• Nenhum resultado encontrado

Educação colonial e intelectualidade oeste-africana de expressão francesa: uma

Capítulo I INTELECTUALIDADE E EDUCAÇÃO OESTE-AFRICANAS NA

2- Educação colonial e intelectualidade oeste-africana de expressão francesa: uma

O objetivo deste subtítulo é pensar quais eram os agentes do programa cultural e da agenda política estabelecidos pela Présence Africaine. Quem era o “povo francês” visado e quais mecanismos foram responsáveis, ao longo da colonização francesa na África Ocidental, nos séculos XIX e XX, pela conformação de espaços institucionalizados de produção de saber e, ao mesmo tempo, de grupos que passaram a agir a partir da autoridade advinda desse lugar de poder? O recorte temporal se alarga brevemente neste tópico para permitir uma análise mais detalhada das estruturas que fundamentaram a formação de elites intelectuais na AOF, com seus códigos e símbolos de autoridade, como o domínio da língua francesa. Concomitantemente, o recorte espacial será ampliado em relação aos cenários normalmente abarcados na bibliografia especializada. A ideia é delinear o ambiente no qual se funda a intelectualidade oeste- africana de expressão francesa.

Alguns pontos do texto de Alioune Diop e dos protocolos de leitura do primeiro número podem servir como pistas importantes para entender quem a Présence Africaine convocava dentro e fora do continente africano. Uma condição se encontra bem clara na apresentação. Apesar dos “homens do além-mar”, que falavam pela revista, pertencerem a diferentes partes da África francesa e a diferentes comunidades linguísticas, era a partir da língua francesa que deveriam se expressar. Segundo André Gide, reconhecendo um

85 La revue [...] prétend s’adresser aux peuples noirs pour ce que nous croyons avoir à leur dire; mais, plus

88

conflito entre ser “africano” e ter de escrever em “francês”: “[...] para falar-nos, para serem compreendidos por nós, é preciso aqui recorrer a nossa língua, instrumento de empréstimo, e que pode tudo falsear” [Présence, 1, 1947: 6]86. Portanto, para escrever nas

páginas da revista era preciso fazê-lo em francês, língua ao mesmo tempo “nossa”, porque francesa, e “instrumento de empréstimo”, porque metropolitana. Língua do aparato colonial. Esse paradoxo na forma de qualificar a língua francesa é compreensível se entendermos que a administração e a escolarização na AOF, desde sua fundação, em 1895, teve como ponto central a língua francesa, ainda que apenas uma pequena parcela da população da federação fosse capaz de entendê-la e de expressar-se através dela:

Ainda que o governo geral de Dakar não tenha jamais pensado em transformar a maioria de seus súditos em cidadãos franceses – só uma pequena minoria era destinada a ser completamente assimilada – ele não duvidou do fato de que todos os africanos poderiam e deveriam aprender a falar francês no quadro da aprendizagem da civilização universal [CONKLIN, 2002: 165]87.

A língua era considerada como uma marca da presença colonial francesa e uma dádiva da civilização que deveria ser passada aos colonos [HARDY, 2005: 183-188]. O antigo administrador colonial francês, George Hardy, ávido defensor da educação colonial como uma dimensão central do colonialismo francês, afirmava, na década de 1910, que a língua francesa deveria ser uma saída para o “tribalismo”, na medida em que representaria uma língua neutra no jogo de forças locais. No capítulo 4 de seu livro Une

conquête moral: l’enseignement en AOF (1917), Hardy é um dos primeiros a apresentar

a discussão sobre a necessidade da educação colonial feita em francês. Os termos da língua colonial como uma força civilizadora estavam postos.

No momento pós-Segunda Guerra Mundial esse tipo de discussão se torna recorrente. Com a criação da União francesa, novas delimitações do ensino são colocadas em prática e é sugestivo que as principais demandas apontadas pelos representantes dos TOM seguissem a tendência de aproximação com o sistema escolar francês. Essas reivindicações faziam eco à ação dos sindicatos de educadores no pós-Segunda Guerra Mundial [GUTH, 1990: 77-79]. Segundo Suzie Guth, as pressões seriam pelo fim de matérias ligadas a técnicas agrícolas e de construção, como os “jardins scolaires”,

86 [...] pour nous parler, pour être comprises par nous, il faut ici recourir à notre langue, instrument

d’emprunt, et qui risque de tout fausser.

