Louis du Sénégal (mais tarde

William Ponty). Após os três anos da formação regular de “instituteur”, professor do

ensino primário e primário superior, Hazoumé fez parte dos quadros da École Régionale

de Ouidah, de 1910 a 1917, e foi também diretor da École Régionale d’Abomey, de 1917

a 1922, ambas no Daomé [HUANNOU, 1984 : 73-76].

No período em que deu aulas, o escritor trabalhou nas duas obras que lhe dariam notoriedade, que atravessaram o Mediterrâneo e foram publicadas na França. Os dois livros apontam para os pilares que balizaram o ensino e o modo como este era pensado para o colonizado africano. (1) Os discursos sobre os costumes locais tendo como ponto de partida o lugar de alteridade e de deslocamento científico, representado pela etnologia; (2) e a literatura colonial, com visões “físico-psicológicas do negro”. O primeiro, foi o trabalho etnológico Le Pacte de Sang au Dahomey, publicado em 1937, e o segundo, de

Só com o aparecimento de Aimé Césaire é que se viu nascer uma reivindicação, uma negritude assumida” [FANON, 2008: 135-136].

104 Ver DURÃO, Gustavo de Andrade. A construção da Negritude: a formação da identidade do intelectual

através da experiência de Léopold Sédar Senghor (1920-1945). Dissertação (Mestrado). Universidade de Campinas, 2011; SANCHES, Manuela Ribeiro. Malhas que os impérios tecem: textos anticoloniais, contextos pós-coloniais. Lisboa: Edições 70, 2011.

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1938, foi considerado o primeiro “romance histórico” escrito na África, Doguicimi, ambientado na corte do rei Guèlè em Abomé.

Em fevereiro de 1937, o Institut d’Ethnologie de Paris editou Le Pacte

de Sang au Dahomey. A obra foi muito bem acolhida pelos especialistas

e valeu a seu autor uma chamada ao Musée de l’Homme na qualidade de encarregado de missões, em abril de 1937. Ele partiu de Cotonou por um ano, mas não retornou senão em 1939, tendo sido a sua estadia encurtada pela guerra. Essa segunda estadia lhe permitiu preparar um certificado de etnologia no Institut d’Ethnologie de Paris. Em 1938, Doguicimi foi publicada nas edições Larose, com um prefácio de Georges Hardy, diretor honorário da Escola Colonial e reitor da Academia de Lille. O acolhimento favorável foi unânime [HUANNOU, 1984: 75]105.

No caso do romance, é preciso pontuar que, no entreguerras, os livros escritos por africanos e publicados na metrópole eram raros e precisavam ser incluídos na produção existente, o que os colocou sob rótulos como literatura de viagem, de aventura, colonial, ou até como textos regionais, ao lado de textos da Bretanha ou Normandia. Isso ocorria como uma forma de possibilitar a venda desses livros a partir da demanda editorial que existia para textos sob o signo do exótico, do distante, do desbravamento colonial, na esteira da literatura de aventura ou de viagem que ganhou o gosto metropolitano desde a segunda metade do século XIX [MURAD, 2016: 44-46]. Porém, para inserir os africanos como autores desses relatos, foram necessárias vozes autorizadas. No cenário em que esses indivíduos transitavam, como símbolos da escolarização colonial e do sucesso da empreitada civilizacional, os administradores ou ex-administradores coloniais foram os introdutores escolhidos. Esses governadores assumiam o papel imbuídos não só da legitimidade de sua atuação pública, mas do discurso etnológico, que muitos deles dominavam profissional ou amadoramente. Essa era uma demonstração de como o poder e o saber andavam próximos nos planos de governança colonial no século XIX.

Em Doguicimi, é Georges Hardy, administrador colonial francês e etnólogo já citado nesse texto, quem assume essa posição. A obra vinha, portanto, ligada a um para- texto substancial que pretendia dar conta da situação colonial e assegurar a qualidade literária do livro ao leitor, esclarecendo o (não) posicionamento político do autor e garantindo sua distância de pretensões anticolonialistas ou autonomistas. Ao mesmo

105 En février 1937, l’Institut d’Ethnologie de Paris édita Le Pacte de Sang au Dahomey. L’ouvrage fut très

favorablement accueilli par les spécialistes et valut à son auteur d’être appelé au Musée de l’Homme en qualité de chargé de missions, en avril 1937. Parti de Cotonou pour un an, il n’y reviendra qu’en 1939, son séjour ayant été du reste écourté par la guerre. Ce deuxième séjour lui a permis de préparer un certificat d’ethnologie à l’Institut d’Ethnologie de Paris. En 1938, Doguicimi parut aux éditions Larose, avec une préface de Georges Hardy, directeur honoraire de l’École Coloniale et recteur de l’Academie de Lille. L’accueil fut unanimement favorable.

