• Nenhum resultado encontrado

Rupturas formadoras: uma cartilha para o intelectual oeste-africano na segunda

Capítulo II- DEBATES POLÍTICOS E OPÇÕES EDITORIAIS NA PRIMEIRA

2- Rupturas formadoras: uma cartilha para o intelectual oeste-africano na segunda

Da perspectiva da organização do campo intelectual francês, o momento posterior ao fim da Segunda Guerra Mundial abriu espaço para leituras críticas da modernidade europeia, combalida pelos crimes de guerra nazistas. Esse estado de coisas favoreceu a releitura e novos lançamentos de obras e autores que, no entreguerras, foram lidos de forma bastante restrita139. Para os objetivos deste texto, destaca-se o Cahier d’un retour

au pays natal, de Aimé Césaire. Publicado originalmente na revista Volontés, em 1939, o

livro foi reeditado diversas vezes ao longo das décadas de 1940 e 1950, com versão definitiva publicada pela Présence Africaine, em 1956. Junto com o crescimento da credibilidade de Aimé Césaire e de Léopold Sédar Senghor, nos anos de 1940 tem-se a valorização retroativa das movimentações da década de 1930, o que incluiu a nomeação retrospectiva de um movimento que ficou célebre como representante dessa geração, o

Négritude. Esse movimento e o posicionamento de seus principais expoentes emergem

nesse contexto como um carro chefe para a geração pós-1945 e os laços entre os períodos se atam fortemente. Como um modelo de ação para a Présence Africaine, o movimento da Négritude aparece como referência nas estratégias e linhas editoriais dos primeiros anos da revista.

139 Midiohouan e Mitsch chamam atenção para a diferença entre a recepção da obra dos intelectuais negros

e de origem colonial no contexto francês antes e depois da Segunda Guerra Mundial: “Antes da Segunda Guerra Mundial, o ‘movimento da Negritude’, que Kesteloot situa na origem da literatura africana, era praticamente desconhecido, tanto na Europa quanto na própria África. L. G. Damas ficou sozinho, em 1937, com seu Pigments publicado de forma independente. O Cahier d’un retour au pays natal, de Césaire, publicado em 1939 na revista Volontés, não foi noticiado, assim como os poemas de Senghor inclusos na mesma edição”. [Before World War Two, the ‘Negritude movement’, which Kesteloot situates at the origin of African literature, was practically unknown, both in Europe and in Africa. L. G. Damas stood alone, in 1937, with his self-published Pigments. Césaire’s Le Cahier d’un retour au pays natal, published in 1939 in the review Volontés, went unnoticed, as did the poems of Senghor included in that same review] [MIDIOHOUAN; MITSCH, 2002: 184].

143

A importância da geração negritudiana do entreguerras, da afirmação da herança cultural africana e do pertencimento a uma unidade racial negra é algo que transborda nos primeiros números da Présence Africaine. Sua opção de valorização do discurso etnológico francês, da vanguarda artística francesa e de movimentos literários e políticos das Américas mantém os elos com os pontos centrais de uma narrativa de positivação da identidade negra no entreguerras. Notadamente, além dos inúmeros textos etnológicos ou escritos por etnólogos que compõem a revista de 1947 a 1949140, tanto o relato científico como as abordagens artística e estética se encontram privilegiadas nos dois primeiros números especiais dos anos sem periodicidade, entre 1950 e 1954, intitulados Le Monde

Noir (n 8-9) e L’Art Nègre (n 10-11).

Mesmo em relatos que não se inscreviam precisamente na etnologia, a especificidade artística e cultural africana é contemplada. No número 2 da Présence

Africaine, de 1948, por exemplo, o professor de letras francês, Michel Decaudin (1919-

2004) descreve, em “Guillaume Apollinaire devant l’art nègre”, o posicionamento de Guillaume Apollinaire diante das formas de uma estatueta de origem africana que teria dado profundo significado a sua visão da insuficiência das tradições artísticas europeias. Citando o livro sugestivamente intitulado De Montmartre au Quartier Latin, de Francis Carco, Decaudin descreve o caminho da pequena estatueta, mais tarde chamada de Vênus Negra, que teria sido percorrido junto a outros artefatos, como uma pintura “feita por um negro” [Présence, 2, 1948: 318]. Ao analisar o início do século XX, Decaudin descreve a presença controlada do Outro nas artes e nas ciências francesas no final do século XIX e início do século XX como um divisor de águas.