87 Bien que le gouvernement général de Dakar n’ait jamais pensé transformer la plupart de ses sujets en

citoyens français – seule une petite minorité était destinée à être complètement assimilée – il n’a pas douté du fait que tous les Africains pouvaient et devaient apprendre à parler français dans le cadre de l’apprentissage de la civilisation universelle.

89

comuns em escolas regionais e rurais na AOF. A medida da qualidade do ensino para os sindicatos de professores oeste-africanos era dada por sua semelhança ao ensino metropolitano.

A qualidade do ensino vai se tornar um dos objetivos das elites recentemente formadas: un ensino semelhante àquele da França será reivindicado fortemente. A distinção entre diploma indigène e diploma metropolitano, entre quadro indigène e quadro metropolitano não será mais aceita [GUTH, 1990: 78]88.

Nesse cenário, a discussão sobre a escolarização na AOF foi colocada em pauta na Assembleia da União francesa, em 1946. Na ocasião, Marcel Griaule, etnólogo francês, então encarregado de assuntos culturais na administração da AOF, propôs o estabelecimento de uma educação primária bilíngue. Os representantes africanos Paul Hazoumé, um dos patronos da Présence Africaine, e Guirandou N’Diaye teriam se colocado veementemente contra a proposta, alegando que isso acarretaria uma grande perda de tempo para os alunos “já prejudicados do ponto de vista linguístico e de idade” [SPAETH, 1999: 78]89.

Um dos marcos para a discussão do uso da língua francesa e de outros idiomas oficiais de potências coloniais no ensino e na produção cultural africanos foi a criação da UNESCO, em 1946. Esta instituição, sediada em Paris, colocou o poder de decisão sobre a educação das populações da África e de outros territórios dominados ou classificados como “pobres” em um plano de visibilidade internacional. A educação de base foi então o projeto de dedicação prioritária da instituição ligada à Organização das Nações Unidas (ONU). Essa discussão teve um forte peso político, visível na Réunion d’experts en

matière d’éducation de base, realizada pela UNESCO, em 1947. Nessa ocasião, o

representante francês, A. Charton, Inspetor Geral de Ensino na AOF, defendeu a continuação do ensino em língua francesa nos Territórios do além-mar, concluindo: “É preciso conseguir desenvolver nos Negros o senso cívico e ampliar seu horizonte para além da tribo” [UNESCO, 1947-1950: 5]90. A UNESCO, imbuída do ideal de oferecer

educação primária nos moldes ocidentais, apostou na promoção da difusão na AOF da língua francesa, vista ainda como símbolo da civilização e, em termos pragmáticos, como parte de um sistema educacional e editorial com bases já estruturadas.

88 La qualité de l’enseignement va devenir l’un des objectifs des élites nouvellement formées: un

enseignement semblable à celui de la France sera revendiqué avec force. La distinction entre diplôme indigène et diplôme metropolitain, entre cadre indigène et cadre métropolitain ne sera plus acceptée.

89 […] déjà handicapés du point de vue linguistique et de l’âge.

90

Os termos colocados demonstram como a educação em francês, e em outras línguas coloniais, se torna um dos últimos bastiões do discurso civilizador colonialista. Essa discussão esteve nas origens do projeto que posteriormente fundaria a Organisation

internationale de la Francophonie. Foi também a base do estabelecimento, ao longo da

década de 1950, das regulamentações da disciplina Francês Língua Estrangeira (FLE), que normalizou e padronizou, de acordo com regras estipuladas pela França, o ensino e a avaliação desta língua no mundo [SPAETH, 1999]. Tal forma de política cultural pretendia fazer do país um polo de irradiação, além de reforçar seu poder político e simbólico em países de língua oficial francesa, muitos deles antigas colônias. Nesse sentido, é sugestiva a posição do antigo Inspetor Geral do Ensino na AOF, A. Davesne, sobre a presença do FLE na África ainda na década de 1950: “Qualquer que seja o futuro reservado a nossos territórios do além-mar, é desejável que a língua francesa esteja solidamente implantada para poder resistir aos eventos” [DAVESNE Apud SAPETH, 1999: 80]91.