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tempo, facilitava a circulação do romance na colônia, onde a entrada de livros era muito mais controlada do que na metrópole. No interior desta perspectiva, no prefácio a

Doguicimi, na década de 1930, Hardy afirma, referindo-se ao autor daomeano:

Os senhores o assustariam muito se o imputassem a menor intenção autonomista. Mas, à maneira de muitos dentre nós, que sem cessar um instante de serem excelentes patriotas, reservam uma ternura particular à sua região natal, ele procura não se desligar inultimente do solo de seus ancestrais, do passado de sua família, dos hábitos de sua vizinhança, de todas as forças que concorreram para formar sua personalidade profunda [HARDY Apud HAGE, 2009: 85] 106.

Essa introdução pode apontar pistas dos motivos dos silêncios em torno desse nome na bibliografia. A presença de Paul Hazoumé no comitê de patronos da Présence

Africaine não é sempre mencionada. Apesar de ser um dos primeiros africanos publicados

e lidos na metrópole, sua posição política é considerada bastante distante da que normalmente se pretende ligar à revista. Dessa forma, sua participação no grupo que se organizava é várias vezes silenciada. Hazoumé havia participado, durante a década de 1920 e início da década de 1930, como membro do Comitê de Redação, do jornal Le

Phare Du Dahomey, surgido em Cotonou, atual capital do Benim, e reputadamente de

tendência “pró-francesa” [HUANNOU, 1984: 75]. Ademais, na introdução de seu livro etnológico, de 1937, que lhe rendeu notoriedade no Instituto de Etnologia de Paris, o autor teria afirmado que o texto tinha como objetivo auxiliar na missão da colonização:

[...] isto é, um conjunto de textos destinados em prioridade não ao público autóctone mais ao público francês e visando a facilitar a obra de ‘civilização’ e de cristianização empreendida pelo colono francês, permitindo que ele acessasse mais facilmente às almas dos colonizados [HOUANNOU, 1984: 76]107.

Esse mesmo tom surgiria em crônica publicada por Paul Hazoumé sob o nome de “PAULHA”, no segundo número da revista Présence Africaine, de 1948, o que mostra que a sua assinatura no comitê de patronos não foi simplesmente oportunista. Havia espaço para o projeto político de Hazoumé nos primeiros números da Présence Africaine. No texto, intitulado “Les coloniaux doivent-ils connaître les langues africaines?”, publicado na sessão “Chroniques”, o autor apontava os benefícios para a empreitada

106 Vous l’étonneriez fort si vous lui prêtiez la moindre visée autonomiste. Mais à la manière de beaucoup

d’entre nous, qui sans cesser un instant d’être d’excellents patriotes, réservent une tendresse particulière à leur région natale, il entend ne pas se détacher inutilement du sol de ses ancêtres, du passé de sa famille, des habitudes de son entourage, de toutes les forces qui ont concouru à former sa personnalité profonde.

107 [...] c’est-à-dire un ensemble de textes destinés en priorité non au public autochtone mais au public

français et visant à faciliter l’oeuvre de ‘civilisation’ et de christianisation entreprise par le colonisateur français, en lui permettant d’accéder plus aisément aux âmes des colonisés.

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colonial da aprendizagem das línguas locais pelo colono francês. Segundo Hazoumé, que não deixou de sublinhar a sua filiação ao ideal missionário da colonização e da cristianização, o aprendizado de línguas africanas era parte de um momento de transição, cujo final redentor seria uma África de africanos que “pensam em francês”.

O conhecimento das línguas indigènes é, portanto, necessário para os franceses, pelo menos durante um período de trasição que, na obra de civilização empreendida por eles na África Negra, e mais exatamente no Daomé, pode ir de cinquenta a cem anos. Já que é de se esperar que o progresso da difusão da língua francesa irá se afirmar, de maneira que os africanos de educação francesa só pensarão em francês daqui a um século [Présence, 2, 1948: 329]108.