Nós pensamos que, se o gosto pelos objetos africanos e polinésios se desenvolveu tão rapidamente por volta de 1905 e de 1906, foi porque o terreno já estava preparado. A Sorbonne descobria, a partir de Lévy- Brühl, a mentalidade primitiva e aprendia a considerar o belo não como um tipo universal, mas como uma forma social; o museu do Trocadéro,

140 Cito alguns exemplos mais evidentes, embora a linguagem da etnologia percorroa outros registros,

notadamente o do teatro publicado nesses primeiros anos, no qual a escrita é bastante referente à produção no interior da William Ponty, desenvolvida a partir de relatos etnográficos recolhidos pelos alunos, como foi descrito no capítulo I. Assim, no número 3, de 1948 lê-se: KAHNWEILLER, Daniel-Henry. L’art nègre et le cubisme; GRIAULE, Marcel. L’action sociologique en Afrique Noire; BALANDIER, Georges. Erreurs noires; MONOD, Théodore. Un poème mystique soudanais, présenté par Th. Monod; ARNAUD, Marthe. Kangombiyeo. Textes recueillis et traduits par Marthe Arnaud. No número 4, de 1948, lê-se: BALANDIER, Georges. L’or de la Guinée française e o texto do então estagiário do IFAN, Doudou Thiam, Des contes et des fables en Afrique noire. No número 5, de 1948, lê-se: BALANDIER, Georges. Femmes “possédées” et leurs chants (à completer); TEMPELS, Placide. L’étude des langues bantoues. No número 6, de 1949, lê-se: PAULME, Denise. Les Kissi, gens du riz; THIAM, Doudou. De l’avenir des institutions coutumières en Afrique. No número 7, de 1949, último antes do fim da periodicidade, lê-se: PAULME, Denise. Les Kissi ‘gens du riz’ (fin); TEMPELS, Placide. L’être est force (extraits); Témoignages sur la ‘Philosophie Bantoue’ du Père Tempels.

144 primeiro esboço do museu do Homem, e, principalmente, o museu de Tervueren, próximo a Bruxelas, reuniam já inestimáveis coleções, e, ao mesmo tempo em que etnólogos e sociólogos se debruçavam sobre a arte “primitiva”, pintores, que haviam sido sensibilizados pelas figuras tahitianas e bretãs de Gauguin, se preocupavam, diante da desintegração à qual o impressionismo havia alcançado, com o sentido de sua arte. Derain, Braque, Picasso, seguindo vias diferentes, para além do simples aspecto visual e do jogo fugaz e fortuito de luz, procuravam o aspecto essencial das coisas, substituindo a imitação pela representação. Aos primeiros, a arte negra oferecia um campo infinito de descobertas, aos segundos, uma confirmação das experiências as quais eles já haviam se lançado. Vlaeminck tem razão, sem dúvidas, e também Gertudre Stein. Simultaneamente, inúmeros pintores descobriram os “négres” e o erro de cada um deles foi, talvez, o de ter acreditado que sua própria experiência era única141[Présence, 2, 1948: 320].

A presença desses elementos na revista, serviam, no interior dos discursos e do contexto colonial explorados até aqui, para inserí-la nos enunciados possíveis sobre o continente africano. No pós-1945, o aval e o reconhecimento vindos dos intelectuais, dos artistas e do conhecimento europeus era uma forma de adentrar o mercado editorial metropolitano. Da mesma forma que, na década de 1930, os escritores vindos das colônias contavam com a introdução de etnólogos ou administradores coloniais para serem lidos na Europa, a comunidade intelectual francesa se encarregou de apresentar a produção bibliográfica dos habitantes dos territórios da nova União francesa no final da década de 1940. Esse posicionamento estava ligado a um esforço de reconstrução da imagem do campo intelectual francês à luz dos conflitos iniciados em 1939. Nas palavras de Sartre, publicadas em 1948 em seu prefácio à obra Anthologie de la nouvelle poèsie nègre et

malgache de langue française, de Léopold Sédar Senghor, nota-se a percepção das

mudanças que envolviam as representações do lugar do continente europeu no pós- Segunda Guerra Mundial:

Antes europeus com direito divino, nós sentimos nossa dignidade ruir sob os olhos americanos ou soviéticos; a Europa já não era senão um