A revista Présence Africaine não passou ao largo dessa discussão. Em seu segundo número, em 1948, na esteira das decisões da UNESCO sobre a campanha de incentivo à alfabetização nos países colonizados, publicou o artigo, sem autoria, “L’UNESCO fera-t-elle apporter l’éducation dans les contrées arriérées?” [Présence, 2, 1948: 325-327]. No texto, a língua da instrução é também colocada em questão. A posição apresentada pela revista é de que o francês e o inglês deveriam ser línguas auxiliares, com a adoção de línguas locais selecionadas para o ensino. De qualquer forma, a educação deveria ser incentivada como uma maneira

[...] de tirar as coletividades atrasadas de seu isolamento, de lhes permitir através da instrução a se virarem para o exterior, de respeitar seus costumes próprios, os ajudar a descobrir sua originalidade e os impedir de se negarem ao contato com a civilização moderna. Para melhor dizer, não se trata de assimilar pura e simplesmente, mas de adaptar o progresso ao ambiente. [Présence, 2, 1948: 327]92.

Mais uma vez, a ideia do equilíbrio entre uma originalidade a ser preservada e a entrada na “civilização moderna” é colocada em pauta. O ensino e a alfabetização são elencados como maneiras de adaptar as populações africanas ao “progresso”. E não

91 Quel que soit l’avenir réservé à nos territoires d’outre-mer, il est souhaitable que la langue française y

soit assez solidement implantée pour pouvoir résister aux événements.

92 [...] de sortir les collectivités arriérées de leur isolement, de leur permettre par l’instruction de se tourner

vers l’extérieur, de respecter leurs coutumes propres, les aider à découvrir leur originalité et les empêcher de se renier au contact de la civilisation moderne. Pour mieu dire, il ne s’agit pas d’assimiler purement et simplement mais d’adapter le progrès au milieu.

91

devemos perder de vista que esse ensino era aquele baseado nos moldes coloniais. Uma vez que grande parte das línguas faladas no continente era expressa através da oralidade, e que o aprendizado ganhava outras formas, a escolha de um programa político pelo fim da analfabetização implicava que a ONU estava a assumir os moldes do ensino ocidental europeu como o modelo “universal” a ser expandido.

Nessa exigência de falar e escrever em francês se encaixavam facilmente os “homens do além-mar” que moravam em Paris, escolhidos entre os estudantes com melhor desempenho. E, em solo colonial, havia o sistema escolar construído desde o século XIX para garantir a criação de uma pequena elite de falantes do francês. Nele, destacavam-se os educadores formados para atuar nesse mesmo sistema, os chamados “instituteurs”, única carreira na área de Ciências Humanas possível no sistema da educação colonial francesa na AOF. O francês era visto como um dos passos principais em direção à entrada em um mundo de civilização.As línguas africanas, inúmeras vezes reportadas como “dialetos”, eram inseridas em uma divisão entre “primitivo e moderno”.

A problematização do termo “dialeto” pode ser pensada a partir do texto de Jonathan Steinberg, “O historiador e a questione della língua”, publicado no livro organizado por Peter Burke e Roy Porter, História Social da Linguagem. Para o autor, questões como poder e política permeiam as disputas em torno da língua. Nesse sentido, Steinberg procura pensar o que estaria envolvido na nomeação de algumas línguas como dialetos:

O dialeto é uma forma de falar que contrasta fortemente com a língua padrão? Cada dialeto local pode ser considerado puro e uniforme? A própria língua padrão pode ser considerada um dialeto? A língua padrão tem variações regionais? A resposta depende da situação cultural, mas depende também do investigador. Como explicou o sociolinguista [...] Gianrenzo Clivio, ‘de um ponto de vista estritamente linguístico, a língua é um dialeto que tem um exército, uma marinha e uma força aérea. Essa é a única diferença que pode ser percebida de uma perspectiva realmente linguística’. Em outras palavras, o Estado define ou deixa de definir a fronteira entre língua e dialeto [STEINBERG, 1979: 235].