O trabalho de Hazoumé não lembra em nada os textos que são citados para situar a Présence Africaine como ponto central em uma narrativa una e evolutiva sobre a mudança e a radicalização do discurso dos intelectuais africanos de expressão francesa na Europa pós-Segunda Guerra Mundial. As várias aparições de Paul Hazoumé na revista e em eventos por ela promovidos, como no Primeiro Congresso de Escritores e Artistas Negros, de 1956, complexificam o cenário em que se inscreve a publicação. Esse e outros fatores são, em geral, negligenciados nas narrativas históricas posteriores para reificar a ação de escritores já conhecidos e cercados por relatos memorialísticos e por denominações como “pais fundadores” ou “pais da indepedência”, prática que transforma a história da Présence Africaine em um campo ainda cheio de lacunas e prenhe de novas possibilidades de leitura.

Revista europeia e africana, metropolitana e do além-mar, francesa de uma União francesa, de uma República formada por todos os seus territórios. A Présence Africaine se insere em um território unido e, ao mesmo tempo, cindido pelo discurso colonial francês, e partilha das muitas ambiguidades e ambivalências presentes no e construídas pelo sistema colonial. Ao longo dos anos, novos programas surgiriam, e novas configurações históricas e sociológicas se formariam em torno da revista. Por enquanto, porém, é urgente inseri-la no complexo cenário de sua fundação e não se render aos riscos de uma abordagem unicamente engajada e ascendente de sua história.

A revista foi fundada por intelectuais, notadamente Alioune Diop, que faziam da estadia estudantil e institucional em solo metropolitano uma das suas principais

108 La connaissance des langues indigènes est donc nécessaire pour les Français, pendant tout au moins une

période de transition qui, dans l’oeuvre de civilisation entreprise par eux en Afrique Noire, et plus exactement au Dahomey, peut aller de cinquante à cent ans. Car il faut espérer que le progrès de la diffusion de la langue française ira s’affirmant, de sorte que les Africains d’éducation française ne penseront plus qu’en français d’ici un siècle.

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credenciais intelectuais e políticas. Concomitantemente, transformou-se em um dos primeiros veículos a publicarem autores africanos que nunca haviam deixado o continente, completando sua escolarização nos quadros da educação colonial. A região na qual se inscreve em um primeiro momento, e que institui e demarca, é a de um espaço de intervenção em transformação, com seus entraves, barreiras e interrupções, entre o Hexágono e os territórios africanos do Oeste africano, numa ligação intrincada e de meandros convidativos ao olhar de historiadores.

A leitura dos primeiros números da revista aponta para a constante presença da situação colonial109 em suas páginas como uma força construtora, e isto consta no texto de fundação assinado por seu diretor, Alioune Diop. Essa tendência esteve presente na estrutura dos números e nos textos selecionados e publicados. A Présence Africaine trazia no nome a ideia de pensar a presença africana na modernidade e no humanismo ocidental. No entanto, o seu subtítulo, “revista cultural do mundo negro”, ligava-a culturalmente a um mundo que se queria distante do europeu e marcava a ideia de uma originalidade cultural compartilhada pela “raça negra” e representada pelo continente africano, visto como lugar de origem. Procurava-se conjugar a entrada na modernidade ocidental com a afirmação de uma especificidade, credencial que garantiria um papel de preponderância para o escritor africano na fundação de um “novo humanismo”.

De certa forma, o processo de inserção nesse humanismo passa pelo ideal colonizador francês que tem como um de seus pilares a ideia da educação em língua francesa enquanto um legado de civilização, ideia que foi aplicada no sistema educacional colonial, principalmente a partir da Primeira Guerra Mundial e do crescimento do investimento no aparato de dominação e na manutenção das regiões colonizadas. A revista, principalmente entre 1947-48, não se desfaz de suas ligações afetivas com essa dita civilização e nem faz críticas diretas ao sistema colonial em si, apenas a aspectos de seu estabelecimento, vistos como erros isolados no interior da estrutura, o principal exemplo sendo as relações de poder baseadas em ideais racistas. Esses homens não eram, como muitas vezes se diz, alvos de uma educação ocidental, mas sim de um ensino colonial, e é preciso entendê-lo e explicitar suas semelhanças e peculiaridades com relação à metrópole para situar essas relações e identidades que em um primeiro olhar podem parecer simplesmente equivocadas ou contraditórias.

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Na Présence Africaine, a ligação entre o intelectual que estava a ser criado, o agente de seu programa cultural para a África e para suas diásporas, e a formação escolar colonial não se rompia. A começar pela imagem escolhida para representar a revista e,