141 Nous pensons que si le goût des objets africains ou polynésiens s’est si rapidement développé vers 1905

et 1906, c’est que le terrain était déjà préparé. La Sorbonne découvrait, derrière Lévy-Brühl, la mentalité primitive et apprenait à considerer le beau non comme un type universel, mais comme une forme sociale; le musée du Trocadéro, première ébauche du musée de l’Homme, et surtout celui de Tervueren, près de Bruxelles, rassemblaient déjà d’inestimables collections, et, au même moment, où ethnologues et sociologues se penchaient sur l’art ‘primitif’, des peintres, qui avaient été sensibles aux figures tahitiennes et bretonnes de Gauguin, s’inquiétaient, devant la désintégration à laquelle avait abouti l’impressionisme, du sens même de leur art. Derain, Braque, Picasso, suivant des voies différentes, par delà de la simple aspect visuel et le jeu fugace et fortuit de la lumière, recherchaient l’aspect essentiel des choses, substituant la réprésentation à l’imitation. Aux premiers, l’art nègre offrait un champ infini de découvertes, aux seconds une confirmation des expériences auxquelles ils s’étaient déjà livrés. Vlaeminck a raison, sans doute, et aussi Gertudre Stein. Simultanément, plusieurs peintres découvraient les ‘nègres’ et le tort de chacun d’eux est peut-être d’avoir cru que sa propre experience était unique.

145 acidente geográfico, a península que a Ásia possuía no Atlântico. Ao menos esperávamos reencontrar um pouco de nossa grandiosidade nos olhos domésticos dos Africanos. Mas não há mais os olhos domésticos: há os olhares selvagens e livres que julgam nossa terra142 [SARTRE,

1948: X].

O jogo de palavras de Sartre era sintomático, mas não equivalente ao peso das mudanças ocorridas. A necessidade das credencias europeias mantinha ainda a hierarquização na qual o intelectual africano poderia ser lido desde que prefaciado por representantes do poder e/ou do saber ocidental. O lugar de subalternidade ou entrada controlada se conservava em protocolos de leitura sutilmente renovados. Um dos melhores exemplos disso é esse prefácio de Sartre ao livro de Léopold Sédar Senghor, “Orphée Noir”, com fama maior e mais publicações que o livro prefaciado.

Essa mesma antologia organizada pelo poeta senegalês, por exemplo, vinha cercada por outras categorizações que, juntas, delimitavam um lugar para a publicação. O livro fazia parte da coleção Colonies et Empires. Collection Internationale de

Documentation Coloniale das Presses Universitaires de France. Sob a direção e o nome

autorizado de Charles-André Julien, conhecido historiador africanista francês, autor do livro Histoire de l’Afrique du Nord, de 1933. A coleção era composta, ao todo, de cinco séries: (1)Études Coloniales, principalmente sobre os territórios invadidos no século

XIX; (2) Les classiques de la colonisation; (3) Histoire de l’expansion et de la colonisation française; (4)Géographie des colonies et de l’Union française; e (5) Art et littérature, na qual Senghor publicou a referida obra [CHARLES, 1950].

No caso da Présence Africaine, a entrada no mercado editorial, no ano anterior à publicação de Anthologie..., de Senghor, passou, de forma semelhante, pelo critério da demonstração de alianças com figuras já reconhecidas no cenário francês. Na organização institucional apresentada na contracapa do primeiro número da Présence Africaine, os intelectuais listados como parte do Comité de Patronage são, em sua maioria, franceses, enquanto os membros do Comité de Rédaction são de maioria africana (ver Anexo II). A lista começava por André Gide cujo nome vem no alto e no centro da folha, autor do “Avant-Propos”, primeiro texto do número 1 de 1947, anterior mesmo ao “Niam n’goura...”, do diretor Alioune Diop. Gide ganhou o prêmio Nobel de literatura em 1947 e era uma fonte inegável de legitimidade para a revista.

142 Jadis Européens de droit divin, nous sentions déjà notre dignité s’effriter sous les regards américains ou

soviétiques; déjà l’Europe n’était plus qu’un accident géographique, la presqu’île que l’Asie pousse jusqu’à l’Atlantique. Au moins espérions-nous retrouver un peu de notre grandeur dans les yeux domestiques des Africains. Mais il n’y a plus d’yeux domestiques: il y a les regards sauvages et libres qui jugent notre terre.