Segundo esse discurso, as línguas africanas, reportadas como formas “básicas” de se expressar, seriam incapazes de servir a representações abstratas, universais e reflexivas. Essa tipologia se insere no conceito de “mentalidade pré-lógica” dos povos ditos primitivos, uma temática central na etnologia da segunda metade do século XIX e início do XX, tendo como representante emblemátio Lucien Lévy-Bruhl [LÉVY- BRUHL, 1922].As pessoas que apenas se comunicavam por essas línguas possuiriam a

92

capacidade de pensar comprometida, de forma que não poderiam adentrar o mundo ocidental de maneira consciente. Essa alegação “ilustra, assim, a diferença estabelecida entre línguas primitivas e línguas modernas que corresponderia à passagem da representação do particular, do concreto, do sensível, àquela do geral, do abstrato e do reflexivo” [SPAETH, 1999: 79]93.

A história da presença francesa no continente africano a partir do século XIX é paralela ao desenvolvimento de um discurso de civilização versus barbárie. O objetivo declarado do esforço de invasão e submissão dos territórios que mais tarde seriam integrados à República francesa não ficava apenas na expansão e fortalecimento do Estado, mas na ideia de pacificar e civilizar a população dos territórios conquistados. Apesar da aparente contradição entre esses ideais representados como uma missão da III República e o estatuto das colônias e dos colonizados como “súditos” ao invés de “cidadãos”, a “educação”, pensada como parte central da narrativa da civilização, colocava o sistema colonial no interior do humanismo universalista do qual a França se pretendia representante. Pensados como indivíduos incapazes de exercer completamente sua liberdade, os indigènes eram inseridos no ideal civilizacional como “crianças grandes” [CONKLIN, 2012]. Assim, somente a presença do colonizador, pensada como uma espécie de tutela, garantiria a evolução, tendo como ponto final a liberdade. O ideal de progresso e civilização conjugava uma série de posições da administração colonial que poderiam parecer contraditórias caso não pensadas em seu interior. Foi a partir dessa perspectiva, por exemplo, que a administração colonial francesa se preocupou em registrar a ilegalidade do trabalho escravo em 1905 (decreto que indica que a abolição de 1848 não era completamente observada no continente africano) e, em 1912, reconhecer e regulamentar o trabalho forçado, sob o pretexto da necessidade de “educação” do colonizado na “ética do trabalho”.

Uma das razões apontadas na época para explicar essa anomalia foi que os africanos eram muito primitivos para serem cidadãos; argumentava- se que somente os indivíduos completamente autônomos poderiam ser dotados, sem riscos, de direitos políticos. Ora, para ajudar esses primitivos a alcançarem a autonomia que ainda lhes faltava, a República não hesitou em lhes impor numerosas obrigações ligadas à cidadania. Mesmo não sendo regidos pela lei francesa e sem ter qualquer participação em seu próprio governo, os africanos deviam pagar impostos, colaborar no trabalho forçado e servir sob a bandeira francesa – sem o que, segundo dizia o alto pessoal administrativo, eles não

93 [...] illustre ainsi le partage établi entre langues primitives et langues modernes qui correspondrait au

passage de la représentation du particulier, du concret, du sensible à celle du général, de l’abstrait et du réflexif.

93 sairiam jamais de seu estado primitivo e de sua letargia secular [CONKLIN, 2002: 168-169]94.

No interior desta tendência, os projetos de instrução em francês na África não tardaram a surgir. Primeiramente encabeçados pela iniciativa da Igreja católica francesa, tão logo os processos de invasão e estabelecimento coloniais foram completados na AOF, o Estado colocou em ação planos de educação pública nos novos territórios do império.

Em um dos primeiros povoamentos franceses na costa ocidental da África, em Saint-Louis du Sénégal, missionários católicos instituíram a primeira escola francesa ainda em 1817 [GUTH, 1990: 72]. Essas escolas tinham dificuldades para recrutar os filhos das elites locais em seus primeiros anos. As famílias não viam vantagens em entregar suas crianças para as comunidades religiosas cristãs, apartando-os dos costumes e aprendizados reconhecidos por essas populações. Além disso, a ampla difusão do islamismo e de escolas corânicas na região tornava essas relações ainda mais complicadas. Assim, essas instituições cristãs recolhiam órfãos, cativos e escravos que estavam sendo vendidos, muitos dos quais morriam logo depois de chegar às missões, o que não melhorava a sua imagem. Ao longo do século XIX e do século XX outras escolas missionárias seriam estabelecidas, inclusive sob influência dos Pères Blancs95, ganhando maior prestígio.