146

Como patronos da revista, outros nomes estavam listados, dentre eles Paul Rivet, um dos criadores do Museu do Homem, e Théodore Monod, diretor do IFAN, em Dakar. Esses nomes remetiam à etnologia francesa do entreguerras e, ao mesmo tempo, aos esforços de descrição, levantamento e coleta da cultura material africana. Lia-se também o nome do Padre Jean-Pierre Maydieu, responsável pela conversão de Alioune Diop, que apontava para uma ligação com a tradição católica francesa, herança que aproximava a revista de autores como Léopold Sédar Senghor. Esse último, vinha listado no comitê ao lado do daomeano Paul Hazoumé e do estadunidense Richard Wright143, como representação de intelectuais negros com algum prestígio no mercado editorial francês antes da Segunda Guerra Mundial. Havia, ainda, Jean-Paul Sartre, Michel Leiris e Albert Camus. No momento, o movimento existencialista francês se encontrava em crescimento e buscava prestígio no cenário intelectual europeu, em termos semelhantes ao grupo intelectual aqui estudado, a partir de visões sobre o engajamento e a ação do intelectual144.

Uma aliança entre esses dois conjuntos de intelectuais e suas temáticas era, portanto, uma estratégia de crescimento mútuo [JULES-ROSETTE, 2007]. Por fim, o nome de Aimé Césaire vinha listado embaixo da expressão “revue internationale”, o que aponta alguma responsabilidade pelas negociações internacionais da Présence Africaine. Como redatores, vinham listados o poeta Bernard Dadié, Amadou Cissé Dia, F.-D. Cissokho, Mamadou Dia e o literato senegalês Abdoulaye Sadji, ao lado de europeus como Georges Balandier e Hughes Panassié, esse último especialista em Jazz, outra temática com alguma fortuna crítica nos primeiros anos da revista145 [Présence, 1, 1947].

Aliada a essa configuração estava uma organização sugestiva dos artigos e das sessões. Com exceção de “Niam n’goura...”, os textos iniciais da revista, de cunho mais político, em que se aborda o colonialismo e os novos caminhos para as relações entre a Europa e os povos não-europeus, eram assinados por autores franceses, como Emmanuel Mounier, Jean-Paul Sartre e o etnólogo Marcel Griaule. Esse conjunto inicial, no entanto,

143 Wright era um escritor estadunidense que chegara à França na década de 1930, ao escapar da perseguição

política em seu país. Tratava-se de um autor de língua inglesa cuja presença reforçava a ligação ou, ao menos, as negociações da Présence Africaine com o cenário cultural estadunidense ou negro de expressão inglesa, filiação que a revista herdou dos movimentos da década de 1930, quando a Harlem Renaissance foi lida e recebida com entusiasmo. Ver [HAGE, 2009: 93; HASSAN, 1999: 204-206]

144 Sobre o intelectual e o trabalho de Sartre nesse momento, ler mais em [SARTRE, 2004].

145 Nesse sentido, pode-se citar George Herment, com a crônica “Un grand musicien noir: Chick Webb”,

no número 3, de 1948; Bornemans, com “Les racines de la musique américaine noire”, no número 4, de 1948; o próprio Hughes Panassié, com “Louis Armstrong”, também no número 4, de 1948; e Michel Perrin, com “Duke Ellington à la salle Pleyel”, no número 5, de 1948. Isso sem mencionar as resenhas publicadas algumas vezes no final da revista, com o nome Notes, ao lado da apreciação de livros, de revistas e de outras manifestações culturais.

147

era encerrado por Edward Blyden. O autor pan-africanista nascido no século XIX, caribenho, imigrante nos Estados Unidos e radicado na Libéria no início do século XX, foi publicado em excertos traduzidos para o francês. Seu lugar era específico no interior da revista e parecia indicar como a Présence Africaine se identificava com uma herança de movimentos negros anteriores e iniciados na América. Após esses primeiros artigos, e separados por um traço no sumário, estavam os poemas e trechos de romances de autores negros, africanos ou não, como Senghor, Dadié, Birago Diop, Richard Wright e Gwendolyn Brooks, única mulher negra representada nesse número e uma raridade no conjunto largamente masculino dos números da Présence Africaine até o final da década de 1960 [Présence, 1, 1947].

Para Salah Hassan, conforme citado no início do capítulo, a organização dos comitês de 1947 indicava que a Présence Africaine reproduzia as regras do trabalho colonial, em que os indivíduos europeus eram pensados como mão-de-obra especializada e os trabalhadores africanos surgiam como executores de ordens [HASSAN, 1999]. No entanto, como vimos até aqui, o cenário no qual a revista foi criada e o lugar do intelectual que estava no centro de sua produção, de envolvimento político direto, torna essa conclusão parcial.

Algumas hipóteses podem ser usadas para pensar essa organização do primeiro número, em 1947, para além da reprodução da divisão colonial e algumas delas foram largamente exploradas no capítulo anterior. Uma delas é a do uso de protocolos de publicação já existentes na metrópole em décadas anteriores e que só seriam modificados lentamente e em parte devido à ação da própria Présence Africaine. Outra possibilidade a ser mais uma vez destacada é a de que entender a escrita de poemas e romances como uma extensão das atividades compulsórias realizadas por parte das populações de

indigènes africanos nos territórios colonizados é precipitado. A ideia da autoria intelectual

foi por muito tempo considerada incompatível com a origem africana e, nessa perspectiva, o domínio de nomes africanos nesse âmbito no primeiro número da Présence Africaine pode ser encarado como uma contestação de antigas divisões coloniais. No clima de valorização da especifidade e da originalidade das populações africanas, que não eram mais empecilhos à conquista de direitos civis e políticos, mas seus viabilizadores, a revista ligava a África e sua diáspora à construção literária.

Essas configurações e bandeiras políticas mudariam, porém, ainda no final da década de 1940. É nesse momento que a ruptura se torna central no relato sobre a

148

Com a criação da IV República em 1946, a assimilação política das colônias francesas foi bastante ampliada no texto da Lei, com a criação dos Departamentos e dos Territórios do além-mar, os Départements d’outre-mer (DOM) e os Territoires d’outre-

mer (TOM). No processo de fundação da nova Constituição, o estatuto de colônia foi

retirado do texto e, da mesma forma, a figura jurídica e civil do indigène deixou de existir, dando espaço a uma ampliação do conceito de cidadania. Em teoria, portanto, as reivindicações em torno da extensão dos direitos políticos da cidadania francesa foram atendidas. A Martinica, junto a outras colônias caribenhas, foi assimilada ao território nacional francês e um dos assíduos defensores da medida e deputado encarregado de defender o projeto de lei na Assembleia foi Aimé Césaire [COOPER, 2014].

Nesse processo, com a ampliação da cidadania, a assimilação como uma política francesa voltada para os súditos coloniais individualmente deixou de existir e as críticas a um sistema colonial excludente perderam força nesse âmbito. No entanto, já no final da década de 1940 o ritmo das mudanças nos territórios de além-mar se mostrava insuficiente e vê-se o crescimento do descontentamento com a pouca ou lenta modificação efetiva que o texto constitucional havia provocado.

É preciso destacar que a Constiuição da IV República, embora ampliasse a cidadania, colocou grandes empecilhos a sua realização ao não decretar o voto universal em todos os TOMs. Nesse cenário, por exemplo, tem-se a criação de um duplo colégio eleitoral para a AEF e para Madagascar, o que significava que haviam votações paralelas de representantes para os cidadãos nativos e para os cidadãos de origem metropolitana. Esses grupos ganhavam, assim, equivalência virtual em termos políticos, o que prejudicava a possibilidade que o primeiro, a esmagadora maioria numérica, tinha de alcançar efetivamente suas reivindicações e bandeiras. Mesmo na AOF, onde o colégio eleitoral era unificado, a participação eleitoral era bastante minimizada pela ausência de identidades e registros individuais para a maioria da população, cuja existência jurídica permanecia coletiva aos olhos da administração colonial. Manteve-se em todos esses territórios a não obrigatoriedade do registro civil, o que implicava em um número de eleitores reduzidos diante das dimensões reais de suas populações [COOPER, 2014: 132- 134].

Tudo isso era apontado pelas elites políticas e intelectuais como um obstáculo ao crescimento institucional dos partidos africanos criados desde meados da década de 1940. No entanto, e apesar dessas tentativas de minimizar a mobilização política, o que se tem nessa época é o crescimento de alguns partidos de formas oficiais e não-oficiais. Essa

149

situação é amplamente relatada pela administração com relação ao RDA na Costa do Marfim no final da década de 1940, por exemplo. Existem denúncias de sua atuação não autorizada como instância de arbitragem local e até como força policial. Esse poder paralelo fomentou medidas repressivas ao partido entre 1949 e 1950. A repressão esbarrou, porém, no alcance e na força das redes que a instituição havia criado,