Porém, a educação dominada pela Igreja na AOF nunca teria a preponderância que teve na África Equatorial Francesa (AEF). Com o estabelecimento da colonização francesa na região ocidental no final do XIX e a criação da AOF em 1895 em uma área de forte presença islâmica, a escolarização subsidiada pelo Estado alcançaria maior sucesso, tendo sido oficialmente prevista por lei, em 1903 [GUTH, 1990: 73]. Ao contrário, na AEF, o sistema educacional público nunca suplantou a força das escolas missionárias católicas. Dessa diferença decorreu uma taxa bem maior de escolarização de

94 Une des raisons avancées à l’époque pour expliquer cette anomalie fut que les Africains étaient trop

primitifs pour être des citoyens; on argua que seuls les individus complètement autonomes pouvaient être dotés sans risque de droits politiques. Or, pour aider ces primitifs à atteindre l’autonomie qui leur faisait encore défaut, la République n’hésita pas à leur imposer de nombreuses obligations liées à la citoyenneté. Bien que n’étant pas sous le coup de la loi française et n’ayant aucune participation dans leur propre gouvernement, les Africains étaient supposes payer des impôts, collaborer au travail forcé et server sous les drapeux français – sans quoi, disait le haut personnel administratif, ils ne sortiraient jamais de leur état primitif et de leur léthargie séculaire.

95 Pères Blancs foi o nome dado a uma sociedade criada em 1868 pelo Monsenhor Lavigerie, arcebispo da

Argélia. Oficialmente, o nome da organização é Missionnaires d’Afrique e era uma forma da Igreja Católica se tornar parte do esforço colonizador no continente. A congregação foi responsável por uma série de tratados geográficos e etnográficos de territórios africanos no século XIX, muitas vezes adentrando os espaços antes da presença francesa efetiva se estabelecer. A sua força a tornaria um potencial rival do Estado francês no continente, o que fez sua presença e suas relações com a colonização bastante flutuantes ao longo dos séculos XIX e XX.

94

mulheres na última. Em um cenário no qual os sistemas de ensino público e religioso disputavam prestígio e alunos, as meninas foram beneficiadas com maior número de vagas. O que não ocorreu no caso da AOF, onde os números de escolarização de meninas foram quase zero até 1960 [GUTH, 1990; SPAETH, 1999; DESALMAND, 198396].

Apesar da maior presença do ensino público na AOF, o acesso às escolas era bastante restrito e assim permaneceu ao longo de toda a primeira metade do século XX. Isso se devia a um sistema que nunca pretendeu se universalizar e que foi pensado como um processo de seleção e educação diferenciada, no qual apenas uma pequena parcela da população possuía chances de acessar os ensinos primário superior e secundário. Como uma marca dessa divisão, existia uma grande desigualdade interna na distribuição geográfica das instituições nas colônias [MURAD, 2016: 54-55]. Assim, a região costeira do Senegal possuía as escolas mais reconhecidas e organizadas por dois fatores: era a área de colonização francesa mais antiga, devido à região das Quatro Comunas, cuja população era considerada cidadã francesa, e era a colônia na qual se encontrava Dakar, capital da AOF, com uma população de colonos europeus relativamente grande empregada na administração.

A estrutura da escola, conforme estabelecida por lei em 1903, deveria ser formada por três níveis, o ensino primário, o ensino primário superior e as escolas federais, equivalentes ao ensino secundário. O ensino destinado aos indigènes era principalmente o nível primário, por isso contava com estabelecimentos rurais, regionais e urbanos. Nas instituições rurais e regionais a escolarização era voltada para o aprendizado básico do francês, de cálculo e de técnicas agrícolas e de construção. As escolas urbanas possuíam um conteúdo mais próximo ao metropolitano, com maior número de alunos que continuavam os anos de escolarização após o primário. Com a criação da escola